Opinião

A necessária superação da Súmula 691 do Supremo Tribunal Federal

Autor

  • André Luís Callegari

    é advogado criminalista pós-doutor em Direito Penal pela Universidad Autónoma de Madrid professor de Direito Penal no IDP-Brasília sócio do Callegari Advocacia Criminal e parecerista especialista em lavagem de dinheiro.

26 de novembro de 2018, 10h04

Inúmeros habeas corpus não são conhecidos em face da Súmula 691 do Supremo Tribunal Federal, porque, como se sabe, haveria supressão da instância inferior em face da denegação de liminar proferida por relator de tribunal originário.

Ocorre que, assistindo aos julgamentos nas turmas do STF, invariavelmente se visualizam situações que não se coadunam com os imperativos da justiça. Por exemplo, há casos de liminares implementadas há mais de um ano, onde o paciente cumpre rigorosamente as cautelares alternativas que lhe foram impostas, porém, sob o argumento da súmula o habeas corpus na sessão de julgamento não é conhecido e a liminar é revogada.

Noutros casos, há patente excesso de prazo do tribunal inferior para o julgamento do mérito da impetração originária e, mesmo assim, há decisões que impedem o conhecimento do writ trazendo a justificativa que a justiça está assoberbada, o que justificaria a demora dos julgamentos. Assim, não há como reconhecer a garantia de liberdade posta na Constituição em favor do cidadão. Um ministro chegou a declinar em seu voto que há uma “epidemia” de habeas corpus.

Começando por este último argumento. Se há demora no julgamento do mérito do habeas corpus no tribunal inferior, que culpa tem o paciente? Deve suportar o emperramento do Judiciário e deixar que a prestação jurisdicional lhe seja alcançada um dia? Acredita-se que não foi essa a vontade do legislador constitucional quando fixou o razoável prazo para o processo (leia-se, para o julgamento dos recursos também). Tampouco imaginava que uma súmula pudesse limitar o mais sagrado remédio posto à disposição do cidadão, que é o habeas corpus.

Se há demora na instância inferior, por si só já estaria justificada a concessão ou manutenção da liminar implementada, isso porque, nada mais se estaria fazendo do que interpretar o sagrado direito de ir e vir rapidamente, o que é constitucionalmente garantido ao cidadão.

É bem verdade que o ministro Alexandre de Moraes em casos como o relatado acima tem fixado em até quatro sessões para que o tribunal de origem da impetração julgue o mérito do habeas corpus, fato esse que se deve louvar porque ao menos fica reconhecido o direito a uma rápida prestação jurisdicional. De qualquer sorte, o melhor ainda seria a superação da súmula também nesses casos.

No primeiro caso aqui levantado — liminar implementada há mais de uma ano —, a situação parece ainda mais preocupante. Veja-se que nessa situação o paciente vem, na maioria das vezes, cumprindo rigorosamente as cautelares impostas. O site do tribunal inferior ou as informações processuais demonstram isso, ou seja, nada há nos autos que indique quaisquer dos motivos que anteriormente justificaram a prisão preventiva, mas, ainda assim, o habeas corpus não é conhecido e a liminar é revogada.

Qual a justificativa para isso? Realmente o paciente merece voltar ao cumprimento da prisão preventiva após um ano de liberdade? Parece, salvo melhor juízo, que não haveria nem mais contemporaneidade com os fatos que levaram à decretação da medida extrema. Não acreditamos que, após um ano de implementação da liberdade, possam subsistir os fatos acauteladores (artigo 312, CPP), que levaram o magistrado a restringir o direito de ir e vir do paciente.

Razões de tecnicismo jurídico em face da súmula 691 do STF não podem se sobrepor ao direito sagrado da liberdade, mormente quando está cristalino o decurso de prazo existente em face do tempo da implementação da liberdade, ou, da demora da instância inferior em julgar o mérito do habeas corpus.

As prisões não podem se justificar por respostas à sociedade, pelo simples fato que o encarceramento nunca foi a melhor resposta à ressocialização. A súmula merece ser revisitada para que se corrijam não só os excessos aqui narrados, mas, principalmente, para que se assegure o que está constitucionalmente previsto: o sagrado direito de liberdade.

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