Opinião

Os desafios das candidaturas femininas nas eleições de 2018

Autores

  • Raquel Cavalcanti Ramos Machado

    é mestre em Direito (Direito e Desenvolvimento) pela Universidade Federal do Ceará doutora em Direito pela USP advogada ex-coordenadora do mestrado e do doutorado em Direito na UFC ex-chefe do departamento de Direito Público por dois mandatos professora de Direito Eleitoral Direito Administrativo e Teoria da Democracia da UFC visiting research scholar da Wirtschaft Universistat Vienna (2015 e 2016) professora pesquisadora convidada da Faculdade de Direito da Universidade Paris Descartes (2017) professora pesquisadora convidada da Faculdade de Direito da Universidade de Firenze (2018) membro do Instituto Cearense de Direito Eleitoral (Icede) e da Comissão de Direito Eleitoral da OAB coordenadora da área acadêmica da Transparência Eleitoral Brasil e membro da Abradep.

  • Jéssica Teles de Almeida

    é advogada professora mestra em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC) pesquisadora do grupo "Direito Humanos e das Minorias" e coordenadora do grupo de pesquisa e extensão em Direito Eleitoral "Ágora: Educação para a cidadania: denúncia e esperança" e do projeto "Observatório Eleitoral do Ceará" (www.observatorioeleitoralce.com).

2 de outubro de 2018, 15h06

O “NiUnaMenos”, movimento que desencadeou a Greve Internacional das Mulheres em 8 de março de 2017 (International Women’s Strike –IWS), assim como o recente movimento político brasileiro “EleNão”, são exemplos atuais e recentes de que as mulheres protagonizam a política informal e são hoje decisivas para a eleição de qualquer projeto de poder. Há quem diga ser a quarta onda feminista tipicamente latino-americana.

As mulheres são 52% do eleitorado; a razão, contudo, entre o número de eleitoras e de candidatas é inversa. As mulheres são a maioria do eleitorado e das participantes da política informal. São, porém, a minorias das candidatas e, pior, das representantes eleitas. Um estudo feito pela ONU Mulheres em 2017 coloca o Brasil na 154ª posição de participação delas no Congresso, em um universo de 174 países. Percebe-se, assim, que há, no mínimo, um descompasso matemático entre o número de eleitoras (52%), candidatas (31,89%) e eleitas (11% em média), desproporção essa que não existe em relação ao sexo masculino.

Desde a Lei 12.034/2009, que obrigou os partidos políticos e/ou as coligações a respeitarem a proporção mínima de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada gênero, verifica-se o fenômeno das candidaturas femininas “laranjas”, que são candidaturas lançadas apenas para, numericamente, se atingir o percentual exigido e viabilizar os 70% das candidaturas masculinas. A fraude, enquanto fenômeno fático-transgressor, surge como consequência da instituição de uma regra obrigatória de conduta. Fraude e norma mantêm, assim, uma relação de contemporaneidade.

Com vistas a dar mais efetividade e eficácia ao modelo de proteção jurídica à participação política da mulher, o Supremo Tribunal Federal, na Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.617, e o Tribunal Superior Eleitoral decidiram, para as eleições de 2018, que, no mínimo, 30% dos recursos do Fundo Partidário, do Fundo Especial de Financiamento de Campanha e do tempo de propaganda gratuita devem ser destinados às candidaturas femininas.

Sem critérios objetivos sobre como e de que forma essa distribuição se daria entre as candidatas, ficou a cargo da autonomia partidária essa definição. Paira ainda contra o acórdão da ADI 5.617 embargos declaratórios no qual se discute possível omissão sobre a destinação das verbas que os partidos acumularam para aplicar nas candidaturas femininas até 2017. Dúvida pertinente, já que declarada a inconstitucionalidade do artigo 44, dos parágrafos 5º-A e 7º da Lei 9.096/95.

Com 30%, no mínimo, das cotas de candidaturas reservadas ao gênero feminino, dos recursos do Fundo Partidário (destinados ao financiamento de campanhas) e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha e do tempo de propaganda de rádio e TV, esperava-se que, para o pleito de 2018, as candidaturas femininas alavancariam. É cedo para uma sentença precisa. Faltam-nos dados e números extraídos das urnas. Mas denúncias da detração da política de cotas (de candidaturas e de reserva de recursos financeiros) não faltam.

O partido Rede Sustentabilidade foi denunciado por ter usado dados de duas mulheres para preencher as cotas de candidatura por gênero. Na denúncia, até a foto anexada ao processo de registro de candidatura, na qual apareciam as mulheres vestidas de ternos masculinos, foi objeto de impugnação pelas denunciantes. Outros casos que envolvem a (falta) de repasse às mulheres, pelos partidos políticos, da reserva do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, para as campanhas femininas, estão sendo investigados pelo Ministério Público Federal. As candidatas estão encontrando resistência nos partidos políticos para acessarem esses recursos; estão, inclusive, com receios das retaliações que estão sofrendo dos partidos após as denúncias realizadas.

A explicação para essa falta de apoio dos partidos políticos às mulheres tem matriz sociológica. Para a socióloga Lúcia Avelar, enquanto nos movimentos sociais a lógica é a inclusão (quanto mais forças agregadas, mais forte e legítimo é o movimento), nos partidos e nos centros de poder instituídos a lógica é da exclusão para minimizar as disputas (Dos movimentos aos partidos: a sociedade organizada e a política formal, p. 101-116. Revista Política e Sociedade. Nº 11 – outubro de 2007).

A bandeira e luta por mais participação política da mulher é, na atualidade, uma luta por reconhecimento; reconhecimento partidário de que política pode ser feita por #elassim e reconhecimento judicial de que ainda é necessária uma proteção da participação política da mulher, enquanto direito-meio, para se alcançar o direito-fim, que é a igualdade — um quadro mais paritário entre os gêneros nos espaços formais de poder.

Na contramão da detração e nos caminhos da inclusão, o Psol, no estado do Ceará, destinou 65% dos recursos financeiros para seis candidatas e 35% para os candidatos, o que motivou a impetração, por um dos 12 candidatos lançados pelo partido, de um mandado de segurança que questionava esses repasses. O TRE-CE entendeu (veja aqui a decisão) que a autonomia partidária, nesse caso, concretizou direitos fundamentais ao fazer uma discriminação positiva em favor de mulheres, negros e negras, indígenas e LGBT e não feriu nenhum direito líquido e certo dos candidatos, já que a proporção de 70% e 30%, no mínimo, para cada gênero, foi respeitada.

Diante das reflexões e dados expostos, nota-se que os desafios à proteção judicial da participação política da mulher para as eleições de 2018 são:

  • a manutenção, pelo Supremo Tribunal Federal, do entendimento que obriga os partidos políticos a destinarem 30%, no mínimo, dos recursos do Fundo Partidário destinado às campanhas eleitorais e que, ainda, em sede de embargos de declaração, a corte module os efeitos da decisão, adotando uma regra de transição, como propuseram as advogadas eleitoralistas Ezikelly Barros e Marilda Silveira, para se garantir a imediata disponibilização, às candidatas, das verbas que os partidos acumularam para aplicar nas candidaturas femininas até 2017;
  • a manutenção, pelo Tribunal Superior Eleitoral, do entendimento firmado em 2015 e 2016, no sentido de que as fraudes às cotas de gênero constituem causa de pedir tanto da ação de impugnação de mandato eletivo como da ação de investigação judicial eleitoral;
  • a garantia da punibilidade, após o devido processo legal, dos responsáveis ou beneficiados pela prática de tais atos, com vistas a reprimir e coibir condutas atentatórias à legitimidade, à igualdade do processo eleitoral e aos direitos humanos e fundamentais das mulheres;
  • o controle estrito e ostensivo dos repasses financeiros reservados aos grupos beneficiários, principalmente através do processo de prestação de contas partidária e eleitoral, mas também à luz do artigo 30-A da Lei 9.504/97, acaso as condutas possam ser individualizadas.

Na trincheira dos partidos políticos, a proteção jurídica da participação política da mulher parece-nos nunca ter sido tão ameaçada, o que justifica uma sensibilidade maior da Justiça Eleitoral na análise e aplicação, firme e comprometida, do Direito Eleitoral à luz das normas de direitos humanos e fundamentais que garantem a igualdade entre os gêneros na política.

*Este artigo é uma parceria entre o Eleitoralize, site dedicado à cobertura das regras eleitorais produzido por estudantes de Direito do Mackenzie, sob a coordenação do professor Diogo Rais, e o grupo de pesquisa “Ágora: Educação para a cidadania: denúncia e esperança”, sob a coordenação da professora Raquel Cavalcanti Ramos Machado, da Universidade Federal do Ceará.

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    é advogada, professora de Direito Eleitoral da Universidade Federal do Ceará (UFC), doutora em Direito pela Universidade de São Paulo (USP), coordenadora do grupo de pesquisa e extensão em Direito Eleitoral "Ágora: Educação para a cidadania: denúncia e esperança" e do projeto "Observatório Eleitoral do Ceará" (www.observatorioeleitoralce.com).

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    é advogada, professora, mestra em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC), pesquisadora do grupo "Direito Humanos e das Minorias" e coordenadora do grupo de pesquisa e extensão em Direito Eleitoral "Ágora: Educação para a cidadania: denúncia e esperança" e do projeto "Observatório Eleitoral do Ceará" (www.observatorioeleitoralce.com).

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