Em nome da fé

Religiosos buscam na Suprema Corte dos EUA direito de discriminar gays

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25 de outubro de 2018, 11h11

Depois de o governo Trump garantir uma sólida maioria conservadora na Suprema Corte dos EUA, grupos religiosos não perderam tempo para tirar proveito da situação. Menos de duas semanas após a posse do agora ministro Brett Kavanaugh, que garantiu a maioria, um time de advogados conservadores protocolou uma petição que pede à corte para garantir a organizações religiosas conservadoras (empresas, instituições etc.) o direito de discriminar casais do mesmo sexo, com base em sua fé.

A ação se refere a um caso em que o casal de confeiteiros Melissa e Aaron Klein se recusou a fazer um bolo de casamento para um casal de lésbicas. Os confeiteiros alegam que é um “pecado” celebrar casamentos entre pessoas do mesmo sexo. Portanto, têm o direito de desafiar uma lei do estado de Oregon que proíbe discriminação com base em orientação sexual.

O caso Klein v. Oregon Bureau of Labor and Industries segue o rastro de um caso semelhante, o Masterpiece Cakeshop v. Colorado Civil Rights Commission, que foi decidido em junho. O dono da Masterpiece Cakeshop, Jack Phillips, se recusou a fazer um bolo de casamento para um casal gay e foi punido pela Comissão de Direitos Civis do Colorado.

Seus advogados alegaram violação de sua liberdade religiosa (pois, nesse caso, teria o direito especial de discriminar gays que querem se casar) e de seu direito de expressão (por ser um “artista” na condição de confeiteiro de bolos).

Na sessão de argumentação, as ministras liberais Ruth Ginsburg e Elena Kagan ironizaram a pretensão do confeiteiro de ser um artista, para justificar violação de liberdade de expressão.

Disseram que, se um confeiteiro é um “artista”, uma florista, um cabeleireiro ou uma maquiadora também poderiam reivindicar o mesmo status. E, provavelmente, haverá um “artista do sanduíche” da Subway, porque ele sabe, mais do que os outros, como fazer um mix de carnes, vegetais e molhos.

Os ministros da Suprema Corte deixaram de lado a alegação de violação da liberdade de expressão, que poderia ser atribuída a um artista. Isso criaria complicações, porque os juízes teriam sempre de traçar uma linha entre o que é uma obra de arte e o que é apenas, por exemplo, um bolo personalizado de casamento.

E decidiram não decidir a alegação de violação da liberdade religiosa do confeiteiro, que lhe daria o direito de discriminar gays por convicção religiosa. Saíram pela tangente: anularam a punição ao confeiteiro, com o argumento de que a Comissão de Direitos Humanos do Colorado não respeitou a “neutralidade religiosa”, ao se apressar em punir o confeiteiro.

A decisão agradou em parte os conservadores republicanos do país, porque a punição ao confeiteiro foi revertida. Mas o que eles queriam, que era o direito especial de discriminar gays, não aconteceu. Isso levou os críticos a apelidar a decisão de nothingburger opinion — ou um hambúrguer com nada dentro.

A principal razão para os ministros saírem pela tangente foi a de que o ex-ministro Anthony Kennedy ainda estava na corte. Os conservadores tinham maioria de 5 a 4, mas o ministro Kennedy, apesar de ser conservador, era considerado o fiel da balança, porque votava de acordo com suas convicções jurídicas, não com convicções ideológicas. E ele costumava votar a favor dos direitos iguais para todos — o que inclui, naturalmente, os direitos dos homossexuais.

Agora, o presidente Trump colocou dois ministros solidamente conservadores na Suprema Corte: o ministro Neil Gorsuch, em 10 de abril de 2017, e o ministro Brett Kavanaugh, no último dia 6. Assim, a partir de agora, os casos de interesse do presidente Trump e do Partido Republicano têm vitória garantida, por 5 votos a 4, na Suprema Corte dos EUA.

Desta vez, o governo Trump e os republicanos querem, em vez de um nothingburger, um x-tudo: direito das empresas e outras organizações religiosas de discriminar gays em nome da fé, direito das empresas à liberdade de expressão e, como molho, que a Suprema Corte reverta uma decisão anterior.

O relator dessa decisão foi o ex-ministro Antonin Scalia, morto em fevereiro de 2016, que foi um dos mais conservadores de seu tempo. Mas a decisão limitou, em certa medida, o direito das entidades religiosas de discriminar. Na decisão Employment Division v. Smith, o ministro Scalia escreveu:

“O direito ao livre exercício não livra um indivíduo da obrigação de cumprir uma lei válida e neutra de aplicabilidade geral, com o argumento de que a lei proscreve (ou prescreve) condutas que sua religião prescreve (ou proscreve). Portanto, quem alega objeção religiosa deve obedecer às mesmas leis que qualquer um deve obedecer, desde que essas leis não distinga pessoas de fé para tratamento inferior”.  

Mas, agora, o governo Trump e o Partido Republicano estão confiantes de que sua agenda política será abençoada pela Suprema Corte. Vários pedidos já estão na lista. Entre eles a aprovação do decreto presidencial que bane a entrada nos EUA de cidadãos de alguns países muçulmanos, a extinção da lei que criou o direito de estrangeiros que vieram para os EUA ainda crianças de permanecer no país, a reforma da lei para limitar a imigração e os pedidos de asilo, o fim da lei que criou o Obamacare (o seguro-saúde dos pobres) e o direito do presidente do país de não responder a processos enquanto estiver no cargo.

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