Opinião

Nenhuma afronta à Constituição é maior que o desrespeito à sua literalidade

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15 de outubro de 2018, 12h31

Parabéns a você! Nesta data querida… E não é que ela completou 30 anos? Por que a minha surpresa? É porque as Constituições no Brasil costumam fazer parte das estatísticas de mortalidade infantil, e não tornarem-se balzaquianas, como é o caso da “Cidadã”. A nossa tradição é de tempos em tempos vivermos ou criarmos “crises” que “exigem” a ruptura institucional e uma nova Constituição. Aconteceu em 1891, 1934, 1937, 1946, 1964, 1969 e 1988. Tivemos até a Revolução Constitucionalista de 32, que exigia a promulgação de uma Constituição, seja qual fosse. O movimento foi militarmente derrotado, mas a nova Constituição veio em 34, sendo substituída pela “Polaca” em 1937.

Todavia, a “Cidadã” é resiliente. Enfrentou as mais diversas crises e, ao final, foi nela que encontramos as soluções para que estas fossem superadas. Impeachment de Collor e de Dilma. Escândalos diversos. Duas tentativas de “impeachment” do presidente Temer. Uma gravíssima crise com a greve dos caminhoneiros. E foi se socorrendo nela que as instituições foram preservadas e o Brasil avançou. Entretanto, mesmo resistente, penso que ela esteja hoje sob a mais grave das ameaças surgidas nos seus 30 anos de existência, ou seja, o desrespeito.

Ao promulgar a Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988, Ulisses Guimarães proferiu a frase histórica: “Quanto a ela [Constituição], discordar, sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca”. Estava sendo profético. E aproveitou para caracterizar aqueles que ousariam tal afronta: “Traidor da Constituição é traidor da Pátria”.

Pois bem, o que vemos hoje é um crescente voluntarismo de muitos operadores da Justiça, que deveriam ser as sentinelas avançadas à defesa da Constituição, mas que não se constrangem em desconsiderá-la, através de interpretações criativas e do puro e simples desrespeito às suas disposições.

Ao contrário do que muitos pensam, a nossa Constituição é simples. Foi escrita não por luminares do Direito, mas por homens e mulheres escolhidos pelo povo brasileiro na sua simplicidade. E estes, os escolhidos, souberam expressar e escrever muito bem aquilo que em sua maioria entenderam que era o melhor para o Brasil.

Nenhuma afronta à Constituição é maior do que o desrespeito à sua literalidade. Interpretar de forma divergente do que está escrito é diminuir o Poder Constituinte escolhido pelo povo. É desrespeitar o povo. É trair a Pátria, como ensinou Ulisses.

O Direito Universal nos ensina: In clarus non fit interpretatio. Ou seja, quando a lei é clara, não existe o que interpretar. É cumprir e ponto final. Ao darem asas à sua criatividade na tomada de suas decisões jurídicas, que até podem entender justas, não discuto aqui as suas intenções, alguns promotores e magistrados estão abrindo espaço para inconstitucionais confrontos entre os Poderes da República e para uma desorganização na hierarquia do próprio Judiciário, o que nos últimos tempos tem proporcionado até situações constrangedoras.

É juiz de primeira instância revogando nomeação de ministros. É ministro do STF editando decreto de indulto natalino. São as prisões preventivas intermináveis, são as guerras de liminares antes de cada privatização. São sigilos de delações levantadas antes da formalização da denúncia. É líder de quadrilha sendo beneficiado pela imunidade penal. É a “vazamentolândia” estabelecida no seio do triângulo (STF, PGR e PF) que deveria zelar pelo Estado de Direito. É o presidente da República sendo constrangido por inquéritos que investigam suspeitas anteriores ao seu mandato. Tudo ao arrepio da Constituição e da lei. Em um contexto como este, não é de se estranhar situações exóticas como o “solta, não solta” ou o “entrevista, não entrevista” em relação ao ex-presidente Lula.

É por isso que venho há tempos pregando a necessidade de um choque de legalidade. Não há caminho fora da absoluta observância da lei. Acima do STF está a Constituição Federal. Esses dois conceitos devem ser os pilares da preservação de nossa institucionalidade. Certamente, nem a assertiva maquiavélica de que os fins justificam os meios pode servir de justificativa para a desconsideração das leis e da Constituição.

Que a Carta Magna é imperfeita ela própria sabe, tanto que previu a possibilidade de reformas. Todavia, definitivamente, afrontá-la não é opção, e respeitá-la é preciso.

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