Opinião

Cabe à ANP a regulamentação do mercado de gás natural

Autor

12 de outubro de 2018, 6h51

No dia 20 de setembro, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Naturais e Combustíveis (ANP) comunicou[1] ao mercado que neste mês de outubro lançará uma Tomada Pública de Contribuições (TPC) referente a medidas para incentivo à concorrência no setor de gás natural.

Mesmo com quase dez anos de atraso, a TPC foi a solução encontrada pelo Grupo de Trabalho ANP/MME do “Gás para Crescer”, visto que dificilmente o Projeto de Lei 6.407/2013 (PL do Gás)[2], em trâmite na Câmara dos Deputados, será votado e aprovado neste ano. E ainda, considerando o fim de mandato dos deputados e senadores, a proposta elaborada pelo grupo corre o risco de ser aprovada na comissão, mas alterada no Plenário. Além do final de mandato dos membros dos Executivos federais e estaduais.

O risco do Grupo de Trabalho ANP/MME do “Gás para Crescer” de perder todo o trabalho destes dois anos é concreto.

Portanto, visando à abertura de mercado, este grupo espera implantar ainda neste ano algumas medidas de reforma do setor de gás natural que não necessitem de um novo texto legal.

Segundo o comunicado, a TPC coletará contribuições, dados e informações dos agentes do mercado sobre a “desverticalização” da indústria do gás natural, abordando os seguintes assuntos:

  • estabelecimento pela ANP de medidas para garantir a independência dos transportadores de gás natural com relação aos agentes que atuam nas atividades potencialmente concorrenciais da indústria, considerando que a desverticalização é fundamental para a liberalização do mercado de gás natural. Cabe à ANP a implementação dessa política, conforme o artigo 56, parágrafo único da Lei 9.478, de 6 de agosto de 1997;
  • estabelecimento de regras e diretrizes para o acesso a gasodutos de escoamento, unidades de tratamento de gás natural e terminais de regaseificação de GNL e a forma que se dará a conciliação e arbitramento em caso de impasse entre as partes interessadas. Embora o acesso às instalações essenciais não seja obrigatório por lei, é importante ter uma regulação específica para garantir a isonomia no tratamento dos agentes nos casos em que o acesso ocorre. Também é importante ressaltar o papel da ANP quando há conflitos entre os agentes nas negociações para o acesso a estas infraestruturas, dado o caráter relevante destas para a concorrência;
  • a definição de regras pela ANP, em conjunto com o Cade (Conselho Administrativo de Defesa da Concorrência) e a Sefel (Secretaria de Acompanhamento Fiscal, Energia e Loteria), de um programa de liberação de gás natural (Gas Release) envolvendo leilões periódicos de volumes de gás. O Gas Release foi uma política energética adotada por diversos países para minimizar elevadas concentrações de mercado e a sua execução poderá ser feita por órgãos que possuem competência para a regulação setorial (ANP);
  • adoção de medidas para dar transparência às transações comerciais entre partes relacionadas, a fim de atender ao mercado cativo de gás natural (contratos entre a Petrobras e distribuidoras estaduais). Essa atividade está dentro das atribuições da ANP de “implementar, em sua esfera de atribuições, a política nacional de petróleo, gás natural e biocombustíveis, em todo o território nacional, e na proteção dos interesses dos consumidores quanto a preço, qualidade e oferta dos produtos”, tal como disposto no artigo 8º, inciso I da Lei 9.478, de 6 de agosto de 1997;
  • proposta de elaboração de um pacto nacional entre a União e os estados para harmonização das regras de regulação do gás natural. O citado instrumento dependeria da adesão voluntária das unidades da federação, logo, não conflitaria com a hierarquia legal estabelecida na Constituição Federal.

Quanto aos temas acima, a expressão “Cabe à ANP a implementação dessa política, conforme o art. 56, parágrafo único da Lei nº 9.478, de 6 de agosto de 1997[3]” reflete o papel da mencionada agência no setor:

Art. 56. Observadas as disposições das leis pertinentes, qualquer empresa ou consórcio de empresas que atender ao disposto no art. 5° poderá receber autorização da ANP para construir instalações e efetuar qualquer modalidade de transporte de petróleo, seus derivados e gás natural, seja para suprimento interno ou para importação e exportação.

Parágrafo único. A ANP baixará normas sobre a habilitação dos interessados e as condições para a autorização e para transferência de sua titularidade, observado o atendimento aos requisitos de proteção ambiental e segurança de tráfego.

A lei acima dispõe sobre a política energética nacional, as atividades relativas ao monopólio do petróleo, institui a criação do Conselho Nacional de Política Energética e da Agência Nacional do Petróleo.

Em 4 de março de 2009, foi promulgada a Lei 11.909[4] (Lei do Gás Natural), a qual regulamenta as atividades de transporte, tratamento, processamento, estocagem, liquefação, regaseificação e comercialização de gás natural.

As questões da Lei 9.478/1997 que abordavam o gás natural foram alteradas por este novo marco legal. A Lei 11.909/2009 foi regulamentada por meio do Decreto 7.382, de 2 de dezembro de 2010[5].

O citado decreto regulamentou os capítulos I a VI e VIII da Lei 11.909/2009.

Conforme estabelecido, o artigo 174 da Constituição Federal[6] define que o Estado exercerá como agente normativo e regulador da atividade econômica, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.

Sobre a competência da ANP em regulamentar as atividades econômicas relacionadas com o mercado de gás natural, o caput e o parágrafo 1º do artigo 174 da Constituição Federal definem que:

Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.

§ 1º A lei estabelecerá as diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento nacional equilibrado, o qual incorporará e compatibilizará os planos nacionais e regionais de desenvolvimento.

A Lei 9.478/1997 em vigor, ou seja, alterada em 2009, estabelece que:

Art. 7º Fica instituída a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíves – ANP, entidade integrante da Administração Federal Indireta, submetida ao regime autárquico especial, como órgão regulador da indústria do petróleo, gás natural, seus derivados e biocombustíveis, vinculada ao Ministério de Minas e Energia.

(…)

Art. 8º A ANP terá como finalidade promover a regulação, a contratação e a fiscalização das atividades econômicas integrantes da indústria do petróleo, do gás natural e dos biocombustíveis, cabendo-lhe:

I – implementar, em sua esfera de atribuições, a política nacional de petróleo, gás natural e biocombustíveis, contida na política energética nacional, nos termos do Capítulo I desta Lei, com ênfase na garantia do suprimento de derivados de petróleo, gás natural e seus derivados, e de biocombustíveis, em todo o território nacional, e na proteção dos interesses dos consumidores quanto a preço, qualidade e oferta dos produtos.

Conforme evidenciado supra, é inquestionável a competência da ANP para promover a regulamentação e a fiscalização das atividades elencadas na Lei 11.909/2009, tais como: transporte, tratamento, processamento, estocagem, liquefação, regaseificação e comercialização de gás natural.

Portanto, não há necessidade de uma nova lei, mas de aplicar a lei já existente, visto que 80% do que a ANP e o Ministério das Minas e Energia precisam para incentivar a concorrência no setor de gás natural já estão previstos na Lei 11.909/2009 e seu regulamento. Desse modo, em uma análise atenta dos marcos legais vigentes, relacionada com o segmento de gás natural, sem pré-conceitos monopolistas, verificar-se-á que poucas questões dependerão de uma nova lei para implementação à concorrência no setor de gás natural.

Autores

  • Brave

    é advogado especialista no mercado de gás natural e gás canalizado e consultor de Usuários Industriais, na análise de risco jurídico-regulatório, estruturação e negociação de contratos de fornecimento de gás canalizado.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!