Opinião

O Executivo perdeu o controle, e o Judiciário deve se fazer cada vez mais presente

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11 de setembro de 2018, 6h53

O Brasil chegou em um momento em que o Poder Executivo perdeu o controle. Perdeu o controle das contas públicas. Perdeu o controle político e perdeu o controle da segurança e da ordem. Prova viva disso é a questão do tabelamento do frete no país. O que pode justificar, em tempos tão graves na economia brasileira, que uma greve ilegal de caminhoneiros pudesse ser mantida, tolerada e aceita? Houve total incompetência do Executivo e da própria ordem institucional para manter o controle da ordem pública.

É preciso entender em que contexto se insere tal demonstração de fragilidade e sucessão de equívocos por parte do Executivo brasileiro e do Congresso Nacional, que admitiram a utilização de veículo ilegal para instituir o malfadado tabelamento — uma medida provisória. Sem observar mandamento e rito constitucional próprios, o Executivo e o Congresso se curvaram a chantagem de grupo econômico, em detrimento da agricultura, da indústria, enfim, em detrimento de toda economia nacional, para aceitar a tabela de frete. Tudo isso se valendo da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) — que se tornou submissa ao Poder Executivo e omissa em suas funções. A ANTT ficou refém também em todo esse cenário. A agência criou, alterou e preparou tabelas sem qualquer fundamentação técnica, às pressas, de afogadilho. Simplesmente cedeu à pressão política de um grupo.

Os preços, após 10 dias de greve ilegal, subiram. Faltaram mercadorias no país e até hoje existe grande dificuldade na implementação da tabela e nas relações de contratações de serviços de frete. Após prevalecer a incerteza, agora há uma nova ameaça de paralisação. Ou seja, se conferiu poder a grupos econômicos que deveriam estar sendo punidos caso ainda existisse respeito à legislação no país. Se chancelou a cartelização de preços em manifesto retrocesso. A lei no Brasil, aliás, vem sendo há muito tempo deturpada. Temos os exemplos da política para o político e da política para o cidadão comum. O executivo usa o discurso de mudança da Previdência, mas cede a castas privilegiadas. Os privilégios existem para aqueles que deveriam servir ao cidadão e que têm aposentadorias especiais e benefícios extra. O cidadão, por outro lado, está sendo cada vez mais alijado de uma condição digna de cidadania — com aposentadorias impactadas e segurança pública inadequada, assim como educação e saúde pública.

Esse tipo de política, concentrada no privilégio de alguns com orçamento comprometido por uma máquina estatal grandiosa e ineficiente — com custos exacerbados de folha, de gestão e manutenção —, conduz também a falta de investimentos necessários. O desemprego recorde é fruto disso. Esse desemprego leva a menor recolhimento de tributos e a maior aumento da demanda de serviços do SUS pela incapacidade de o cidadão comum e até de empresas continuarem mantendo um plano de saúde alternativo. Neste grave instante, o papel do Judiciário surge fundamental. Cabe a ele dar um norte para preservar a legalidade. O controle da legalidade é o único caminho para que se restabeleça a segurança institucional e a governabilidade. E temos um Supremo Tribunal Federal que, neste momento, deveria estar dando norte pela incompetência do Executivo e do Legislativo e, de certo modo, fica acuado — no caso do tabelamento de frete.

Cabe ao Supremo cumprir a tutela legal e não postergar indefinidamente uma decisão subtraindo do jurisdicionado o direito de ter sequer uma resposta conclusiva do Judiciário. É preciso deixar um recado claro ao ministro Luiz Fux, que conduziu audiências públicas sobre o tabelamento de frete, mas também deixou engessada toda a jurisdição, concentrando-a em suas mãos. Afinal, está na mão dele um comando fundamental. O Brasil. sua economia, seus cidadãos, não podem ficar à mercê de um único setor como o de caminhoneiros. O país não pode ter seu povo submisso à falta de um Executivo sério e eficiente. O que vem acontecendo no caso do frete não é apenas a demonstração de um governo fraco. É a demonstração de que o Supremo também precisa atuar e, tempestiva e eficazmente, corrigir este fato para garantir a Constituição brasileira.

O frete hoje é uma bandeira do desmando, mas não é a única. A falta de investimentos públicos adequados e o excesso de custo da máquina estatal — com uma folha e eventual cabide de empregos com folha exacerbada — também fazem parte do desmando. Exemplo recente foi o incêndio do Museu Nacional, patrimônio histórico infelizmente destruído por falta de recursos e manutenção. Um prenúncio de morte anunciada assim como parece que o país está sendo conduzido. Isso fica claro na falta de vigilância adequada nas fronteiras, na falta de condição razoável para litigar os efeitos da imigração e fuga dos venezuelanos, no sentido de dar o respeito e a dignidade a quem procura abrigo, e no absurdo da situação da segurança no país, especialmente no Rio de Janeiro — onde o governo intervém, mas os resultados parecem não chegar, e isso não acontece porque há muito tempo faltam razoáveis investimentos em segurança. E, ainda, para contemplar tudo isso, faltam: harmonia, unidade política e comando dos órgãos do Poder Executivo. O Ministério da Fazenda tem suas propostas, com corporações e grupos de poder fazendo alterações em benefícios próprios, como no caso da reforma da Previdência e castas privilegiadas de cidadãos e do servidor público.

E agora, diante de grave crise financeira por falta de adequados recursos e planejamento orçamentário, os Correios — vinculados ao Ministério das Comunicações — trazem inédita e abusiva cobrança de R$ 15 para executar serviços que fazem parte de sua obrigação de monopólio. Essa nova taxa é cobrada de consumidor de baixa renda, que teria assegurado por lei o privilégio de uma isenção tributária nas importações até U$$ 50. Isenção legítima e que não deve ser tributada é agora subvertida por uma taxa dos Correios, que, a qualquer custo, buscam receitas extraordinárias, assim como fizeram com as taxas de emergência no Rio. Os cidadãos, para os Correios, simplesmente não pesam. O que pesa é rombo orçamentário. Dessa forma, os Correios burlam toda a sistemática da legislação tributária e do Direito do Consumidor. Esse é o Brasil sem governo e sem respeito a direitos. É hora de mudar. É hora de o Judiciário se fazer cada vez mais presente. É hora de se dar uma guinada. É hora de se buscar celeridade aos ritos judiciais.

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    é sócio-fundador da Advocacia José Del Chiaro, especialista em defesa da concorrência. É membro do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) e do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp). Foi secretário de Direito Econômico do Ministério da Justiça.

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