Informação controversa

Não há como atestar validade de "provas" de investigação sobre doleiros, diz laudo

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11 de setembro de 2018, 7h18

Não há como comprovar que os delatores da operação "câmbio, desligo" entregaram ao Ministério Público Federal os sistemas que seriam usados para movimentar valores ilícitos no exterior, chamados de "ST" e "BankDrop". É o que aponta o laudo do perito em fraudes e falsificações, Lorenzo Parodi, contratado pela defesa de um dos investigados.

De acordo com o documento, no HD entregue pelos delatores ao MP havia 28 pastas, com 15.653 mil arquivos. Nele não há nenhum arquivo executável, nem bases de dados que poderiam abastecer os sistemas. "Os 30 arquivos com extensão 'DB', indicados como 'data base file', são de fato arquivos com o mesmo nome em pastas diferentes, mas não são bases de dados", diz o laudo, ao qual a ConJur teve acesso.

Para fazer a perícia, Parodi usou o HD e outros dois arquivos fornecidos ao MPF pelos delatores e obtidos pelas defesas dos delatados com a 7ª Vara Federal do Rio. Um dos arquivos trata do "BankDrop" e o outro, do extrato, que seria emitido pelo "ST". O primeiro sistema entregue às autoridades, segundo o laudo, foi criado a partir de imagens previamente arquivadas e não diretamente de um software. Ou seja, o que os delatores apresentaram foram capturas de tela do sistema, e não os arquivos.

Os documentos fazem parte das investigações da operação "câmbio, desligo". Ela foi deflagrada em maio deste ano e teve origem nas delações premiadas dos doleiros Vinícius Claret, conhecido como Juca Bala, e Cláudio de Souza, o Tony. Segundo o MPF, eles participavam de esquema de movimentação de recursos e, para controlar as transações, desenvolveram um sistema informatizado próprio.

No "BankDrop" estariam relacionadas mais de 3 mil empresas offshore, com contas em 52 países, e transações internacionais que somam mais de US$ 1,6 bilhão. Já no "ST" haveria o registro de todas as operações de cada doleiro, como uma espécie de conta corrente. Ele foi utilizado para controlar a movimentação no Brasil e exterior.

Indícios
A perícia aponta que os arquivos do HD estão nos formatos PDF, Word, LibreOffice e texto, além de imagens e tabelas Excel. Segundo Parodi, o que deveria haver no HD são arquivos executáveis que dessem acesso aos bancos de dados, ainda que remotamente.

Ao analisar as imagens, o perito diz que algumas são reproduzidas na denúncia e no termo de autuação da 7ª Vara Federal Criminal, mas não estão no HD.

Parte da explicação para isso é que os arquivos não foram copiados do HD na mesma data do recebimento pelo MPF, mas um dia antes do fornecimento à defesa, diz o laudo. Portanto, conclui o documento, não há como saber como essas cópias foram feitas.

"No fornecimento da cópia do HD à defesa, não foram adotados os normais e indispensáveis procedimentos de análise forense para preservar a integridade e garantir a segurança e idoneidade das mídias que deveriam conter vestígios ou provas", diz o documento. Também por isso, continua o perito, não é possível afirmar se o HD apresentava arquivos ocultos ou alterados.

Mais de uma versão
Considerando a existência do sistema "BankDrop", o perito faz a ressalva de que não há como assegurar que as informações apresentadas são verdadeiras. Ao analisar as imagens, a perícia registrou que há sete versões diferentes do sistema, com oito usuários diferentes, em pelo menos dois computadores. Porém, "como não há cópias dos softwares para análise nos autos, não é possível afirmar que realmente há essas versões".

Imagens apontam que há sete versões diferentes do software

À ConJur, o procurador Eduardo El Hage, responsável pelo caso, assegurou que não há outras versões do sistema, porque trata-se de um banco de dados montado em um software executável. Ele confirma que todos os arquivos estão no HD, mas eles não são as provas, eles dão acesso aos bancos de dados, que estão salvos em outros servidores e computadores.

Para acessá-los, continua Hage, é preciso abrir um arquivo de texto que — esse, sim — está salvo no HD. No documento, estão as instruções de acesso aos bancos de dados BankDrop e ST, entregues pelos delatores aos investigadores. E para abrir os bancos, é necessária uma "senha mestre".

Mas o perito afirma só ter encontrado arquivos vazios no HD. Segundo o MPF, os doleiros entregaram o sistema, e não instruções de acesso. E o perito afirma que não há nenhum arquivo executável (.exe) e nem de banco de dados, que seriam .db. São ícones vazios, segundo ele.

Hage diz "não haver a menor dúvida" sobre a existência do sistema. Prova disso é que todos os delatores confirmaram a informação e nenhum deles fez qualquer ressalva sobre isso. Um dos pontos levantados pela perícia de Lorenzo Parodi é que não há registros de como e quando esses arquivos foram entregues. O MPF, em resposta, disse que "as demais questões técnicas serão respondidas nos autos".

Alterações
O laudo afirma ainda que há duas imagens sobre a mesma transação financeira apresentadas em momentos diferentes com indícios de edição.

"Pelos elementos disponíveis, é perfeitamente possível que tais imagens tenham sido, simplesmente, criadas, ex novo, utilizando programas de gráfica ou atrás de montagens de diversos tipos", diz o parecer. A perícia não consegue afirmar que as imagens apresentadas no HD se refiram a um software e "ainda dizer quais seriam as características de um eventual software, sem poder analisar ele".

"É totalmente descabida e priva de qualquer mínima fundamentação técnica e lógica a eventual afirmação que duas versões diferentes de determinado software tenham o mesmo funcionamento e utilizem os mesmos dados", diz o laudo.

Cadeia de custódia
A ausência da origem específica dos dados contidos no HD e de uma cadeia de custódia sólida "é extremamente difícil e arriscado aceitar os documentos autênticos e verídicos", considera a perícia. Por isso, Parodi defende a cadeia de custódia, como forma de documentar a cronologia das provas, sua origem e quem foram os responsáveis por manuseá-las.

Para exemplificar o caso, ele produziu um documento falso, em PDF, com as mesmas características e tão "autêntico" quanto o extrato apresentado pelos colaboradores e utilizados pelo MPF na denúncia. Assim, sustenta a necessidade de que haja uma perícia oficial em relação aos documentos.

"Não é sequer possível dizer se os arquivos foram de alguma forma acessados ou modificados indevidamente uma vez que entregues aos Ministério Público Federal, pois não foi fornecido nenhum tipo de documento e comprovação das condições que foram entregues ao MPF", conclui a perícia.

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