Opinião

Formação desportiva é constitucional (o caso de uma decisão trabalhista inédita)

Autor

  • Maurício de Figueiredo Corrêa da Veiga

    é advogado Doutorando em Ciências Jurídicas pela Universidade Autónoma de Lisboa Professor CBF Academy; Membro da Academia Nacional de Direito Desportivo; Presidente da Comissão de Direito Desportivo do IAB; Secretário Geral da Comissão de Direito Desportivo do Conselho Federal da OAB.

5 de setembro de 2018, 6h35

O Direito Desportivo possui peculiaridades que o difere dos outros ramos do Direito, nada obstante a sua incontroversa capilaridade e ligação com o Direito Constitucional, do Trabalho, Civil, Penal, Tributário, Empresarial, Administrativo, Consumidor e Ambiental.

No dia 6 de agosto, o Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (SC) rejeitou o pedido de arguição de inconstitucionalidade do contrato de formação desportiva previsto no artigo 26, parágrafo 4º da Lei 9.615/1998.

Trata-se de decisão inédita proferida por uma corte regional trabalhista, devendo ser destacada a previsão constante logo na ementa do julgado, na qual se afirma que contrato especial de aprendizagem desportivo (no qual é assegurado assistência educacional, psicológica, médica, odontológica, alimentação, transporte e convivência familiar, além de seguro de vida e acidentes pessoais) difere do contrato de aprendizagem profissional de que trata o artigo 428 da CLT.

Tal assertiva é de extrema importância na medida em que assegura a real importância do Direito Desportivo e da forma como essa disciplina deve ser encarada pelos profissionais do Direito. Ou seja, não se pode interpretar as normas de Direito Desportivo da mesma forma com que se interpreta o Direito comum.

No referido acórdão, a desembargadora relatora, Lília Leonor Abreu, afirma, com propriedade e autoridade, que as peculiaridades que envolvem a formação do atleta profissional e o fomento da prática desportiva como meio de estimular o desenvolvimento físico, psíquico e social da criança e do adolescente autorizam a celebração de um contrato especial de aprendizagem desportiva, nos moldes preconizados pela lex sportiva.

A arguição de inconstitucionalidade surgiu durante o julgamento de uma ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho contra o Figueirense Futebol Clube. Na ação foi postulado que o time se abstivesse de manter em sua base crianças e adolescentes menores de 14 anos, celebrando com os demais atletas não profissionais de 14 a 20 anos contrato de aprendizagem nos moldes do artigo 428 da CLT, cuja modalidade prevê anotação na CTPS, remuneração não inferior ao salário mínimo hora e existência de vínculo empregatício.

O pedido do parquet demonstra a total ausência de conhecimento da legislação desportiva e das suas origens.

Com efeito, a aprendizagem profissional está relacionada a um ofício que poderá ser aprimorado com a prática reiterada e supervisionada. Na aprendizagem desportiva, práticas reiteradas podem qualificar o profissional tecnicamente, porém o talento e a habilidade são características inatas. Como diz o ditado popular: “É pelo dedo que se conhece o gigante”.

Não há dúvidas de que aquele jogador com idade inferior a 14 anos pode e deve ser estimulado a praticar qualquer modalidade desportiva. Obviamente não será um menor aprendiz e muito menos um atleta profissional.

A Lei 13.155/2015 alterou o artigo 3º da Lei Pelé e acrescentou o inciso IV com a previsão do desporto de formação, caracterizado como aquele responsável pelo fomento e aquisição inicial dos conhecimentos desportivos que garantam competência técnica na intervenção desportiva, com o objetivo de promover o aperfeiçoamento qualitativo e quantitativo da prática desportiva em termos recreativos, competitivos ou de alta competição.

Para uma família menos favorecida, ter um menino que jogue bem futebol e demonstre interesse pelo ofício pode ser, muitas das vezes, a única oportunidade de sucesso na vida. Na vida daquele atleta e de toda a sua família.

Nota-se que, nessas hipóteses, não estamos falando de um trabalho, mas, sim, da prática desportiva lúdica, com intuito de contribuir para a educação daquele cidadão.

Outrossim, a própria Lei Pelé estabelece uma série de requisitos para reconhecer uma entidade de prática desportiva formadora.

Curioso notar que, no caso em comento, o Figueirense, réu na ação, foi julgado à revelia na 3ª Vara do Trabalho de Florianópolis, que acolheu integralmente os pedidos formulados pelo MPT e declarou a inconstitucionalidade do dispositivo da Lei Pelé, decisão posteriormente mantida pela 1ª Câmara do TRT-12, o que ensejou a interposição de recurso de revista ao Tribunal Superior do Trabalho, que, ao identificar a falta do voto da maioria absoluta dos membros do TRT-12 na declaração de inconstitucionalidade, remeteu o caso de volta ao regional.

Na decisão restou consignado que a Lei Pelé estabelece uma modalidade especial de aprendizagem, voltada aos atletas em formação, diferente do contrato de aprendizagem previsto na CLT, em razão das peculiaridades que envolvem a própria formação do atleta profissional e o seu tempo de atuação. Para tanto, é exigido por parte dos clubes benefícios e condições apropriadas, até porque estes poderão futuramente cobrar por seu investimento. Essa lei tem por finalidade fomentar a prática desportiva, como meio de estimular o desenvolvimento físico, psíquico e social da criança e do adolescente.

Alvissareira, portanto, a decisão que afirma a autoridade e as especificidades da legislação desportiva.

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