Opinião

A cobrança de ISSQN e o caso dos serviços prestados na sede do tomador

Autores

  • André Portugal

    é advogado sócio do Klein Portugal mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Coimbra e professor de Teoria da Decisão do FAE Centro Universitário.

  • Érico Klein

    é advogado sócio do Klein Portugal e especialista em Direito Processual Civil pelo Instituto Bacellar e em Propriedade Intelectual pela World Intellectual Property Organization.

17 de outubro de 2018, 6h16

Todo prestador de serviços tem como um dos encargos de sua atividade empresarial o Imposto Sobre Serviços (ISS). O referido tributo é pago, em diferentes alíquotas para cada serviço, em favor do ente municipal competente pra recolhê-lo. Mas, afinal, qual município deve receber tal valor do contribuinte? As controvérsias sobre essa competência são várias. Trataremos disso no presente artigo.

Leading case: REsp 1.060.210/SC
Exatamente com a finalidade de definir a competência para recolhimento do ISS nos diferentes momentos históricos, isto é, antes ou depois da edição da Lei Complementar 116/03, o STJ destacou o REsp 1.060.210/SC na sistemática dos recursos repetitivos, tendo em vista pacificar a compreensão acerca do local para pagamento do tributo.

O referido recurso tratava de contratos de leasing firmados por instituições financeiras com os diversos consumidores. A principal pergunta que os ministros se fizeram, ao julgar o caso, foi a seguinte: onde efetivamente é prestado o serviço, no caso dos contratos de leasing? No município da sede do prestador, onde são tomadas as decisões relativas ao contrato, ou em cada cidade, onde o contrato é assinado pelos consumidores? Antecipamos: a premissa foi a de que, após a edição da LC acima mencionada, o ISS deveria ser cobrado no município em que efetivamente prestado o serviço, seguindo o princípio da territorialidade.

Ao fim do julgamento, foi constatado que, naquele caso, o serviço era efetivamente prestado no município da instituição financeira, prestadora do serviço, onde são tomadas as decisões acerca do contrato: numa palavra, a parte substancial do serviço de leasing era prestada no local da sede do prestador. A tese que procurou resumir tal entendimento foi a seguinte: o ISS deveria ser cobrado no local onde se perfectibilizasse o serviço, assim entendido “o local onde se comprove haver unidade econômica ou profissional da instituição financeira encarregada do contrato”.

Veja-se que a tese, especialmente quanto à parte acima citada diretamente, acaba por ser por demais específica já que o critério da existência da unidade econômica ou profissional se aplica de forma estrita apenas ao caso tratado diretamente no julgamento, isto é, o contrato de leasing. A verdadeira conclusão do recurso é apenas no sentido de que o tributo deve ser cobrado onde a relação efetivamente se perfectibiliza, onde o fato gerador (a prestação do serviço) acontece.

Análise doutrinária
A tese fixada no repetitivo, contudo, não ficou imune a críticas. Fábio Lemos Cury, em Teses Jurídicas dos Tribunais Superiores (RT, 2017, p. 298), por exemplo, fez a ressalva de que ela acabou por parecer se restringir ao caso do leasing, tornando menos certa, ainda que não impossível, sua aplicação aos demais casos.

É importante, nesse sentido, ressaltar as considerações tecidas pelo ministro Herman Benjamin, para quem o acórdão proferido poderia deixar certas dúvidas sobre sua forma exata de aplicação. Sempre foi certo o fato de que prevalecia o critério acima apontado: o princípio da territorialidade deveria ser aplicado de forma a garantir que o tributo fosse recolhido no local da prestação.

A jurisprudência
Veja-se que os tribunais analisaram a matéria de forma a deixar claro o critério acima apontado em julgamentos como o do caso do REsp 1.380.710/SC, determinando o recolhimento no local em que é perfectibilizado o serviço. É certo que houve julgamentos que acabaram por concretizar a profecia do ministro acima indicado, mas vê-se que foram dissidências que não traduzem o entendimento do tribunal.

Num dos julgados, alguns ministros elaboraram a seguinte tabela para apontar a forma de cobrança do tributo e pacificar a questão. Veja-se:

Antes do julgamento do
REsp 1.060.210.SC
Depois do julgamento do
REsp 1.060.210.SC
DL 408/69 LC 116/2003 DL 408/69 LC 116/2003
Município onde ocorrido o fato gerador do ISS Município onde localizado o estabelecimento prestador Município onde localizado o estabelecimento prestador Município onde ocorrido o fato gerador do ISS

Além disso, é curioso notar que o acórdão do caso paradigma, em certo momento, tentou relativizar a ideia de “unidade econômica”, chegando a mencionar que tal unidade poderia ser até mesmo a unidade do tomador em que é prestado o serviço, o que tornaria tal critério completamente vazio, como se pode concluir após breve análise de casos hipotéticos.

Por fim, é importante mencionar que alguns tribunais de Justiça do país, a exemplo do Tribunal de Justiça do Paraná, têm reconhecido o referido entendimento, e isso já em sede de liminar.

Aspectos práticos
Em primeiro lugar, há que se pensar que, caso o tributo seja recolhido apenas na sede da prestadora, com a utilização de um hipotético, mas forte, critério da “unidade econômica”, permitir-se-ia forte planejamento tributário, fazendo com que as empresas instalassem suas sedes em locais em que o ISS referente ao seu serviço é bastante baixo, a despeito de onde o serviço é efetivamente prestado.

Tal situação geraria, acima de tudo, situação de grave injustiça tributária. Em abstrato, se permitiria que empresa se instalasse no município X, não prestasse qualquer serviço no local, mas apenas ali recolhesse o tributo referente aos seus serviços, em verdade integralmente realizados no município Y, que nada arrecadaria.

Quanto à fiscalização por parte de cada município, os casos variariam, mas certamente haveria mecanismos suficientes, seja pela solicitação das notas pela tomadora do serviço, pela presença maciça da empresa no município e pelas outras relações que travaria, pelo cruzamento de informações com a Receita Federal ou mesmo pela retenção na fonte, no caso de prestação de serviços da empresa ao ente público.

Conclusão
A interpretação da competência para o recolhimento do ISS a partir da recente definição do STJ pode ser melhor compreendida com a seguinte tabela, que conclui o presente texto:

  Leading case
REsp 1.060.210/SC
REsp 1.380.710/SC
Serviço prestado Análise e liberação de contratos de leasing Instrução, capacitação, instalação, acompanhamento técnico e pedagógico de plataforma offline (assistência) para escolas públicas, com deslocamento contínuo e rotineiro de profissionais
Local da prestação principal Mesmo local da sede da empresa prestadora, onde são efetivamente realizadas todas as análises e liberações – cujos requerimentos são protocolados em diversas filiais em municípios distintos Local diverso do estabelecimento da prestadora de serviços. Mais precisamente, no estabelecimento do tomador, tal como ocorre na prestação de serviços de informática[1] 
(REsp 1380710/SC)
Unidade econômica Sede da empresa prestadora Estabelecimento do tomador de serviços
Norma aplicável O princípio da territorialidade deve ser aplicado. O art. 3º LC 116/03 passa a ser entendido no sentido de que o tributo deve ser cobrado no município onde ocorrido o fato gerador[2], e não mais onde localizado o estabelecimento prestador
Município competente para tributar Aquele em que o serviço foi efetivamente prestado
Município do estabelecimento principal Município do tomador de serviços

Assim, embora, como se viu, o caso paradigma tenha deixado certas dúvidas sobre a aplicação uniforme do entendimento e as distinções a serem feitas, conforme cada caso concreto, seguindo a melhor doutrina de precedentes, fica claro que a ratio decidendi, isto é, o núcleo semântico da decisão a ser aplicado aos demais casos é aquele que diz que o ISS será cobrado no local onde efetivamente perfectibilizado cada serviço após a edição da LC 116/03.


[1] STJ. EDcl no REsp 1380710/SC, rel. Ministro Og Fernandes. Julgado em 3/4/2014. DJe 9/4/2014 (entendimento expresso no voto, que é posterior ao recurso repetitivo analisado).
[2] STJ, 1ª Turma, AgInt no REsp 1.502.963/SC, rel. min. Maria Regina Helena Costa, DJe 12/5/2016.

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