Cruzada cristã

Religiosos dos EUA apoiam os republicanos por causa da Suprema Corte

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9 de outubro de 2018, 8h50

A pedido do presidente Donald Trump, os cristãos estão mobilizados para ajudar a eleger parlamentares e governadores republicanos nas eleições de 6 de novembro nos EUA. Na eleição presidencial de 2016, a cruzada cristã foi uma força decisiva. Por exemplo, cerca de 81% dos evangélicos votaram em Trump. Hillary Clinton, a candidata democrata é evangélica, mas perdeu as eleições. Trump, que não é um religioso convicto, ganhou. Mas, por quê? Em grande medida, por causa da Suprema Corte.

Para confirmar isso, não é preciso entrevistar acadêmicos, nem pesquisar no Google. Basta abrir a porta de casa, quando a campainha toca em épocas de eleições, e perguntar aos sorridentes evangélicos com a bíblia e panfletos nas mãos, por que você deveria apoiar Trump, cuja moral é constantemente questionada, e votar em candidatos republicanos, que repelem qualquer programa social de quem sabe “amar os vizinhos”.

A ladainha é sempre a mesma: “Precisamos de uma maioria conservadora sólida na Suprema Corte, para reverter algumas decisões. Precisamos proibir o aborto, porque é assassinato. Precisamos acabar com o casamento entre pessoas do mesmo sexo, porque homossexualidade é pecado. Confeiteiros devem ter o direito de se recusar a fazer bolo para casamento gay. Precisamos garantir o direito das organizações cristãs de não pagar seguro-saúde para cobrir métodos contraceptivos”.

Mas por que você deveria apoiar um presidente que se gabou de pegar as mulheres pela vagina, como apareceu em uma gravação muito divulgada durante a corrida eleitoral, e que foi acusado de affairs com uma atriz de filmes pornográficos e com uma outra mulher, quando já era casado com a atual primeira-dama? Um presidente que, além de tudo, é acusado de ser um mentiroso contumaz.

Para os cristãos, a resposta está na Bíblia, diz a antropóloga Tanya Luhrmann, que conviveu muitos anos com evangélicos. Davi, o grande rei de Israel, também era vítima de sua luxúria e de seus impulsos — tal como Trump. Resumindo a história, ele teria engravidado uma mulher casada e mandado o marido para a frente de batalha para morrer. Isso acontece porque Deus age de maneiras misteriosas. E, no final das contas, Davi era um escolhido por Deus — tal como Trump, dizem os cristãos, segundo a antropóloga.

Trump pode ser um político inexperiente, que não sabe lidar com o Congresso e, por isso, não consegue cumprir promessas eleitorais, e faz trapalhadas com seus decretos presidenciais. Mas, em campanhas eleitorais, é muito eficiente, porque se dirige a públicos certos, com as mensagens certas.

Por exemplo, ele abriu uma guerra contra os muçulmanos, porque sabe que eles não são benquistos por muitos eleitores; abriu outra guerra contra os imigrantes ilegais e prometeu construir um muro na fronteira com o México, para agradar a maioria da população branca; prometeu acabar com o Obamacare, o seguro-saúde dos pobres, porque a maioria dos contribuintes não quer financiar a “incompetência” financeira dos outros.

E cultivou uma aliança com os cristãos durante a campanha eleitoral, o que continua fazendo durante sua presidência. Por exemplo, ele criou um conselho evangélico para aconselhá-lo, que pode aparecer na Casa Branca sem estar na agenda presidencial. Determinou a mudança da sede da Embaixada dos EUA em Israel para Jerusalém. Convidou um grupo de pastores evangélicos famosos para ir à Casa Branca rezar com ele — e para pedir que começassem a trabalhar pelo Partido Republicano nas eleições.

Ao fazer aliança com os cristãos, Trump se dirige a uma parcela significativa da população, como se vê no quadro abaixo, que mostra o cenário religioso dos EUA:

Total de cristãos 70,6%
Protestantes evangélicos 25,4%
Linha principal de Protestantes 14,7%
Protestantes historicamente negros 6,5%
Católicos 20,8%
Mórmons 1,6%
Cristãos ortodoxos 0,5%
Testemunhas de Jeová 0,8%
Outros cristãos 0,4%
Religiões não cristãs 5,9%
Judeus 1,9%
Muçulmanos 0,9%
Budistas 0,7%
Hindus 0,7%
Outras religiões mundiais 1,5%
Sem filiação religiosa 22,9%
Ateístas 3,1%
Agnósticos 4,0%
Nenhuma em particular 15,8%
Não declaram 0,6%

O cenário religioso dos EUA coincide com o cenário político-eleitoral do país. Isso fica claro se você compara um levantamento sobre a percentagem de evangélicos nos estados com o mapa dos “estados vermelhos” (os dominados pelos republicanos) e dos “estados azuis” (os dominados pelos democratas).

Os estados com uma percentagem maior de evangélicos são predominantemente republicanos e com uma percentagem menor de evangélicos são predominantemente democratas.

Assim, Tennesse (52% de evangélicos), Kentucky (49%), Alabama (49%), Oklahoma (47%) e Arkansas (46%) são “vermelhos”. O mapa continua “vermelho” até que a influência de evangélicos perde força. Assim, na outra ponta, Massachusetts (9% de evangélicos), Nova York (10%), Vermont (11%), New Hampshire (13%) e Nova Jersey (13%) são “azuis”.

Esse quadro se reflete mais na política eleitoral quando se trata de eleições de presidentes e senadores, os que decidem a nomeação de ministros para a Suprema Corte. No caso de governadores e deputados federais, nem tanto. Bandeiras eleitorais mais localizadas prevalecem.

Curiosamente, o predomínio evangélico nos EUA não se reflete na atual Suprema Corte. São católicos os ministros conservadores John Roberts (presidente da corte), Clarence Thomas, Samuel Alito, o novo ministro Brett Kavanaugh e a ministra liberal Sonia Sotomayor. São judeus os ministros liberais Sthepen Breyer e as ministras Ruth Ginsburg e Elena Kagan. O ministro conservador Neil Gorsuch, também nomeado por Trump, foi criado no catolicismo, mas frequenta a Igreja Episcopal. Mas vários protestantes-evangélicos já foram ministros no passado.

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