Opinião

Proibir amamentação em público é prática abusiva que viola direitos fundamentais

Autor

  • Julio Moraes Oliveira

    é mestre em Instituições Sociais Direito e Democracia pela Universidade Fumec (Fundação Mineira de Educação e Cultura). Especialista em Advocacia Cível pela FGV. Membro do Brasilcon e do Iberc (Instituto Brasileiro de Estudos de Responsabilidade Civil). Advogado e professor de graduação e pós-graduação em Direito.

7 de setembro de 2018, 7h02

Nos últimos meses, um assunto que não deveria ser polêmico, por ser um ato extremamente natural e de amor, ganhou as mídias sociais, a mídia impressa e a TV. É cada vez mais comum os noticiários divulgarem casos de mães que foram expulsas ou advertidas por estarem amamentando em estabelecimentos privados como bares, restaurantes, shopping centers etc.

Algumas dessas mães, além de serem advertidas, foram expulsas desses estabelecimentos, como aconteceu em um shopping de Oklahoma, nos Estados Unidos[1]. Aqui no Brasil, vários casos também já aconteceram em diferentes estados, e nos mais diversos lugares, como shoppings, lojas, pontos de ônibus e dentro dele, e também em restaurantes[2].

Afinal de contas, como consumidoras, essas mães têm direito de amamentar seus filhos nos estabelecimentos? O que diz o Código de Defesa do Consumidor a respeito do assunto?

De início, é importante destacar que a amamentação é a forma mais saudável de alimentação do bebê já comprovada em estudos científicos e recomendada por todos os profissionais médicos.

A amamentação, além de ser extremamente saudável para o bebê, cria um vínculo de afeto e carinho entre a mãe e o filho em toda plenitude da maternidade. É um ato perfeitamente natural e que não ofende os bons costumes de qualquer sociedade.

O Código de Defesa do Consumidor não tem nenhum dispositivo específico sobre o direito à amamentação, mas isso não significa dizer que a prática possa ser proibida pelos estabelecimentos.

O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê que a criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata a lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade. Além disso, o mesmo estatuto dispõe que é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária (artigos 3º e 4º). Complementa o artigo 9º que o poder público, as instituições e os empregadores propiciarão condições adequadas ao aleitamento materno.

Desse modo, o ECA prevê expressamente que é dever da sociedade, da família e do poder público, com absoluta prioridade, o direito à alimentação, e esse direito não pode ser suprimido por qualquer regulamentação ou norma interna.

Ademais, o artigo 7º do CDC dispõe que os direitos previstos nesse código não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia, costumes e equidade.

Em Belo Horizonte, existe a Lei Municipal 10.940/2016, que prevê multa ao estabelecimento que vier a constranger a gestante, independentemente da existência de áreas exclusivas para aleitamento. Em âmbito estadual, também existe a Lei 22.439/2016, que regulamenta o direito à amamentação.

Em Teresina, existe a Lei 4.778/2015, que também proíbe o constrangimento; assim também em São Paulo, com a Lei 16.047/2015; e no Rio de Janeiro, com a Lei 7.115/2015, que também proíbe qualquer tipo de constrangimento sob pena de multa.

Obras de arte, por diversas vezes já retrataram o ato de aleitamento no decorrer da história, mas, nos dias atuais, por incrível que pareça, esse ato natural passou a ser ofensivo a uma parcela da população[3].

Essa mesma sociedade que se sente ofendida com o aleitamento não se sente ofendida com a nudez gratuita nas publicidades, na televisão, na internet. Comercialmente, tudo é possível.

Desse modo, entende-se que, mesmo não estando prevista no artigo 39 do CDC, a prática de constranger o aleitamento em qualquer tipo de estabelecimento, existindo lugar destinado ou não, é uma prática abusiva que viola os direitos fundamentais da mãe e do bebê, constitucionalmente protegidos e hoje garantido por diversas leis estaduais e municipais. Além disso, o texto constitucional garante também a todos, em seu artigo 5º, V e X, o direito à indenização por dano moral e material, bem como o artigo 6º, VI, do Código de Defesa do Consumidor também prevê a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais sofridos pelo consumidor.


[1] Mãe é expulsa de shopping por amamentar filho. Disponível em: https://paisefilhos.uol.com.br/bebe/mae-e-expulsa-de-shopping-por-amamentar-seu-filho/ Acesso em 27/8/2018.
[2] Mãe é constrangida por amamentar em restaurante da zona leste e grupo faz mamaço. Disponível em: https://cidadeverde.com/noticias/204923/mae-e-constrangida-por-amamentar-em-restaurante-na-zona-leste-e-grupo-faz-mamaco acesso em 27/8/2018.
[3] 19 obras de arte que mostram como a amamentação sempre foi bela. Disponível em: https://www.huffpostbrasil.com/2015/06/03/19-obras-de-arte-que-mostram-como-a-amamentacao-sempre-foi-bela_a_21681760/ acesso em 27/8/2018.

Autores

  • é advogado, professor da Fapam – Faculdade de Pará de Minas e da Faculdade Asa de Brumadinho, mestre em Instituições Sociais, Direito e Democracia pela Universidade Fumec, especialista em Advocacia Civil pela FGV e bacharel em Direito pela Faculdade de Direito Milton Campos (FDMC). Membro da Comissão de Defesa do Consumidor da OAB-MG e do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (Brasilcon).

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