Ofensiva autoritária

Carmen Lúcia suspende ações em universidades e as compara a ditaduras

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27 de outubro de 2018, 12h50

A ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, suspendeu, neste sábado (27/10), os atos judiciais que permitiram a censura de manifestações políticas em universidades públicas nos últimos dias. De acordo com ela, se corte a corte não agisse, poderia haver uma multiplicação de ações do tipo. E, sem a liberdade de expressão, para ela, não há escolha — situação própria de ditaduras.

Centro Acadêmico da Faculdade de Direito da UFF
Faculdade de Direito da UFF foi obrigada a retirar faixa contra o fascismo.
Reprodução

“Liberdade de pensamento não é concessão do Estado. É direito fundamental do indivíduo que a pode até mesmo contrapor ao Estado”, disse a ministra. Na decisão, ela pontua também que exercício de autoridade não pode se converter em ato de autoritarismo.

“Conquanto emanados de juízes eleitorais alguns e outros adotados por policiais sem comprovação de decisão judicial prévia e neles constando referências a normas legais vigentes, os atos questionados apresentam-se com subjetivismo incompatível com a objetividade e neutralidade que devem permear a função judicante, além de neles haver demonstração de erro de interpretação de lei, a conduzir a contrariedade ao direito de um Estado democrático”, apontou a relatora do caso.

Cármen Lúcia defendeu, na decisão, que o processo eleitoral, no Estado democrático, esta fundado nos princípios da liberdade de manifestação do pensamento, de informação e de ensino e aprendizagem, de escolhas políticas, realçando que consenso não é imposição.

“Sem liberdade de manifestação, a escolha é inexistente. O que é para ser opção, transforma-se em simulacro de alternativa. O processo eleitoral transforma-se em enquadramento eleitoral, próprio das ditaduras. Por isso, toda interpretação de norma jurídica que colida com qualquer daqueles princípios, ou, o que é pior e mais grave, que restrinja ou impeça a manifestação da liberdade é inconstitucional, inválida, írrita”, enfatizou.

“Em qualquer espaço no qual se imponham algemas à liberdade de manifestação há nulidade a ser desfeita. Quando esta imposição emana de ato do Estado (no caso do Estado-juiz ou de atividade administrativa policial) mais afrontoso é por ser ele o responsável por assegurar o pleno exercício das liberdades, responsável juridicamente por impedir sejam elas indevidamente tolhidas”, ressaltou a ministra.

De acordo com ela, é importante pontuar que o ambiente acadêmico é protegido constitucionalmente contra restrições de informação, ensino e aprendizagem. A garantia de autonomia é assegurada de maneira expressa na Constituição para blindar esse espaço de “investidas indevidas, restritivas de direitos”. Sendo assim, a demonstração da nulidade faz-se, para ela, mais patente e também mais séria.

A finalidade da norma que regulamenta a propaganda eleitoral e impõe proibição de alguns comportamentos em período eleitoral é, conforme Cármen Lúcia, impedir o abuso do poder econômico e político e preservar a igualdade entre os candidatos no processo.

“A vedação legalmente imposta tem finalidade específica. Logo, o que não se contiver nos limites da finalidade de lisura do processo eleitoral e, diversamente, atingir a livre manifestação do cidadão não se afina com a teleologia da norma eleitoral, menos ainda com os princípios constitucionais garantidores da liberdade de pensamento, de manifestação, de informação, de aprender e ensinar”, disse, acrescentando que, no caso em análise, a afronta à autonomia das universidades agrava a situação.

Tornando a fazer referência a ações típicas de regimes ditatoriais, a ministra afirmou que democracia não é unanimidade e consenso não é imposição. “Pensamento único é para ditadores. Verdade absoluta é para tiranos. A democracia é plural em sua essência”, disse, sublinhando que o autoritarismo é pior quando parte do Estado.

Ação da PGR
A arguição de descumprimento de preceito fundamental foi ajuizada pela procuradora-geral da República, Raquel Dodge. Nela, Raquel pediu a declaração de nulidade de atos do Poder Público, especificamente de busca e apreensão de material do que seria propaganda eleitoral ou manifestação de preferência eleitoral ou de “questionamento quanto a princípios em discussão no presente processo eleitoral”.

Raquel Dodge pediu ainda que seja impedida a interrupção de atos de manifestação de pensamento, de preferências políticas ou de contrariedade a ideias e de aulas e debates, atividade disciplinar docente e discente, bem como a entrada de agentes públicos em universidades públicas e privadas, o recolhimento de documentos e a coleta irregular de depoimentos sobre comportamentos.

Clique aqui para ler a íntegra da decisão.
ADPF 548

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