Opinião

Críticas sobre as urnas eletrônicas são válidas, mas cuidado com a desinformação

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  • Renato Ribeiro de Almeida

    é coordenador acadêmico da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político) e conselheiro do Instituto Luiz Gama. É doutor em direito do estado pela USP e mestre em direito político e econômico pela Mackenzie. Autor de Direito Eleitoral da editora Quartier Latin e coautor de Participe! Eleições Partidos Políticos e Ideologias de A a Z da editora Liquet.

8 de outubro de 2018, 11h29

Sou “velho de guerra” em eleições e a toda eleição que acaba recebo no escritório, nos dias seguintes, candidatos derrotados dizendo que perderam porque o sistema de urnas não é seguro. Reconhecer a própria derrota nem sempre é fácil. É um desafio humano tremendo admitir que outro o superou.

O caso mais curioso foi de um candidato a vereador que disse que na sessão da própria mulher ele não recebeu nenhum voto. Com muito jeito, expliquei que o seu problema era conjugal, não eleitoral. Meses mais tarde, ele descobriu que a mulher tinha um amante (o qual também havia sido candidato) e que ela não votou no próprio marido.

Nas eleições deste ano, mais uma vez, o tema da segurança nas urnas volta à tona. Alguma coisa no planeta Terra é imune a fraude? Não. Então dou meu testemunho da fiscalização ferrenha (inclusive na montagem e carregamento das urnas e também no dia das eleições e na apuração) que é feita pelo Ministério Público Federal, OAB, Polícia Federal, Polícia Militar e Justiça Eleitoral. Seria necessária uma operação secreta cinematográfica para despistar todo mundo e conseguir alterar um resultado em dimensão nacional. Mereceria até uma série na Netflix estilo La Casa de Papel.

Outra coisa que gostaria de dar meu relato é que, quando as eleições eram feitas em cédulas de papel, a apuração adentrava madrugadas e seguia por dias. A apuração era feita, muitas vezes, em ginásios de esportes e quadras poliesportivas. Pessoas da comunidade eram selecionadas (como ocorre com os mesários) para apurar, sob a fiscalização de só um juiz eleitoral e um promotor, em geral. Eu sei de dezenas de pessoas que trabalhavam nas apurações com uma caneta no bolso. Quando o juiz não estava olhando, votava no lugar dos brancos ou assinava mais de um candidato (para anular a cédula). Talvez você conheça alguém que já fez isso. Ah… Os crimes já prescreveram.

Continuando, como disse no começo do ano em audiência pública no Senado Federal, sigo acreditando no resultado e no fato de que seria muito mais difícil fraudar desta forma, com urnas eletrônicas, do que pela apuração da madrugada, com canetas esferográficas em ação.

Se houver suspeita de fraude, que sejam lavrados boletins de ocorrência, relatos em ata, e levados os casos às autoridades.

Honestamente, não acho que o TSE, que categoricamente impediu a candidatura de Lula, iria fraudar as eleições justamente para favorecer o PT. A suspeita parece até aquela “teoria” Illuminati combinada com Ursal, ensinada por um candidato a presidente…

Quanto às críticas ao sistema de urnas, acho que são válidas para o debate. Mas muito cuidado com a desinformação. A urna é feita para funcionar e para ser simples e sem conexão com a internet. Lembre-se que o Brasil é um país de proporções continentais e algumas urnas são alimentadas até por geradores, em regiões isoladas. Como todo equipamento elétrico, algumas têm que ser substituídas no dia das eleições, sem prejuízo dos votos já recebidos. Existe uma previsão estatística do número de urnas que geralmente dão problemas.

Imprimir o voto geraria uma complexidade maior. Isso tornaria mais elevada a possibilidade de problemas técnicos nos milhares de equipamentos Brasil afora.

Fazer uma dupla contagem poderia dar resultados diferentes. Você duvida que o sujeito que fraudava com a caneta não sumiria com uns papéis no meio da apuração da madrugada? Qual resultado iria prevalecer?

Já levar o comprovante de quem votou para casa, por outro lado, favoreceria a compra de votos — “Te pago se você provar que votou em mim”.

Isso sem falar no custo de bilhões de reais para comprar tantas impressoras. Dinheiro público que poderia ser aplicado em saúde, educação e segurança, por exemplo.

Termino com um alerta. O pior perdedor é aquele que não aceita a derrota. Ao colocar dúvidas na própria democracia e nas instituições judiciais (Justiça Eleitoral, no caso), acaba-se arruinando todo o Estado de Direito. É o primeiro passo para a instalação de um governo autoritário.

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