Segunda Leitura

A depressão alcança e prejudica as carreiras jurídicas

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

2 de setembro de 2018, 10h27

Spacca
Há cerca de dois anos, participando de um encontro de juízes do Trabalho, tomei conhecimento de que o TRT daquela região enfrentava um sério problema com o número de magistrados com depressão. Assustei-me. Sabidamente, a classe recebe vencimentos muito superiores aos da média nacional, goza férias de 60 dias por ano e ainda tinha, naquela região, apoio do tribunal para estudar no exterior.

De lá para cá passei a prestar atenção no assunto. Fui à minha infância, à juventude e ao início da vida adulta. Não me lembrei de um só amigo depressivo. Disso vem-me a conclusão de que este é um fenômeno do século XXI.

A depressão pode ser um mal físico e daí o tratamento fica por conta de um médico e de remédios. Mas, em parte cada vez maior, ele é fruto da vida contemporânea. Essa é a hipótese aqui analisada.

A rotina da maioria das pessoas começa assistindo aos jornais da televisão. Aí começa o problema, pois eles nos abastecem das desgraças mais recentes. Mortes pela violência urbana, problemas de tratamento no SUS, desemprego, índices escolares baixos e o Brasil perdendo crédito no cenário internacional. As coisas boas que também acontecem não são noticiadas, porque não dão audiência.

Ao desfile de desgraças da TV somam-se as das redes sociais. Vídeos nos bombardeiam com a última atrocidade em Miamar e com a diáspora de venezuelanos fugindo da fome.

Em paralelo, o contato redobrado das pessoas através das redes sociais corresponde à ausência de contatos pessoais. Não há tempo para conversas descompromissadas, onde se trocam experiências, temores e se solidariza com as adversidades alheias. O almoço em família foi substituído por um sanduíche devorado à frente da TV. Para agravar, o Facebook exibe relatos de vitórias pessoais, levando o leitor a crer que é o único que não alcança o sucesso e não está aproveitando a vida.

Além disso tudo, há as dificuldades normais da existência, como a morte de familiares, as dificuldades de emprego, a reprovação em concurso público, problemas de saúde e decepções amorosas. E assim a pessoa se sente impotente para enfrentar os obstáculos da existência, abandona os amigos, isola-se, dorme em excesso, não sente prazer em nada e, por vezes, não deixa que lhe auxiliem.

O quadro é grave. Segundo estudos da Organização Mundial da Saúde (OMS) referentes ao ano de 2015, “a depressão afeta 322 milhões de pessoas no mundo”1. E quebrando o consenso de que somos um povo feliz, a mesma enquete revela que, “no caso do Brasil, a OMS estima que 5,8% da população nacional seja afetada pela depressão. A taxa média supera a de Cuba, com 5,5%, a do Paraguai, com 5,2%, além de Chile e Uruguai, com 5%”2.

Se esse é o quadro da população em geral, ele não é diferente nas carreiras jurídicas. Muitos estudantes de Direito afastam-se de tudo, assustados com a ausência de líderes, corrupção e por não verem perspectivas de um futuro profissional de plena realização pessoal.

Advogados jovens ficam desapontados ao saber que, depois de anos de estudo, o mercado lhes oferece um salário de R$ 1,4 mil. Advogados antigos perdem a clientela em razão da grande quantidade de novos inscritos na OAB e das dificuldades de adaptar-se aos desafios da tecnologia.

Policiais afastados por problemas psicológicos aumentam a cada dia, frustrados com o serviço de alto risco e a ausência de reconhecimento da sociedade. Defensores públicos mostram desgaste por receber, diariamente, uma carga elevada de problemas, às vezes insolúveis. Agentes do Ministério Público mostram-se insatisfeitos com os resultados de seu trabalho. Magistrados frustram-se com um sistema que lhes impõem uma interminável carga de trabalho, sendo grande o número de depressivos, inclusive com dois suicídios recentes (Paraná e Minas Gerais).

Mas é preciso evitar cair nessa situação, fugir do pessimismo contagiante. E a primeira medida é lembrar o alerta do psicanalista Augusto Cury, para quem “mais de 90% das nossas preocupações sobre o futuro não se materializarão. E os outros 10% ocorrerão de maneira diferente da que desenhamos”3. Portanto, não corresponde à realidade imaginar que o futuro será ruim.

Em seguida, afastar a ideia de que o passado era um paraíso. A vida, de diferentes formas, nunca foi fácil. Por exemplo, se nos anos 60 a violência era menor, as discriminações eram maiores. A uma mulher não era dada a possibilidade de ser juíza de Direito, era reprovação na certa. Outro exemplo, o estágio. Enquanto hoje a lei regula o número máximo de horas, férias e outros direitos, no meu caso eram oito horas de trabalho diário, de paletó e gravata, recebendo meio salário mínimo de remuneração, sem vale transporte ou alimentação.

Os que se acham em carreiras públicas, por vezes inconformados com alguma decepção momentânea, devem focar o que possuem a seu favor. O primeiro fator é a estabilidade. Em um país de economia paralisada, com comerciantes fechando suas portas a cada dia, o sustento assegurado ao fim do mês é algo que precisa ser valorizado. É verdade que em um ou outro estado há atraso no pagamento dos vencimentos. Mas essa é uma fase que se espera seja superada, e a eleição para governador e deputado estadual é o exato momento.

Outras vezes o problema é o local da lotação. O jovem procurador regional da República ingressou no MPF certo de que influenciaria grandes decisões constitucionais e acaba passando o tempo em pareceres e sessões que discutem ações previdenciárias idênticas. Nesse e nos casos semelhantes é oportuno que se tente transferência e, se ela demora, que se olhe para o que há de positivo no local e na função.

Se a defensora pública se cansa pela energia negativa dos reclamantes, é preciso pensar que, para aquelas pessoas, algo simples como retificar erro material na certidão de nascimento pode ser o que mudará para melhor suas vidas.

A advocacia costuma exigir pelo menos dois anos para se impor no mercado. E não faltarão motivos para desanimar. Um cliente ganha, mas não paga, ou uma liminar tida como certa é negada. Encarar obstáculos como aprendizado é uma boa tática para espantar o desalento. Ser enganado pelo sócio do escritório é uma ótima oportunidade para se precaver em outros contratos. Aos que iniciam em grandes escritórios, levar uma reprimenda do chefe pode ser muito bom para corrigir um defeito.

A magistratura, com o tempo poderá se revelar frustrante. A cada decisão surgem mais cinco conclusões à espera. E algumas matérias são repetitivas, não despertam nenhuma satisfação. Então este é um bom momento para iniciar uma atividade extra, seja ligada ao trabalho (um curso de mestrado) ou simplesmente lúdica. Conviver com pessoas de fora do Judiciário é ótimo para ouvir outra forma de pensar e reagir.

Em qualquer idade ou profissão, do estagiário ao mais elevado posto do Judiciário, fazer amizades, cercar-se de pessoas positivas, procurar antigos amigos da turma de faculdade, visitar aquele professor que foi mais atencioso são medidas acertadas para evitar a depressão.

Aos que se aposentam, o cuidado é redobrado. Cedo perceberão que a perda do cargo ou a posição importante em um escritório significará queda nos convites e até na forma de tratamento. O pomposo título de desembargador poderá ser substituído por “seu João” pelo novo empregado do condomínio. Encarar isso como parte da vida, ver o lado cômico da situação, interessar-se por outras atividades (por exemplo, atuando como conciliador) são hipóteses a serem consideradas.

Mas a depressão não é um problema apenas do portador. Família e amigos são essenciais. Os que nunca tiveram depressão tendem a desconsiderar o fato. É um erro. O depressivo sofre muito e sair de tal estado de espírito nem sempre é fácil. Qualquer ajuda será valiosa.

Visitas, convites, um simples telefonema, uma mensagem eletrônica podem ser decisivos. É preciso tentar, com todas as forças, tirar o depressivo do isolamento, mostrar-lhe outras oportunidades da existência.

Em suma, é necessário olhar o que a vida oferece e crer que o futuro não é necessariamente sombrio. A partir de tal postura, com certeza, as oportunidades se abrirão, a alegria e a cordialidade com outros retornarão na mesma intensidade. E a depressão poderá ser, um dia, mera lembrança de uma fase ruim.


1 Depressão cresce no mundo, segundo OMS; Brasil tem maior prevalência da América Latina. Disponível em: https://g1.globo.com/bemestar/noticia/depressao-cresce-no-mundo-segundo-oms-brasil-tem-maior-prevalencia-da-america-latina.ghtml.
2 Brasil é o país mais depressivo da América Latina, diz OMS. Disponível em: https://saude.estadao.com.br/noticias/geral,brasil-e-o-pais-que-mais-sofre-com-depressao-na-america-latina,70001676638.
3 Ansiedade. Como enfrentar o mal do século. Saraiva: São Paulo, 2014, p. 135.

Autores

  • Brave

    é desembargador federal aposentado do TRF da 4ª Região, onde foi corregedor e presidente. Mestre e doutor em Direito pela UFPR, pós-doutor pela Faculdade de Saúde Pública da USP, é professor de Direito Ambiental no mestrado e doutorado da PUC-PR. Presidente da International Association for Courts Administration (IACA), com sede em Arlington (EUA). É vice-presidente do Ibrajus.

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