Fuga de traficante

TRE-RJ indefere candidatura de funkeiro por vínculo com organização criminosa

Autores

9 de outubro de 2018, 13h03

Máculas graves na vida pregressa de um candidato que atentam contra a República podem justificar o indeferimento do registro, com base nos princípios da ética e da moralidade. Esse foi o entendimento de um desembargador do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro para, em julgamento realizado no dia 13/09, julgar improcedente o pedido de registro de candidatura de Fabiano Baptista Ramos, conhecido como “MC Tikão”, requerido pela coligação “o Rio tem jeito” (Solidariedade/PSDB/PPS) ao cargo de Deputado Estadual.

Apesar do pedido de registro de candidatura de “MC Tikão” não ter sido impugnado dentro do período legal – após publicação o edital – e, não obstante a Procuradoria Regional Eleitoral ter formulado parecer no sentido de deferimento do pleito, foi determinado que o candidato se manifestasse, a fim de esclarecer os fatos narrados em notícias de jornais relacionando-o a inquéritos policiais, prisão e fatos criminosos.

Nesta senda, Fabiano Ramos limitou-se a afirmar que não fazia apologia ao tráfico. Em seguida, intimado o Partido Solidariedade (ao qual o requerente é filiado), este relatou que o diretório nacional fora notificado, através da sua comissão de ética, acerca do suposto envolvimento do candidato com o crime organizado, mas observou que o processo interno para a análise das alegações não havia sido concluído. Por tal razão, o Partido optou por manter o requerimento de registro de sua candidatura.

MC Tikão já foi preso em flagrante, em outubro de 2017, por ajudar na fuga de um traficante da favela da Rocinha – oportunidade em que o flagrante foi convertido em prisão temporária. Contudo, como a prisão não se renovou no período legal, a soltura do candidato se deu em novembro do mesmo ano.

O desembargador Antonio Aurelio Abi Ramia Duarte, relator do caso, ressaltou que o caso em tela configurava o retrato da atual sociedade e a comprovação da necessidade de mudanças profundas na escolha dos pretendentes a cargos eletivos. Ademais, o relator sublinhou em seu voto que o art. 14 §9º da Constituição Federal não poderia ser interpretado de maneira restritiva – devendo máculas graves à vida pregressa dos candidatos (e que atentam contra a República), serem suficientes para motivar o indeferimento de registro de candidatura.

CF. Art. 14. §9º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta. 

Seguindo esse raciocínio, o desembargador ponderou a importância do debate acerca da ética, uma vez que o eleitorado anseia por aquele que, mormente na política, não apenas obedeça aos comandos normativos, mas que os concretizem, impulsionando seu agir pelo que é justo e correto.

Assim, o relator buscou traçar um paralelo, inclusive, com a Alemanha da 2ª Guerra Mundial – sob regime nazista e atuante conforme estrita legalidade -evidenciando que a lei, per si só, não seria capaz de preencher as necessidades sociais e políticas de uma nação:

“a Alemanha Nazista atuou com base em regramentos normativos, o que demonstra que não devemos apenas seguir a norma jurídica, a lei pura e simplesmente. Devemos buscar algo mais, além da norma apenas, ou seja, o que é ético, o que é humano, o que é correto e justo. Portanto, falamos de vetores que vão além da norma jurídica, que inspiram a norma jurídica. Daí a Constituição não se coloca como simples ordenamento, mas como a representação de valores, de vetores que motivam uma nação”.

Outro argumento esmiuçado no voto do relator diz respeito à necessária manutenção da soberania interna do Estado. Por outras palavras, aquela que fundamenta o próprio exercício do poder soberano, fundamento do Estado Democrático de Direto.

“Tal pronunciamento (Estado Paralelo), longe de simples recurso da linguagem, posiciona tais corporações criminosas no mesmo patamar do Estado Brasileiro, afetando, mesmo que de forma indireta, à soberania interna do Estado, uma das vertentes de desse fundamento de nossa República”.

Desta forma, segundo decisão da Corte Eleitoral, permitir ao escrutínio do eleitor candidato integrante a “Estado Paralelo” (termo que eleva as organizações criminosas ao patamar do próprio Estado), este cenário configuraria abdicar do poder soberano e, portanto, acabar com o “pacto social” celebrado para o convívio em sociedade. Finalmente, em que pese toda a fundamentação ético-filosófica mencionada, o relator consignou que o requerente Fabiano Ramos, apesar de intimado, não apresentou as certidões criminais referentes às suas condutas praticadas na comarca do Rio de Janeiro – deixando de comprovar, portanto, a inexistência de inelegibilidade (essencial ao deferimento de registro de candidatura).

Clique aqui para ler a íntegra da decisão.

Texto produzido em parceria com o Eleitoralize , site dedicado à cobertura das regras eleitorais produzido por estudantes de Direito do Mackenzie, sob coordenação do professor Diogo Rais. Os autores tiveram a supervisão do advogado Raphael D’Antonio Pires, especialista em Direito Eleitoral.

Autores

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!