Opinião

Uma análise sobre a gênese da Solução de Consulta Interna Cosit 13

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27 de novembro de 2018, 5h46

Inconformadas com a decisão do Plenário do STF no julgamento de 15/3/2017 (RE 574.706) em que restou proclamada com clareza meridiana a regra de que não se inclui o ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins, as autoridades fazendárias pinçaram um argumento dentre os votos vencidos para tentar reduzir de maneira absolutamente artificial, e até leviana, o valor do indébito a ser ressarcido aos contribuintes.

Trata-se do raciocínio expendido pelo voto vencido do ministro Gilmar Mendes, que pretendia incluir o ICMS na base do PIS e da Cofins, em que destaca “que nem sempre a totalidade do valor correspondente ao ICMS recebido pelo contribuinte será repassado ao Estado (…)”.

Aliás, o atual presidente da corte, ministro Dias Toffoli, cujo voto também restou vencido, invocara o raggionamento de seu par ao reproduzir o texto acima, como argumento que, na ótica desses ilustres magistrados, justificaria a inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins.

Essa tese invocada como justificativa para a pretensa inclusão do ICMS na base das contribuições restou vencida no julgamento com repercussão geral (RE 574.706).

Somente um malabarismo lógico poderia dar azo à sua transposição para o momento da execução dos julgados, como perpetrado pela Fazenda Nacional nos embargos de declaração pendentes de julgamento no STF e, agora, pela Receita Federal na SCI Cosit 13.

Tudo para tentar justificar que não seria a totalidade do ICMS recebido pelo contribuinte que comporia o cálculo do indébito a recuperar, e sim o valor efetivamente pago a cada mês. Isso a despeito de o PIS e a Cofins terem incidido sobre a integralidade dos valores do ICMS destacados nas notas fiscais que compuseram o faturamento e recebidos como integrantes desse faturamento. É aí que reside a falácia da utilização descabida pela Fazenda Nacional e, agora, pela Receita Federal, do argumento vencido quando do julgamento do RE 574.706.

O ato administrativo recentemente publicado pretende estabelecer critérios vinculantes para as autoridades fiscais para reduzir o cálculo do indébito a ser ressarcido aos contribuintes, limitando-o ao montante recolhido ao final de cada mês, em vez do valor destacado no documento fiscal que compõe o faturamento e que serviu de base para o cálculo das contribuições recolhidas a maior.

Antes mesmo desse ato interpretativo, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, nos embargos de declaração opostos ao acórdão prolatado em 15/3/2017, pretendeu suscitar dúvida onde dúvida nunca existiu, indagando se o ICMS que não deveria ser incluído na base das contribuições seria “o resultado da incidência integral do tributo” ou se “a parcela do ICMS a ser recolhido, em cada etapa da cadeia de circulação”.

Em contraminuta aos embargos fazendários, na qualidade de patronos do RE 574.706 junto ao STF, pontuamos que: “Logicamente, se não cabe incluir o ICMS na base do PIS e da COFINS, é precisamente o ICMS que erroneamente compôs ou comporia a base de cálculo dessas contribuições que deve ser excluído, e não qualquer outro”. O deslinde da questão não requer os esforços hermenêuticos mirabolantes das autoridades fiscais.

Afinal, qual o ICMS que deverá ser excluído da base para efeito de apuração do crédito fiscal que materializa o indébito a ser ressarcido pela União? A resposta há de ser encontrada não em ato da Receita Federal, mas, sim, no Código Tributário Nacional, que define o indébito como sendo a “cobrança ou pagamento espontâneo de tributo indevido ou maior que o devido em face da legislação tributaria aplicável” (artigo 165, I, do CTN).

Restou pacificado no julgamento de 15/3/2018 (RE 574.706) que a legislação aplicável à Cofins e ao PIS não comportava a inclusão do ICMS em sua base de cálculo. Logo, o valor do ICMS que foi efetivamente incluído na base de cálculo do PIS e da Cofins dele deve ser excluído para apuração do indébito com vistas ao ressarcimento pela União da contribuição paga a maior.

Por maior esforço exegético que se pretenda fazer, não há como elidir a norma inscrita no Código Tributário Nacional: o tributo pago em excesso ao Fisco há de ser restituído no mesmo valor pago a maior, acrescido dos consectários legais.

Desse modo, não cabe a um ato administrativo determinar o quantum da restituição a ser efetuada ao contribuinte em face de um dado provimento jurisdicional. É o simples cálculo aritmético de quanto ele pagou a mais que vai determinar o montante a ser restituído.

Nesse sentido, de resto, a manifestação expressa contida no acórdão prolatado no âmbito do RE 574.706, como explicitado no item 3 da ementa.

E é tão clara essa constatação que a própria corrente vencida não fez qualquer reparo à tese proposta pelo ministro Fachin, ao inaugurar a divergência em relação ao voto vencedor da ministra Cármen Lúcia, quando propôs, caso seu voto fosse acolhido pela maioria dos pares, que a tese que resultasse do julgamento consagrasse que:

“O valor do ICMS, destacado na nota, devido e recolhido pela sociedade empresária, compõe seu faturamento, submetendo-se à tributação pelas contribuições ao PIS e à COFINS, por ser integrante do conceito de receita bruta, base de cálculo das referidas exações” (grifo nosso).

É que tanto a corrente vencedora quanto os ministros que divergiram tinham e têm plena certeza de que o que sempre esteve em jogo naquele julgamento foi a inclusão ou não do ICMS destacado nas notas fiscais que compõem o faturamento para efeitos de cálculo das contribuições ao PIS e à Cofins.

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