Opinião

Direito ao esquecimento é realidade no cenário jurídico brasileiro

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3 de outubro de 2018, 6h58

As pessoas têm o direito de serem esquecidas pela sociedade, pela opinião pública e pela imprensa. Atos praticados ou sofridos no passado não devem reverberar perpétua e incondicionalmente, minando uma renovação natural no ciclo da vida de qualquer cidadão. Essa é a ótica sustentada pela tese do direito ao esquecimento, que é mais uma vertente de direito pessoal a chegar ao Brasil no contexto da constitucionalização do Direito Civil.

O direito ao esquecimento tem suas origens na Alemanha, onde uma das primeiras aplicações de que se tem notícia ocorreu no Caso Lebach, em que um ex-condenado por homicídio venceu no Tribunal Constitucional Alemão uma ação inibitória contra um canal de televisão, que exibiria um programa sobre o crime após o condenado obter liberdade[1]. Contudo, o direito ao esquecimento pode ser tratado sob uma nova perspectiva, além daquela que envolve os pleitos indenizatórios inicialmente enfrentados pelos tribunais brasileiros, por meio das ações de obrigação de fazer ditas “puras”, propostas contra sites e contra os provedores de busca on-line (notadamente o Google), para que deixem de ser exibidas notícias, reportagens, artigos ou mesmo opiniões de blogs que possam gerar algum tipo de mácula à imagem do particular.

O diferencial dessas ações é que elas permitem fugir da complexidade da responsabilidade civil, necessária para que se obtenha o dano indenizável nas ações indenizatórias. Em todo caso, a questão se apresenta sempre sob o prisma do embate dos direitos da personalidade e da dignidade da pessoa humana — aqui incluído o direito ao esquecimento — contra os direitos da liberdade de informação e de expressão.

Como os princípios envolvidos têm alçada similar, isto é, são direitos fundados em lei federal e na Constituição, cabe um sopesamento sobre qual deles merece maior acolhimento no caso concreto, sendo certo que qualquer tendência jurisprudencial radical, para qualquer dos lados, implicaria um prejuízo para o outro.

Isso porque o direito ao esquecimento pode e deve ser visto como uma nova faceta dos direitos da personalidade e da dignidade da pessoa humana, como inclusive já se consignou expressamente no Enunciado 531 da VI Jornada de Direito Civil, realizada em 2013 pelo CJF[2].

O fato é que o direito ao esquecimento já está mais do que consolidado na jurisprudência brasileira, não sendo poucos os casos nos quais os tribunais estaduais e superiores o reconheceram. Merece destaque um recente julgado do STJ[3], que reconheceu o direito ao esquecimento de uma promotora que tinha seu nome ligado, pelos buscadores on-line, a investigações de fraude em concurso público para juiz sem que nunca tenha sido condenada pelo crime, o que agrava ainda mais a questão.

Apesar de os recentes julgados tirarem qualquer dúvida quanto à aplicação, em superior instância, do direito ao esquecimento, inclusive em face dos buscadores on-line que veiculam resultados de pesquisa inadequados, precisamos ampliar as discussões e pesquisas sobre esse tema, que é ultrassensível, porque interpretações e decisões equivocadas podem levar a um descompasso entre privação da liberdade e ofensa à personalidade.

A chancela dessa nova perspectiva por parte do Judiciário pode ser vista com bons olhos, a ponto de configurar uma evolução das sempre metamórficas relações dos direitos da personalidade, mas ainda assim deve ser tratada com parcimônia. A pureza da obrigação de fazer, além de escapar da sombra da indústria do dano moral, impõe uma reflexão mais profunda sobre o direito ao esquecimento sem as arestas típicas da responsabilidade civil, o que é salutar.


[1] SCHWABE, Jürgen. Cinquenta Anos de Jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal Alemão. Organização de Leonardo Martins. Montevideo: Mastergraf, 2005, p. 486 – 494.
[2] Enunciado 531 – A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento.
[3] REsp 1.660.168/RJ.

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