Guerra fria

Imprensa dos EUA avalia tendências autocráticas do presidente Trump

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6 de setembro de 2018, 17h17

Em menos de 24 horas, o presidente Donald Trump sugeriu duas restrições às liberdades constitucionais dos cidadãos dos EUA. Na terça-feira (4/9), declarou ao site conservador Daily Caller que protestos deveriam ser banidos, por ser uma vergonha para o país. Na quarta (5/9), pediu, pelo Twitter, mudanças na legislação para ele poder processar, com sucesso, autores de livros que o criticam.

Isso foi o que publicou o site Think Progress nesta quinta-feira (6/9), refletindo o que se tornou uma prática da imprensa dos EUA nos últimos dias: questionar as tendências autocráticas ou totalitárias do presidente Donald Trump. Uma espécie de guerra fria entre o presidente e a imprensa (e algumas instituições) se acirrou recentemente.

Na terça-feira, o jornal HuffPost publicou: “O presidente Donald Trump ameaça desarticular a imprensa — da mesma forma que o homem forte da Venezuela fez. Ele insiste que os procuradores federais devem prender seus inimigos políticos — da mesma forma que o regime autocrático da Rússia faz. Ele diz aos cidadãos que é a única fonte de verdade — da mesma forma que o ditador da Coreia do Norte faz”.

Antes disso, o jornal The New York Times citou, em artigo opinativo, dois cientistas políticos que estudaram como democracias definham e morrem nos tempos modernos. Eles disseram que identificaram quatro sinais que determinam se um líder político é perigosamente autoritário:

1) o líder mostra apenas um fraco compromisso com os princípios democráticos;
2) ele nega a legitimidade de seus oponentes;
3) tolera violência;
4) mostra alguma vontade de restringir as liberdades civis e reprimir a imprensa.

“Um político que se enquadra em apenas um desses critérios é causa de preocupação”, disseram ao jornal os cientistas políticos, professores da Universidade Harvard, Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, autores do livro recém-lançado Como Democracias Morrem.

No caso dos EUA, com exceção de Richard Nixon, nenhum candidato presidencial, de um dos grandes partidos, se enquadrou em pelo menos um desses quatro critérios nos últimos cem anos. “No entanto, infelizmente há uma atualização: Donald Trump se enquadra em todos eles”, disseram os cientistas políticos.

A CNN destacou que o fato de o presidente Trump atacar constantemente a liberdade de imprensa é motivo de preocupação. Ele já declarou, entre outras coisas, que a imprensa não gosta realmente dos Estados Unidos, que a mídia é a inimiga do povo americano, que os jornalistas são as pessoas mais desonestas do país e passou a chamar os órgãos de imprensa que publicam notícias que ele não gosta de fake news (notícias falsificadas).

O mais grave, segundo a CNN, foi ele ter escrito no Twitter que a licença de certos órgãos de imprensa deveria ser revogada (algumas das emissoras que publicam notícias contra ele). “Algumas redes de TV se tornaram partidárias, [publicando notícias] distorcidas, falsificadas, de forma que suas licenças deveriam ser contestadas e, se apropriado, revogadas”.

Segundo o site da Aclu (American Civil Liberties Union), o presidente Trump disse ao primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, que a liberdade de imprensa é “repugnante”. Na opinião do presidente, os jornalistas não podem escrever tudo o que querem.

O jornal The Washington Post foi mais irônico. Publicou que é difícil categorizar o trumpismo. Não se sabe bem se Trump é autoritário, demagogo, fascista, fascista moderado, nacionalista branco, etnonacionalista ou um cleptocrata. Mas, como ele não tem competência para ser nada disso, é mais provável que seja apenas um populista de direita.

O site Vox destacou a visão de Trump sobre o Departamento de Justiça (DOJ), que não faz o seu trabalho direito, pois deveria processar seus inimigos e protegê-lo. Em uma entrevista ao The New York Times, em dezembro de 2017, Trump disse que admirava o ex-procurador-geral Eric Holder, que protegeu o ex-presidente Obama, por tudo o que ele fez de errado. “Vou ser honesto, eu tenho um grande respeito por isso”, disse Trump ao jornal.

Coalizão é a solução
“Nós tendemos a assumir que ameaças à democracia vêm de golpes ou revoluções violentas. Mas, nos tempos modernos, a democracia irá mais provavelmente definhar nas mãos de pessoas no comando que ganham poder, inicialmente, através de eleições. Isso é o que aconteceu, em certo grau, na Rússia, Filipinas, Turquia, Venezuela, Equador, Hungria, Nicarágua, Sri Lanka, Ucrânia, Polônia e Peru”, dizem os cientistas políticos, segundo o New York Times.

Para os cientistas políticos, a criação de um presidente autocrático começa nas urnas, quando um candidato populista se aproveita das frustrações da população para se eleger. Isso aconteceu na Venezuela de Chavez, na Alemanha de Hitler e na Itália de Mussolini.

Na Venezuela, apenas um quarto da população achava que o totalitarismo era a melhor forma de governo. Na Rússia e na Itália, apenas 2% dos eleitores eram filiados ao partido nazista ou ao partido fascista, respectivamente. Mas demagogos astutos conseguiram virar o jogo a seu favor.

Não se espera que os Estados Unidos irão seguir o caminho de Venezuela, Alemanha ou Itália. Mas dá para perceber as tendências autoritárias de Trump e a admiração que ele tem por outros líderes autoritários, como Vladimir Putin, da Rússia, e Rodrigo Duterte, das Filipinas. No entanto, as instituições dos EUA são mais fortes do que Trump, dizem.

O presidente norte-americano tem tentado minar instituições e seus representantes, como juízes, o Departamento de Justiça, órgão de segurança como o FBI, a comunidade de inteligência, a imprensa e a oposição no Congresso. Pediu a prisão de seus “inimigos” políticos, como Hillary Clinton, e prometeu pagar os custos jurídicos de simpatizantes que agredissem manifestantes. “Mas, com isso, ele só está agredindo a democracia americana”, declaram.

Questionados sobre os caminhos da população para resistir a um presidente autoritário, eles disseram que não recomendam aos oponentes demonizar o outro lado ou adotar táticas escaldantes, que podem resultar e uma espiral de mortes, em que a quebra das regras se torna epidêmica.

“Em vez disso, a oposição ao autoritarismo deve se dedicar à defesa dos direitos do cidadão e das instituições. É fundamental desenvolver coalizões, mesmo que isso signifique fazer acordos dolorosos, para que as manifestações de protesto tenham uma base sólida.”

Sem coalizões, o risco de fracasso e de polarização é muito alto. Podem ser necessárias medidas extraordinárias, mas elas têm de se sustentar em coalizões extraordinárias, que reúnam partidos rivais, instituições, liberais e conservadores, líderes empresariais e religiosos, explicam os cientistas políticos da Universidade Harvard.

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