Uma nova possibilidade para prisão preventiva poderá ser prevista pelo Código de Processo Penal. Isso porque tramita na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado o Projeto de Lei do Senado (PLS) 41/2015, que permite a identificação e a localização de bens ou valores obtidos em delitos praticados por organizações criminosas, garantindo também sua devolução.
De autoria do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), o projeto tem como objetivo dificultar a ocultação do produto do crime pelo acusado. “Esse projeto visa autorizar a prisão preventiva quando necessária para a identificação e a localização ou assegurar a devolução do produto do crime ou seu equivalente ou para evitar que seja utilizado para financiar a fuga ou a defesa do investigado ou acusado”, afirmou o senador.
Na avaliação do criminalista Luiz Flávio Borges D’Urso, o projeto de lei estabelece inadequadamente a ampliação das possibilidades de decretação de prisão preventiva.
“Na primeira delas, em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares, parece-nos imprópria pois, ao se decretar uma medida cautelar diversa da prisão preventiva, é porque essa prisão preventiva não é necessária. Já no caso de descumprimento de alguma condição estabelecida, a lei posta já estabelece a possibilidade da substituição da medida e até da decretação da preventiva, todavia, não obrigatória tal decretação como pretende o projeto, “engessando” o magistrado”, afirma D’Urso.
De acordo com o criminalista, caso as medidas cautelares não sejam suficientes, a lei posta já prevê a possibilidade da preventiva. “Quanto à possibilidade de se decretar a preventiva para assegurar a devolução do produto do crime, isto é melhor tratado na lei posta que possibilita o bloqueio de bens e valores, o que nos parece mais eficaz. Os demais argumentos trazidos pelo projeto, pensamos que não têm razão de ser, diante da lei vigente, que contempla as possibilidades legais para se impedir a utilização do proveito financeiro do crime”, expõe.
Para o criminalista Thiago Turbay, o projeto de lei nada faz além de alargar o âmbito de incidência da prisão preventiva – de tempo indeterminado -, extraindo, na prática, seu caráter subsidiário.
“Há uma aglomeração de pressupostos tornando as duas subespécies de prisão cautelar: preventiva e temporária, mescladas. Permitirá o uso excessivo de prisões longevas, antecipando a responsabilização penal, em caráter precário. Parece-me que o projeto de lei incentivará critérios de proporcionalidade abstratos, ampliando indistintamente a margem discricionária do juiz. Em tese, possibilitará perseguições. Será um retrocesso, apoiado por justificativa de cunho alarmista e que visa implantar um direito penal de urgência, que merece severas críticas”, explica.
Para a criminalista Carla Rahal, sócia do escritório Viseu Advogados, o projeto parece arbitrário e uma medida de política administrativa criada para socorrer o Estado diante de sua ineficiência. “Está-se, com esta proposta legislativa, buscando inserir uma medida inconstitucional que resolva um problema de tempo e eficiência”
A criminalista Rachel Lerner Amato, sócia do escritório Andre Kehdi & Renato Vieira Advogados, afirma que “todo o projeto parece ser mais uma das hoje tão comuns medidas políticas que, ao leigo, aparentemente são bem-intencionadas e servirão ao combate da criminalidade, mas que não encontram lógica alguma em um estudo minimamente aprofundado do sistema constitucional e processual penal vigente”. Segundo Rachel Amato, a segunda hipótese para justificar a prisão preventiva, conforme o projeto (assegurar a devolução de bens ou valores) não tem legitimidade constitucional.
“A restrição à liberdade anterior à condenação com trânsito em julgado ainda é, no sistema posto, exceção. Utilizá-la para garantir ressarcimento patrimonial – ainda que as cautelares reais sejam ineficazes, insuficientes ou estejam em fase de implementação – seria medida desproporcional frente ao princípio da presunção de inocência”.
A advogada criminalista Anna Júlia Menezes, sócia do Vilela, Silva Gomes & Miranda Advogados considera que o Código de Processo Penal já prevê medidas para ressarcimento e avalia o projeto do Senado como uma afronta ao princípio da presunção da inocência.
"A prisão preventiva é medida cautelar de caráter excepcional. É correto dizer que uma medida cautelar não deve ter característica punitiva ou de antecipação da pena. A nova modalidade proposta afronta o princípio da presunção de inocência e abre margem para que a última “ratio” do Direito Penal passe a figurar como instrumento para coação patrimonial, bem como a restituição de valores”, diz.
Neste caso, segundo Anna, não se está buscando a conservação de uma situação de fato necessária para assegurar a utilidade e a eficácia de medida indispensável a um futuro provimento condenatório. “Ao contrário, o que se está pretendendo é a antecipação de alguns efeitos práticos da condenação penal. Sendo que, para o êxito da primeira hipótese, o CPP já prevê medidas assecuratórias como sequestro, hipoteca legal e arresto”, pontua.
Divergência
O relator do projeto, senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES) comentou que o CPP já prevê três tipos de medidas cautelares para compensar prejuízos decorrentes de um ato criminoso: sequestro, hipoteca legal e arresto de bens.
“Se a investigação localizar o produto do crime, ou parte dele, pode ser decretada a busca e apreensão. Contudo, a eficácia dessa medida é relativa em crimes que envolvem lavagem de dinheiro, pois a dissimulação/ocultação dos valores dificulta o acesso direto ao produto do crime. A apreensão de valores transferidos para o exterior dependerá da colaboração das autoridades de outros países e de acordos internacionais”, argumentou Ferraço no relatório.
O relator também apresentou um contra-argumento. O relator alertou para o risco legal de se usar a prisão preventiva/cautelar para obrigar o acusado a devolver os bens ou recursos desviados antes de haver uma condenação definitiva da Justiça. Conforme ponderou, essa situação ofenderia, “em tese”, o princípio constitucional da presunção de inocência.
Assim, para afastar qualquer questionamento em torno da constitucionalidade do PLS 41/2015, Ferraço decidiu apresentar emenda de redação ao texto original. O movimento foi no sentido de ampliar o alcance do projeto, não mais restringindo a admissão da nova modalidade de prisão preventiva a crimes praticados por organizações criminosas.