Opinião

Câmara Superior do TIT confirma não aplicabilidade do princípio da dialeticidade

Autores

  • Rafael Pinheiro Lucas Ristow

    é advogado e economista mestrando em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet) especialista em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas e professor no curso de especialização em Direito Tributário do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).

  • Thiago Marini

    é advogado em São Paulo bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie pós-graduado em Direito Tributário Doméstico pelo IBDT e graduando em Ciências Contábeis pela Fipecafi.

16 de outubro de 2018, 6h26

No âmbito do processo judicial, o princípio da dialeticidade está previsto expressamente no inciso III do artigo 932 do Código de Processo Civil[1] e é requisito de admissibilidade recursal, impondo ao recorrente a impugnação específica aos fundamentos de fato e de direito da decisão recorrida.

Como bem ensinam Rosa Maria de Andrade Nery e Nelson Nery Júnior, “o apelante deve dar as razões, de fato e de direito, pelas quais entende deva ser anulada ou reformada a sentença recorrida. Sem as razões do inconformismo, o recurso não pode ser conhecido”[2].

A aplicação do mencionado princípio vem sendo confirmada pelos tribunais superiores em recentes decisões provenientes tanto do Superior Tribunal de Justiça[3] quanto do Supremo Tribunal Federal[4], os quais deixaram de conhecer recursos que, em tese, não teriam impugnado especificamente as decisões recorridas.

No âmbito do contencioso administrativo paulista, a eventual aplicação desse princípio chegou a ser objeto de discussões pelo Tribunal de Impostos e Taxas na primeira década dos anos 2000.

Naquela época, mais precisamente em 2006, as extintas Câmaras Reunidas pacificaram o entendimento de não cabimento do princípio da dialeticidade no processo administrativo paulista por meio do julgamento do recurso especial oriundo do Auto de Infração 2.097.231-3[5].

O caso foi objeto de grandes discussões, todavia, acabou prevalecendo o voto proferido pelo juiz Adermir Ramos da Silva, que ressaltou as diferenças entre o processo civil e o processo administrativo tributário, destacando que no processo administrativo tributário o objetivo é revisar e eventualmente corrigir o lançamento tributário.

Além disso, analisou-se a Lei paulista 10.941/01, vigente à época, para concluir que o princípio da dialeticidade não havia sido previsto legalmente e que deixar de analisar recurso do contribuinte com fulcro no mencionado princípio ofenderia o duplo grau de jurisdição.

Não obstante a existência de precedente das extintas Câmaras Reunidas sobre a inaplicabilidade do princípio da dialeticidade no processo administrativo paulista, o tema recentemente voltou a ser objeto de discussão em algumas Câmaras Julgadoras do TIT (no final do presente artigo, há um levantamento abrangendo os julgados entre 2006 e 2018 sobre o tema).

Em determinados casos, aplicou-se o princípio da dialeticidade, e os recursos dos contribuintes não foram conhecidos sob alegação de serem mera reprodução ipsis litteris dos argumentos já trazidos em defesa administrativa.

A 11ª Câmara Julgadora, por exemplo, reiteradamente, passou a não conhecer os recursos ordinários cujas peças recursais foram tidas como idênticas à defesa de primeira instância.

O raciocínio desenvolvido nesses casos foi o de que o artigo 47, parágrafo 1º, da Lei estadual 13.457/09[6] determina que o recurso contenha os seus "fundamentos de fato e de direito". Em outros termos, para os julgadores, tais fundamentos teriam que ser específicos para cada ponto recorrido, e não uma mera reprodução da impugnação.

Outro fundamento utilizado no sentido de aplicação do princípio foi baseado no que dispõe o artigo 15 do CPC[7]. Já que para os julgadores não existiria disposição na legislação paulista que trate sobre o assunto e, portanto, dever-se-ia utilizar o Código de Processo Civil de forma subsidiária para resolução da questão.

Assim, como o princípio da dialeticidade não se encontra na legislação administrativa paulista, a aplicação subsidiária do CPC era essencial para negar conhecimento aos recursos interpostos que supostamente não enfrentavam as razões de decidir.

Outras câmaras julgadoras, por sua vez, se posicionaram no sentido de afastar a eventual aplicação do princípio da dialeticidade. Podemos citar como exemplo o julgamento da 2ª Câmara Julgadora, de relatoria do juiz Caio Augusto Takano, que elencou diversos motivos pelos quais entendeu que a mera repetição ipsis litteris da impugnação em sede de recurso ordinário não anularia o ato praticado[8]:

(i) o princípio ofenderia comandos normativos expressos da legislação paulista;

(ii) o processo administrativo tem como escopo o poder de revisão da administração pública e não o de resolver a composição de conflitos (lide) norteada no processo judicial;

(iii) o órgão julgador deve buscar o controle de legalidade do ato administrativo fiscal;

(iv) a aplicação ofenderia o princípio do informalismo[9], nos termos do artigo 3º da Lei 13.457/09;

(v) em sua interpretação, a legislação paulista, em seu artigo 47, parágrafo 1º, exige pedido de nova decisão e não de que o contribuinte elabore novos fundamentos; e

(vi) o artigo 5º do Código de Defesa do Contribuinte, em seu inciso IV[10], prescreve como garantia do contribuinte a obediência ao princípio da duplicidade de instância no contencioso administrativo tributário, assim, o AIIM deve ser analisado tanto por tribunal especializado quanto paritário.

Em razão do cenário exposto, vislumbrou-se uma importante divergência de entendimento entre as câmaras julgadoras, todavia, tal impasse foi dirimido pela Câmara Superior do TIT em recente julgamento do recurso especial interposto nos autos do processo oriundo do AIIM 4.058.566-9[11].

O relator do caso, juiz Fábio Henrique Bordini Cruz, afastou a aplicabilidade do princípio da dialeticidade argumentando que o objetivo principal do processo administrativo é revisar atos de forma plena, e não obter a tutela jurisdicional para a composição de conflitos.

Além disso, em seu brilhante voto, motivou que o referido princípio não deve ser aplicado no processo administrativo paulista porque a sua lei de regência (Lei 13.457/09) não prevê expressamente a obrigatoriedade de que os recursos ataquem os fundamentos da decisão recorrida.

Ato contínuo, o relator foi acompanhado por unanimidade pelos demais juízes que compõem a Câmara Superior do TIT, de modo que os autos retornaram à instância ordinária para a reapreciação do mérito do recurso.

Diante de tal julgamento, firmou-se importante precedente no sentido da não aplicabilidade do princípio da dialeticidade no âmbito do Tribunal de Impostos e Taxas, de modo que a tendência é de anulação das decisões que negaram conhecimento aos recursos tidos como reprodução das impugnações e realização de novo julgamento para análise do respectivo mérito.

Julgados sobre o tema entre 24/6/2006 e 8/7/2018
Câmara julgadora Aplicação
do princípio
Auto de infração Afastamento
do princípio
Auto de infração
1 3.129.630-0 N/A N/A
N/A N/A 4 3.007.458-7
3.009.585-2
3.133.517-2
4.095.812-7
N/A N/A N/A N/A
6 3.036.881-9
3.097.328-4
4.031.255-0
3.082.927-6
3.081.654-3
3.076.678-9
N/A N/A
N/A N/A N/A N/A
N/A N/A N/A N/A
N/A N/A N/A N/A
N/A N/A N/A N/A
N/A N/A N/A N/A
10ª 1 3.019.400-3 4 3.036.479-6
3.032.537-7
3.022.709-3
2.102.061-9
11ª 19 4.079.297-3
4.075.892-8
4.036.828-2
4.069.935-3
4.088.780-7
4.079.286-9
4.060.296-5
4.037.033-1
4.067.210-4
4.072.422-0
4.076.314-6
4.069.035-0
4.081.627-8
4.088.656-6
4.075.371-2
4.088.656-6
4.058.566-9
4.081.627-8
4.076.207-5
N/A N/A
12ª N/A N/A N/A N/A
13ª N/A N/A 1 3.037.357-8
14ª N/A N/A N/A N/A
15ª N/A N/A 1 4.078.942-1
16ª N/A N/A 1 3.033.092-0

Fonte: A coleta das decisões analisadas foi feita na página da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo na internet, com os acórdãos publicados no período de 24/6/2006 a 8/7/2018, utilizando a palavra-chave “dialeticidade”.


[1] "Art. 932. Incumbe ao relator:
(…)
III – não conhecer de recurso inadmissível, prejudicado ou que não tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida."
[2] Código de processo civil comentado. Nelson Nery Junior, Rosa Maria de Andrade Nery. — 16. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, pág. 2.209.
[3] AgInt no REsp 1248617/RS, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 10/04/2018, DJe 20/04/2018 e AgInt no AgInt no AREsp 1125405/GO, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 20/03/2018, DJe 06/04/2018.
[4] AR 2340 AgR, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 12/04/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-080 DIVULG 24-04-2018 PUBLIC 25-04-2018.
[5] Acórdão disponível em: https://www.fazenda.sp.gov.br/VDTIT/ConsultarVotos.aspx?CdVoto=1472848
[6] "Artigo 47 – (…)
§ 1º – O recurso ordinário será interposto por petição contendo nome e qualificação do recorrente, a identificação do processo e o pedido de nova decisão, com os respectivos fundamentos de fato e de direito."
[7] "Art. 15. Na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente."
[8] Acórdão disponível em: https://www.fazenda.sp.gov.br/vdtit/consultarvotos.aspx?cdvoto=4662710
[9] "Artigo 3º – Os atos processuais não dependem de forma determinada, a não ser quando a legislação tributária expressamente a exigir, considerando-se válidos os atos que, realizados de outro modo, alcancem sua finalidade."
[10] "IV – a obediência aos princípios do contraditório, da ampla defesa e da duplicidade de instância no contencioso administrativo-tributário, assegurada, ainda, a participação paritária dos contribuintes no julgamento do processo na instância colegiada."
[11] Acórdão disponível em: https://www.fazenda.sp.gov.br/vdtit/consultarvotos.aspx?cdvoto=4663150

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    é advogado, professor da pós-graduação em Direito Tributário do Instituto Brasileiro de Direito Tributário, conselheiro julgador do Conselho Municipal de Tributos de São Paulo e ex-juiz do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo. Pós-graduado em Direito Tributário pela FGV e graduado em Direito pela PUC-SP e em Economia pelo Mackenzie.

  • Brave

    é advogado, pós-graduado em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário e graduado em Direito pelo Mackenzie.

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