Reflexões Trabalhistas

Qual o papel dos sindicatos na 4ª revolução industrial?

Autor

  • Raimundo Simão de Melo

    é consultor Jurídico advogado procurador regional do Trabalho aposentado doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP professor titular do Centro Universitário do Distrito Federal-UDF/mestrado em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho e autor de livros jurídicos.

12 de outubro de 2018, 12h42

Spacca
Raimundo Simão de Melo [Spacca]A primeira revolução industrial teve como marca a máquina a vapor, mobilizando a mecanização da produção com o uso da água e energia a vapor. Já a segunda revolução industrial introduziu a produção em massa com a ajuda da energia elétrica, que foi um grande avanço. Depois veio a revolução digital e o uso de aparelhos e dispositivos eletrônicos, bem como a tecnologia da informação para automatizar ainda mais a produção industrial.

Agora surge a indústria 4.0 ou 4ª revolução industrial, que abrange tecnologias de automação e troca de dados a partir de sistemas ciber-físicos, internet das coisas e computação em nuvem.

Isso tudo dominado pela instantaneidade da troca de informações entre fatores de produção, pelos quais se automatiza as atividades de planejamento da produção e torna os processos mais eficientes, autônomos e customizáveis. São profundas transformações que marcam uma nova era da industrialização, atingindo não somente as empresas, mas também os trabalhadores e os sindicatos, o que leva à reflexão sobre o futuro do trabalho e da organização sindical não somente no Brasil, mas no mundo todo.

Vejamos, por exemplo, a grande transição nas relações de trabalho, pautada pela indústria 4.0, que consiste no trabalho home office ou teletrabalho, regulamentado no Brasil pela Lei 13.467/17. Esse tipo de trabalho, se não houver o devido cuidado e responsabilidade do setor empresarial, pode contribuir com a precarização do trabalho humano, levando benefício somente para os interesses das empresas, que intensificam a utilização destas tecnologias e reduzem custos fixos (aluguel, equipamentos, energia, informática etc.). Esse tipo de trabalho pode agradar a juventude, que nasceu na era da tecnologia e parte já até está atuando nesse novo mercado de trabalho.

Vejamos, em termos de proteção dos direitos sociais e da atuação dos sindicatos, como será feito o controle de jornada de trabalho de 8 horas diárias, que é uma garantia histórica, uma das maiores conquistas dos trabalhadores a partir de Revolução industrial ou primeira revolução. Como serão controlados e fiscalizados as condições de trabalho e o meio ambiente do trabalho, se os sindicatos, muitos dos quais estão afastados dos trabalhadores, não acessam os seus ambientes de trabalho? E a saúde e segurança desses teletrabalhadores, que poderão trabalhar de forma não controlada, adoecer e engrossar as filas da Previdência Social, especialmente porque a tendência é que o pagamento se dê por tarefa/produção? Eles terão que trabalhar bastante para auferir algum ganho razoável, mas a quantidade de trabalho pode ser prejudicial à sua saúde.

São importantes desafios, para os quais a sociedade não se preparou, inclusive e especialmente os sindicatos. Qual a capacidade de sobrevivência dos sindicatos para superar as barreiras do diálogo com os novos trabalhadores da indústria 4.0, a juventude da 4ª revolução industrial? Como aproximar os sindicatos desses trabalhadores, com muitos dirigentes que sequer dominam os atuais meios de comunicação para estabelecer o diálogo eletrônico?

A 4ª revolução industrial ou indústria 4.0 se aproxima rapidamente e os seus efeitos, que já estão sendo sentidos, desafiam a capacidade do movimento sindical de se adaptar para poder sobreviver, reorganizar-se, reinventar-se. O desafio colocado para as entidades sindicais e seus respectivos dirigentes, diante dos avanços a passos largos da indústria 4.0, é grande e difícil de enfrentar, porque nem se tem ainda respostas adequadas para isso, as quais talvez somente poderão ser encontradas no enfrentamento diário que a luta na defesa dos direitos dos trabalhadores impõe, em razão do papel dos sindicatos.

A verdade é que os possíveis efeitos da indústria 4.0 sobre o nível de emprego dos trabalhadores e a organização sindical podem ser devastadores, cujo viés tem sido a redução de custo e a busca de mais produtividade e lucro, nem sempre levando em conta os aspectos sociais, cujo desprezo poderá desembocar em graves ofensas à dignidade dos trabalhadores, que perderão o chamado patamar mínimo de proteção social. Como assegurar os mandamentos da Constituição Federal de 1988, especialmente nos artigos 1º e 170, onde se consagra o valor social do trabalho, a livre iniciativa e a valorização do trabalho humano?

Os efeitos da 4ª revolução são diferentes daqueles que decorreram das revoluções industriais anteriores, que extinguiram postos de trabalho de baixa qualificação, enquanto que a indústria 4.0 afeta também trabalhadores com alto grau de qualificação profissional, que são suplantados nos seus conhecimentos pela utilização das inteligências artificiais. Os trabalhadores do futuro, dessas novas tecnologias, serão aqueles capazes de aprofundá-las, que são poucos, enquanto que a grande massa de trabalhadores não tem preparo adequado para isso e nem se prepararão em pouco tempo ou na velocidade em que avança a 4ª revolução.

Assim, qual deve ser a postura do movimento sindical diante da 4ª revolução industrial? Como deverão agir os seus dirigentes para enfrentar os possíveis efeitos maléficos para os trabalhadores que representam, em especial no tocante ao combate à precarização do trabalho, diante de tão rápido progresso tecnológico e do afastamento dos trabalhadores individualizados em seu processo produtivo?

Por ora são muitas indagações, mas como não se pode perder tempo, parece que já apresentam algumas iniciativas, como, por exemplo, os chamados acordos-marcos-globais e as redes sindicais que começam a surgir como uma via de organização sindical nas empresas multinacionais, que podem trazer alguma contribuição no enfrentamento global dos efeitos colaterais da 4ª revolução industrial.

Os sindicatos precisam renovar suas direções, trazendo jovens trabalhadores para integrá-las, os quais terão menos dificuldade para se relacionar com os trabalhadores da indústria 4.0. É urgente que haja o estabelecimento de uma linguagem de rede sindical com os trabalhadores, que os sindicatos se reaproximem deles, busquem falar a sua linguagem, busquem saber quais são as suas necessidades e demandas.

Os sindicatos brasileiros precisam estabelecer diálogo e fazer intercâmbio com dirigentes sindicais de outros países, especialmente aqueles da origem das multinacionais, que lá aplicam políticas trabalhistas diferentes daquelas que usam nos países periféricos. Em muitos destes países a realidade da indústria 4.0 já se faz presente e os sindicatos de lá, como regra, são mais fortes e organizados, os quais podem ajudar com suas experiências. Os sindicatos precisam se fortalecer e elaborar propostas e ações que incidam sobre os impactos da indústria 4.0 na classe trabalhadora, cujo desafio é global.

Autores

  • Brave

    é consultor jurídico, advogado, procurador regional do Trabalho aposentado, doutor e mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP e professor titular do Centro Universitário UDF e da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo (SP), além de membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho. Autor de livros jurídicos, entre outros, Direito ambiental do trabalho e a saúde do trabalhador e Ações acidentárias na Justiça do Trabalho.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!