Opinião

Em defesa da valorização da Defensoria Pública do Brasil

Autor

  • Igor Roque

    é defensor público federal e foi presidente (2017-2019) da Anadef (Associação Nacional dos Defensores Públicos Federais).

25 de novembro de 2018, 6h40

O Brasil tem como principais marcas a desigualdade social, o esquecimento da população carente pelo poder público, a falta de interesse em promover a inclusão social pelo Estado, dentre outras mazelas que assolam e agravam o disparate existente em nossa sociedade. No sistema de Justiça, a instituição que defende os interesses das minorias, dos negros, dos índios, dos homossexuais, dos imigrantes, e dos pobres segue igual realidade, a do esquecimento, da falta de prestígio, do desamparo.

O constituinte de 1988 inseriu na Constituição Federal dispositivo tratando expressamente da Defensoria Pública da União, inovando no ordenamento jurídico ao criar a instituição responsável pela defesa dos interesses jurídicos da população vulnerável na Justiça Federal, Militar, trabalhista e Eleitoral pela primeira vez, na vã tentativa de mitigar a desigualdade abissal geradora de tantos problemas sociais.

Não obstante essa iniciativa, a Defensoria Pública da União apenas foi implantada, “em caráter emergencial e provisório”, nos termos da epígrafe da Lei 9.020, no ano de 1995, ou seja, passados sete anos da promulgação da Carta Cidadã. Entretanto, não é exagero afirmar que a situação de emergência e provisoriedade permanece até os dias atuais.

A Defensoria Pública da União conta com apenas 628 defensores públicos federais, estando presente em somente 30% do território nacional. Nos outros 70% do Brasil, há quem acuse, há quem julgue, mas não há quem defenda. Nesses lugares, a população não tem acesso à Justiça, não tem acesso à cidadania, não tem acesso a sequer ter direito a brigar pelos seus direitos!

Em 2014, sensível à essa dura e injustificável realidade, o Congresso Nacional, através da Emenda Constitucional 80, estabeleceu prazo de oito anos para que o poder público promovesse a interiorização da Defensoria Pública para toda comarca/sessão judiciária, de modo a garantir o acesso à Justiça ao cidadão que não dispõe de recursos para contratar um advogado.

Dita emenda, contudo, virou letra morta no ano de 2016, em frontal violação ao direito fundamental de acesso à Justiça, em razão da promulgação da Emenda Constitucional 95, batizada de “PEC do fim do mundo”. Afinal, como concretizar o crescimento de uma instituição em gestação com uma severa limitação orçamentária?! Compare-se, por exemplo, o orçamento da DPU, em torno de R$ 550 milhões, com o do Ministério Público da União, que beira aos R$ 6,6 bilhões. A esse respeito, inclusive, a Associação Nacional dos Defensores Públicos Federais (Anadef) propôs a Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.988, com o objetivo de garantir o integral cumprimento da interiorização da DPU, a qual está pendente de julgamento pelo Supremo Tribunal Federal.

Como se não bastassem as dificuldades cotidianas, na última semana o Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão (MPOG) resolveu emitir “nota técnica” revisionista de lei, tentando inviabilizar de vez o funcionamento mínimo da DPU. A instituição já não possui carreira de apoio, mas detém a prerrogativa de requisitar quaisquer servidores públicos. Cautelosa e respeitosamente, a DPU requisita e mantém em seus quadros apenas aqueles que o desejam. Mas o MPOG propõe agora a devolução de 850 dedicados servidores, que mantêm funcional a estrutura do órgão de Brasília, a cada uma das unidades nos estados e sem os quais certamente o destino da DPU será fechar as portas, deixando de fazer cerca de 2 milhões de atendimentos por ano.

Para além da necessidade estrutural, a realidade remuneratória dos membros da Defensoria Pública da União também é calamitosa, sobretudo quando comparada às carreiras que integram o sistema de Justiça. Como justificar, por exemplo, o fato de um defensor público federal receber remuneração quase 40% inferior ao do membro do Ministério Público? Sem constar nesse cálculo o famoso auxílio-moradia, não recebido pelos membros da DPU, e a gratificação de substituição, igualmente não paga aos defensores públicos.

Para minorar esse cenário, foi enviado em agosto do corrente ano o PL 10.773 à Câmara dos Deputados, através do qual busca-se garantir a recomposição dos subsídios dos membros da DPU, recomposição que, nos termos do que previsto, se dará em quatro parcelas, implementando-se a última no longínquo ano de 2021, respeitando-se, inclusive, o limite individualizado do orçamento da instituição, nos termos da Emenda Constitucional 95.

As dificuldades encontradas no Legislativo e Executivo para superar essas diferenças são gritantes. Lembre-se, também, que o Projeto de Lei 7.836/14, que institui a gratificação por substituição para os defensores, encontra-se em tramitação há mais de quatro anos na Câmara dos Deputados, sem qualquer sinalização de aprovação. Ademais, mais recentemente foram aprovadas merecidas recomposições aos subsídios dos membros do Poder Judiciário e do Ministério Público e, mais uma vez, os membros da Defensoria Pública da União ficaram de fora, vez que não há qualquer indicativo de deliberação e aprovação do Projeto de Lei 10.773/18.

Sem a necessária valorização aos membros da instituição responsável por garantir o acesso à Justiça aos vulneráveis, esse importante direito fundamental perde cada vez mais força, de modo que atuações essenciais, como as ações propostas para garantir acesso à saúde no estado do Rio de Janeiro deixarão de existir.

No Brasil, infelizmente a máxima de que “trabalhar para pobre é pedir esmola para dois” nunca esteve tanto em voga!

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