Faculdades não podem ignorar a importância do Direito do Consumidor
17 de outubro de 2018, 10h22
Do toque matinal do despertador até os últimos minutos da noite, realizamos, mesmo sem notar, inúmeros atos de consumo. Exercitamos a condição de consumidor ao longo do dia: compra do pão na padaria, transporte coletivo ou individual, consumo de água, energia elétrica, telefonia, abastecimento do veículo, serviços de acesso à internet, uso de smartphone e suas funcionalidades, serviços bancários, compras no supermercado etc.
É possível contar e concluir que, num único dia, exercemos direitos como consumidores, no mínimo, em dez ocasiões diferentes. Multiplique-se o número por cem milhões — aproximadamente metade da população brasileira — e chega-se a um bilhão de atos de consumo por dia no Brasil.
Kennedy estava certo e, com o correr dos anos, sua assertiva ganha dimensão diferenciada num mundo cada vez mais capitalista e consumista. Os conflitos com os fornecedores são inevitáveis e frequentes. Ainda que pequeno percentual do número de lesões chegue ao Poder Judiciário, é inevitável haver grande demanda e exigência de profissionais do Direito para lidar com a área. Os números divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça indicam que o tema Direito do Consumidor está entre os mais demandados na Justiça estadual.
O último relatório Justiça em Números do CNJ aponta o Direito do Consumidor como o segundo tema mais questionado na Justiça estadual e o primeiro nos juizados especiais dos estados. Em contraste, a disciplina Direito do Consumidor, apenas em minoria das faculdades de Direito, é matéria obrigatória.
O Ministério da Educação ainda não percebeu a importância de oferecer a disciplina Direito do Consumidor nas grades curriculares. Ignora as estatísticas do CNJ: a matéria não está entre as disciplinas obrigatórias indicadas pelo MEC.
Se é possível afirmar que um dos objetivos das faculdades de Direito é preparar o estudante para a vida real, é necessário — fundamental — diminuir a distância entre as diretrizes curriculares nacionais do curso de Direito e as habilidades exigidas pelo mercado.
A Lei 9.131/1995 dispõe que incumbe à Câmara de Educação Superior a análise e decisão referente às diretrizes curriculares propostas pelo Ministério da Educação para os cursos de graduação. No uso de tal atribuição, foi editada, em 29 de setembro de 2004, a Resolução 9, pela Câmara de Educação Superior do Ministério da Educação. Foram estabelecidos os seguintes eixos de formação: 1) eixo de formação fundamental; 2) eixo de formação profissional; 3) eixo de formação prática.
O eixo de formação profissional é justamente o que abrange enfoque dogmático obrigatório dos diversos ramos do Direito “e sua aplicação às mudanças sociais, econômicas, políticas e culturais do Brasil e suas relações internacionais”. São considerados conteúdo essenciais e obrigatórios: Direito Constitucional, Direito Administrativo, Direito Tributário, Direito Penal, Direito Civil, Direito Empresarial, Direito do Trabalho, Direito Internacional e Direito Processual. A disciplina Direito do Consumidor, como se observa, não integra o conteúdo obrigatório dos cursos de Direito.
De outro lado, poucas faculdades, no espaço de liberdade que possuem na definição da grade curricular, dão relevância adequada à disciplina. Em muitos estabelecimentos, apesar da eloquência dos números divulgados pelos CNJ e a maioridade do Código de Defesa do Consumidor, ela é simplesmente ignorada.
É verdade que o curso de graduação deve preparar o aluno mais para conhecer o método de resolução de questões jurídicas do que ter contato com absolutamente todas as áreas do Direito. Nesse raciocínio, o conhecimento abrangente dos ramos não seria necessário nem tão importante. Todavia, na definição das disciplinas obrigatórias não se deve desconsiderar as modificações e dinâmicas do mundo real. Não dá para conceber cursos jurídicos que, em dissintonia com a realidade, simplesmente não percebem a dimensão do consumo e do Direito do Consumidor no terceiro milênio.
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