Conflito de constituições

Prisão de Pezão mostra controvérsia da possibilidade de detenção de governadores

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29 de novembro de 2018, 16h28

O governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão (MDB), foi preso preventivamente na manhã desta quinta-feira (29/11), a mando do ministro Felix Fischer, do Superior Tribunal de Justiça. Mas a possibilidade de deter provisoriamente autoridades ainda é tema controverso, que sofreu diversas alterações desde a promulgação da Constituição Federal.

Fernando Frazão/Agência Brasil
Pezão é acusado de dar continuidade a esquema de corrupção de Cabral.
Fernando Frazão/Agência Brasil

No pedido de prisão, a Procuradoria-Geral da República argumenta que o esquema de corrupção estruturado pelo ex-governador Sérgio Cabral (MDB) foi mantido por Pezão e segue ativo. Solto, o governador poderia dificultar ainda mais a recuperação dos R$ 39 milhões que supostamente recebeu de propina, continua o pedido.

A Constituição Federal estabelece que o presidente da República só pode ser preso após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Ele também apenas vira réu em ação penal por crime comum no Supremo Tribunal Federal caso dois terços da Câmara dos Deputados aceitem a denúncia. Nesse cenário, o presidente é afastado do cargo até a decisão do STF. Se isso não ocorrer em até 180 dias, ele reassume o posto.

Diversas constituições estaduais repetem essas regras para seus governadores. Entre elas, a do Rio de Janeiro. O artigo 147, II, parágrafo 3º, da Constituição fluminense afirma que, “enquanto não sobrevier sentença condenatória, nas infrações penais comuns, o governador do estado não estará sujeito à prisão”. O caput do mesmo dispositivo diz que, se o Legislativo aceitar a denúncia, a ação penal por crimes comuns será julgada pelo STJ.

Mas a jurisprudência vem mudando a Constituição do Rio. Em 1995, o Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional o artigo 147, inciso II, parágrafo 3º, do texto. Na Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.022, os ministros definiram que as constituições estaduais não podem dar aos governadores a mesma imunidade que os presidentes da República têm. Só a Constituição Federal poderia fazê-lo, ficou decidido.

Portanto, a prisão preventiva de Pezão é legal, afirma o professor Lenio Streck, constitucionalista e colunista da ConJur. “Qualquer norma de constituição estadual que imuniza governador de prisão é inconstitucional. Só a Constituição Federal poderia dispor disso”, explica.

Mas o criminalista Fernando Augusto Fernandes discorda da interpretação do Supremo na ADI 1.022. “A constituição do estado é aplicável todas as vezes que ela tiver simetria com a Constituição Federal. Então, tendo em vista que a Constituição Federal impede que o presidente da República sofra qualquer processo enquanto no cargo, e, portanto, também não pode ser preso, e a Constituição do Rio trazia essas garantias simétricas ao governador, entendo que essa regra é constitucional.”

Caso Arruda
Uma decisão emblemática nesse sentido foi a prisão preventiva do então governador do Distrito Federal José Roberto Arruda (DEM), em 2010. Acusado pela PGR de tentar subornar o jornalista Edson Sombra, testemunha do esquema de corrupção que atingiu o governo do DF, empresários e deputados distritais, Arruda teve sua detenção decretada pelo STJ.

Na época decano do STJ, o ministro Nilson Naves questionou a possibilidade de o tribunal determinar prisão de governador sem ouvir o Legislativo local. Naves argumentou que, não sendo o STJ competente para iniciar a ação penal contra o governador, não pode, portanto, determinar prisão preventiva, pois o inquérito presidido na corte já havia sido concluído.

Contudo, prevaleceu o entendimento da ministra Eliana Calmon. Ela baseou seu ponto em um precedente do STF, o Habeas Corpus 89.417. Relatado pela ministra Cármen Lúcia, o julgamento relativizou a necessidade de se ouvir o Legislativo local para decretar prisão de governador. A detenção de Arruda foi mantida pelo Supremo.

Autorização da assembleia
O Plenário do Supremo, em 2017, alterou seu entendimento anterior e decidiu que não é preciso haver aval do Legislativo estadual para processar governador. Ao julgar as ADIs 4.798, 4.764 e 4.797, a corte fixou a seguinte tese: “É vedado às unidades federativas instituírem normas que condicionem a instauração de ação penal contra governador, por crime comum, à previa autorização da casa legislativa, cabendo ao Superior Tribunal de Justiça dispor, fundamentadamente, sobre a aplicação de medidas cautelares penais, inclusive afastamento do cargo”.

Quanto ao Rio de Janeiro, o STF, na ADI 4.772, declarou inconstitucional o trecho do artigo 147 da Constituição fluminense que exigia autorização de dois terços da Assembleia Legislativa para que o governador fosse julgado pelo STJ.

Segundo Ana Paula de Barcellos, professora de Direito Constitucional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), o tema da prisão provisória de autoridades está “em ampla reorganização”.

“A Constituição Federal proíbe a prisão de deputados federais e senadores, salvo em flagrante de crime inafiançável (artigo 53, parágrafo 2º). O STF, porém, entendeu que isso não impede a aplicação pelo Judiciário de medidas cautelares, o que aparentemente inclui prisão preventiva (ADI 5.526). Apenas exigiu que essas medidas cautelares, caso atrapalharem o exercício do mandato, também sejam comunicadas à Casa Legislativa para que ela delibere sobre elas, como o dispositivo constitucional prevê", explica a professora.

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