Segunda Leitura

Relato de experiência: 9ª Conferência Internacional da IACA

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

14 de outubro de 2018, 11h39

Spacca
Vladimir Passos de Freitas [Spacca]O relato de experiência é uma das formas de trabalho acadêmico. Pouco divulgada no Brasil, ela pode ser descrita como:

um texto que descreve precisamente uma dada experiência que possa contribuir de forma relevante para sua área de atuação (por exemplo, um curso novo ministrado sobre determinado assunto, um projeto profissional, etc.). Ele traz as motivações ou metodologias para as ações tomadas na situação e as considerações/impressões que a vivência trouxe àquele(a) que a viveu.[i]

Sem a pretensão de fazer um trabalho acadêmico, valho-me de tal possibilidade para descrever a experiência obtida e os resultados de ter coordenado a 9ª Conferência da International Association for Court Administration – IACA, realizada em Foz do Iguaçu, de 16 a 19 de setembro passado.

O motivo central do evento merecer esta menção especial prende-se ao fato de que ele foi, simplesmente, o mais importante e diversificado congresso sobre administração de Justiça já feito no Brasil. Alerto que este relato nada tem a ver com a melhor forma de organizar um congresso ou seminário.[ii] Aqui se trata de experiência vivida.

Ao assumir o compromisso, eu sabia que as dificuldades seriam muitas. Mas, como presidente da associação, não poderia deixar de fazer um congresso em nosso país. Assim, decidido em julho de 2017 que seria em Foz do Iguaçu, Brasil, em agosto daquele ano eu já estava na cidade fronteiriça para decidir qual seria o hotel e tudo o que precisaria ser feito.

Tudo deveria ser no hotel, pois não é funcional que participantes se desloquem todo o tempo para um auditório em uma universidade ou outro local. Ademais, era importante que ficassem juntos, a fim de se conhecerem e trocarem experiências.

Decidido o hotel, cujas salas se amoldavam ao projeto e o preço era adequado, cumpria escolher uma empresa para cuidar das múltiplas necessidades. É sempre melhor algo local, desde tenha reconhecimento e idoneidade. E assim foi feito. À empresa contratada coube indicar os prestadores de serviços, ou seja, tradutores, recepcionistas, empresa de som e imagem, gráfica, fotógrafo e outros.

Em seguida foram sendo tomadas as múltiplas medidas necessárias. Enquanto uma comissão avaliava propostas de participação e escolhia as mais adequadas, os convites a autoridades nacionais e internacionais iam sendo feitos e enviados. Não foram poucas as dificuldades. A maioria absoluta dos tribunais não fornece seu e-mail, temendo invasores. O nosso correio não aceita correspondência para a maior parte de países latino-americanos, porque seus serviços não possuem garantia de entrega.

No Brasil, mais de 400 convites, impressos ou eletrônicos, foram enviados aos 91 tribunais brasileiros, associações e escolas de magistrados. Para que isto se concretizasse, eu e minha esposa idealizamos o design, fomos à gráfica e agência do correio. Funcionários e estagiários de escritório de um parente auxiliaram com entusiasmo.

Já se está a ver que não houve apoio de nenhum tribunal ou Conselho de Justiça. Além do atual controle da sociedade sobre a vedação de gastos de dinheiro público, a crise econômica atingiu o Judiciário. Nenhum dinheiro, uso de veículos, auxílio de servidores foram utilizados. Daí a razão do esforço pessoal e familiar. Era assim ou fracassar.

Mas, obviamente, havia necessidade de financiamento. Neste particular, registre-se que em eventos de que participem magistrados há restrições no financiamento, reguladas pela Resolução 170/2013, do Conselho Nacional de Justiça, a fim de evitar excessos e desgaste da imagem da Justiça.[iii]

O suporte financeiro foi dado no Brasil pela Itaipu Binacional (principal apoiadora) e pela Caixa Econômica Federal. Tudo mediante orçamentos prévios, condicionado o uso a finalidade de interesse educacional e pagamento através de notas fiscais comprobatórias e contrapartidas, como inserção das logomarcas nos materiais e citação das empresas como patrocinadoras. Do exterior vieram, também, verbas da Microsoft, Tyler Technologies, National Center for State Courts, Synergy, Polycom, VIQ Solutions.

À medida que o evento se aproximava, os problemas se avolumavam. Diariamente, mensagens com os mais diversos pedidos, como interferência junto à Embaixada do Paquistão para conceder visto de entrada no país a um interessado, esclarecimentos sobre a forma de efetuar o pagamento a participante das Ilhas Fiji, dezenas de ofícios convidando pessoas de toda a parte, de forma a justificar seus pedidos de saída, pedidos de informações sobre hotel, erros no preenchimento de formulários de inscrição e coisas semelhantes.

Ressalte-se que a diretoria da IACA é composta por pessoas que vivem em países ao redor do mundo e que teriam dificuldades de atender a maior parte das indagações. Consequentemente, isto acabava sendo tarefa minha, de familiares e amigos.

Por outro lado, os financiamentos não podiam ser feitos à IACA, pois a sede da entidade é nos Estados Unidos e não possui CNPJ no Brasil. Por tal motivo, a Associação Paranaense dos Juízes Federais (Apajufe) serviu de intermediadora, arcando com uma complexa e trabalhosa tarefa burocrática.

O apoio de associações de magistrados, em especial a Ajufe, Apajufe, Amapar e Ajufesc, possibilitando expressiva presença de sócios, foi decisivo. Da mesma forma de juízes individualmente, estimulando, opinando e auxiliando.

Finalmente, com árduo esforço diário, que incluía sábados e domingos, chegou o dia da abertura. Tudo bonito, organizado. Participantes chegando ao aeroporto, oriundos de vários pontos do Brasil e de 42 países. Nada menos do que 260 inscritos, vários presidentes de tribunais brasileiros, delegações de países árabes, que inclusive trouxeram um príncipe, uma espécie de ONU judiciária.

O horário era uma preocupação. Seria péssimo começar atrasado e seguir de tal forma pelo resto do dia. Por isso não houve sala de recepção às autoridades. Nessas salas todos conversam, tomam café e deixam a plateia olhando o teto. Marcado para 8h30, nesta hora o cerimonial chamou os que participariam da mesa de abertura. E como já se sabia que alguns estariam atrasados, vários nomes ficaram na reserva. Em uma mesa de 13 pessoas, 7 ocuparam seus lugares e 6 não se apresentaram. Foram substituídos no ato. E não puderam reclamar.

O papel de apresentadora coube a uma aluna do mestrado da PUC-PR. Ela recebeu o roteiro e desempenhou tão bem sua missão que recebeu elogios do pessoal que filmava. Na tela rodavam as bandeiras dos 42 países participantes, fazendo com que todos se sentissem bem recebidos.

A abertura durou exatamente 30 minutos. Só dois falaram, eu, como presidente, e uma diretora que fez parte da fundação da IACA. Nada de discursos longos e que oferecem recíprocos elogios, como se estivéssemos em 1831 anunciando o Código Criminal do Império. E começaram as atividades, com tradução simultânea para inglês e espanhol.

Os participantes, sentados em mesas redondas e não em cadeiras enfileiradas, assistiram à conferência de abertura, proferida pelo presidente da Suprema Corte Administrativa da Suécia. A ela seguiu-se conferência de representante de uma gigante da informática, sobre o uso da tecnologia em Cortes. Sucesso absoluto.

A partir daí a conferência fluiu. Painéis em 3 salas separadas sobre os mais complexos aspectos da administração judiciária na atualidade. Conferências por ícones internacionais no plenário. Os participantes tinham nos seus celulares um aplicativo com todo o programa, conferencistas e seus mini currículos. A partir dali faziam as suas escolhas.

A língua portuguesa não ficou esquecida. Além da presença de palestrantes de Portugal, 12 representantes de todos os países de língua portuguesa compareceram, inclusive dois do Timor Leste, com o apoio do Instituto Camões e PACED.

Destacados brasileiros falando sobre lavagem de dinheiro, Justiça em lugares remotos, projetos exitosos, mostraram nossas boas experiências. Estrangeiros discorrendo sobre educação judicial em Singapura, Justiça Terapêutica na Argentina, corrupção nos sistemas judiciais e outros temas, enriqueceram os debates.

Em uma tarde, um passeio às Cataratas do Iguaçu, deixando todos deslumbrados e felizes. No “gala dinner”, além da elegante decoração e da boa comida, três brasileiros cantaram o que já se fez de melhor na música brasileira. A esposa do presidente da Suprema Corte do Zimbabue foi o destaque, pelo colorido e elegância de seus trajes. Depois da sobremesa, o presidente da Suprema Corte da Jamaica ensaiou uns passos de samba com sua esposa, sendo seguido pouco a pouco pelos presentes. Depois de 15 minutos mais de 60 pessoas dançavam alegremente, sendo que um ministro da Suprema Corte do Cazaquistão e um professor da Holanda surpreenderam por seu desempenho na pista.

E assim foi a conferência até o seu final. Em clima de amizade fraterna, sem nenhum incidente, harmonia entre pessoas de países, cultura e hábitos diferentes, tudo bem organizado e passando a melhor imagem de nosso país. Ao final a conclusão é: nós podemos.


[i] EA – Escrita acadêmica. Relato de experiência. Disponível em http://www.escritaacademica.com/topicos/generos-academicos/o-relato-de-experiencia/. Acesso em 10/10/2018.

[ii] A organização de congressos auxilia o sucesso nas carreiras jurídicas, 12/8/2018. Disponível em https://www.conjur.com.br/2018-ago-12/organizacao-congressos-auxilia-sucesso-carreiras-juridicas. Acesso em 11/9/2018.

[iii] Conselho Nacional de Justiça. Resolução, Resolução 170, de 26/2/2013. Disponível em: http://www.cnj.jus.br///images/atos_normativos/resolucao/resolucao_170_26022013_11032013152838.pdf. Aacesso 11/9/2018.

Autores

  • é desembargador federal aposentado do TRF da 4ª Região, onde foi corregedor e presidente. Mestre e doutor em Direito pela UFPR, pós-doutor pela Faculdade de Saúde Pública da USP, é professor de Direito Ambiental no mestrado e doutorado da PUC-PR. Presidente da International Association for Courts Administration (IACA), com sede em Arlington (EUA). É vice-presidente do Ibrajus.

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