Opinião

Devolução dos tributos sobre o consumo é medida pouco debatida, mas eficaz

Autor

  • Cleucio Santos Nunes

    é doutor em Direito do Estado pela UnB (Universidade de Brasília) mestre em Direito Ambiental pela UniSantos professor do Programa de Mestrado em Direito da Universidade Católica de Brasília (UCB) e da graduação no Centro Universitário de Brasília (Ceub) Ex-Conselheiro do Carf e advogado.

20 de outubro de 2018, 6h50

O primeiro assunto da pauta de uma reforma tributária deveria ser o seguinte: como tornar o sistema tributário brasileiro mais justo? Uma medida pouco debatida, porém, bastante eficaz, é a devolução dos tributos incidentes sobre o consumo. Nos produtos e serviços adquiridos, via de regra, incidem diretamente como custo dos bens consumíveis IPI, ICMS e ISS, neste último caso para os serviços. Além desses, uma série de tributos que compõem custos indiretos do consumo, tais como: IRPJ, CSLL, PIS/Cofins-Receita, Contribuição Patronal, SAT, Salário Educação e Sistema S. Conforme a atividade da empresa, ainda poderão incidir: PIS/Cofins-Importações, Imposto de Importação e IOF.

Nos últimos anos, a sociedade acordou para o problema da regressividade da tributação. Em linhas gerais, isso significa que, em razão da forte carga tributária sobre o consumo de bens e serviços, pobres pagam proporcionalmente mais tributos do que ricos. Isso se deve ao fato de que ambas as classes econômicas suportam a mesma carga tributária sobre o consumo de cada item adquirido, pois esse tipo de tributação não distingue as capacidades econômicas dos consumidores. No entanto, excluídos os tributos e o preço dos produtos consumidos sobre as diferentes rendas, quem é mais rico sai na vantagem, pois, além de consumir bens essenciais ou não, é ainda possível que sobre renda para economizar e investir. Para os pobres, nem sempre a renda dá para passar o mês.

Há quem defenda a isenção dos tributos sobre o consumo de bens básicos para a vida, tais como gêneros alimentícios, remédios e produtos de higiene pessoal. Outros vão além para sustentar a ampliação das isenções para o vestuário, cultura, saúde e lazer. Como se sabe, toda isenção implica em renúncia de receita, o que pode caracterizar uma temeridade em tempos de crise econômica. Não bastasse esse problema, as isenções costumam ser impessoais e abstratas, a fim de evitar problemas de isonomia entre os contribuintes, afinal os tributos incidem sobre o consumo, e não exatamente sobre os contribuintes. Contudo, não é bem assim, pois, afinal, mesmo quando se cobram tributos sobre bens consumíveis, o que está sendo onerado é a renda que a pessoa leva para o consumo.

É inegável, no entanto, que isenções abstratas e impessoais causam distorções, porque, no caso da isenção de produtos básicos, tanto ricos quanto pobres serão beneficiados, sem falar na elevada perda de receita tributária, a agravar o quadro atual de problemas.

Precisamos entender que não existem óbices jurídicos para se tornar o mais pessoal possível a tributação sobre o consumo. A pessoalidade na tributação é medida salutar porque se aproxima da ideia de equidade que, em linhas gerais, pode ser conceituada como justiça no caso concreto.

Observe-se que a maioria dos estados criou programas de devolução do ICMS aos contribuintes que exigirem a nota fiscal no ato de compra: o conhecido “CPF na nota”. Ocorre que essa medida geralmente beneficia quem tem mais renda, pois o crédito serve de abatimento no IPVA, imposto que incide sobre quem tem carro. É verdade que em alguns estados se prevê a concessão do crédito em dinheiro. Tanto em um caso quanto no outro qualquer consumidor é beneficiado, de modo que, sendo maior o consumo, maior será a proporção de restituição.

Estamos tratando, portanto, de um público que, embora faça jus ao programa, não é a parte da população mais carente e que mais paga tributos no Brasil. Dados do Ipea indicam que as famílias que ganham até dois salários mínimos comprometem cerca de 53,9% de sua renda com pagamento de tributos, enquanto os que ganham acima de 30 salários, somente 29%. A explicação dessa distorção é óbvia: como a tributação é a mesma para ricos e pobres, depois de consumidos os bens básicos, sobra menos renda aos mais pobres. Sabemos também que os pobres são os menos providos de infraestrutura e de serviços do Estado.

A forma mais eficaz de atenuar os efeitos regressivos desse modelo de tributação é a devolução dos tributos incidentes diretamente sobre o consumo aos mais carentes. Caberá à lei definir quais tributos seriam restituídos e o perfil de renda dos beneficiários. Evidentemente, será necessário criar critérios de comprovação da incidência dos tributos, mediante nota fiscal e CPF.

Além de ser uma medida equitativa, a devolução dos tributos sobre o consumo produz o efeito de aumentar a renda de quem é mais pobre e compromete menos a responsabilidade fiscal, pois o benefício deverá ser concedido a quem realmente necessita.

Autores

  • é advogado, professor de Direito Tributário, doutor em Direito do Estado, Constituição e Justiça pela Universidade de Brasília (UnB), mestre em Direito Ambiental pela UniSantos e especialista em Direito Tributário pela PUC-SP.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!