Limite Penal

Como atuar na loteria do Supremo Tribunal Federal: o caso do HC 126.292, ainda

Autores

  • Aury Lopes Jr.

    é advogado doutor em Direito Processual Penal professor titular no Programa de Pós-Graduação Mestrado e Doutorado em Ciências Criminais da PUC-RS e autor de diversas obras publicadas pela Editora Saraiva Educação.

  • Alexandre Morais da Rosa

    é juiz de Direito de 2º grau do TJ-SC (Tribunal de Justiça de Santa Catarina) e doutor em Direito e professor da Univali (Universidade do Vale do Itajaí).

23 de novembro de 2018, 7h00

Spacca
Aury Lopes Jr e Alexandre Morais da Rosa [Spacca]A cena deve se passar com qualquer professor(a) de Processo Penal. Acadêmico(a) levanta a mão e pergunta: Professor(a) como anda a situação da prisão em segundo grau?

Há um silêncio… e tentamos responder.

O Supremo Tribunal Federal decidiu no Habeas Corpus 126.292 sobre a possibilidade de prisão antecipada, reescrevendo (como se pudesse…) a noção do trânsito em julgado. Posteriormente foram propostas as Ações Declaratórias de Constitucionalidade 43 e 44, cujo julgamento não foi pautado, embora exista relevância da matéria, até porque a atual composição do STF parece modificar a compreensão normativa. Mas há o efeito Lula.

Com base em uma leitura literal do HC 126.292, mesmo desconsiderando que deveria ser analisada a pertinência dos recursos a se interpor (Especial e Extraordinário), os tribunais (estaduais e federais), passaram a prender os ainda acusados imediatamente. E não é pouca gente presa… Ao contrário do que argumentaram alguns ministros, o número de presos em decorrência dessa decisão já chega a 25% da população carcerária! Obviamente eles não tinha a dimensão do impacto carcerário da medida, especialmente grave diante do cenário de superpopulação existente.

Restou à defesa a superação das instâncias ordinárias mediante a impetração de Habeas Corpus perante o STF. Aí reside nossa questão.

Como o STF está dividido em relação a própria decisão que tomou e tampouco resolve definitivamente a questão, julgando as ADCs, está criada a jurisprudência lotérica, geradora de imensa insegurança jurídica e decisionismos antidemocráticos.

Não é novidade que se fala hoje em Onze Supremos (Joaquim Falcão, Diego Werneck Arguelhes e Felipe Recondo), podendo-se dizer que até temos 12 em face do Victor, mecanismo de inteligência artificial filtrador de recursos. E falando no Victor, o próximo passo é criar a Victória para, através dos algoritmos, seduzir e burlar o filtro, mas isso é assunto para outra coluna.

Recentemente o ministro Ricardo Lewandowski, na liminar concedida no Habeas Corpus 164.709/MG, analisando a temática proferiu a seguinte decisão:

“Nesse contexto, ressalto que urge ao Plenário desta Suprema Corte o julgamento de mérito das Ações Declaratórias de Constitucionalidade 43 e 44, ambas da relatoria do Ministro Marco Aurélio, nas quais se discute a constitucionalidade do anteriormente referido art. 283 do Código de Processo Penal. Na assentada de 5/10/2016, o STF, por maioria, indeferiu as liminares requeridas naquelas ações declaratórias, ressaltando a constitucionalidade do art. 283, todavia, admitindo ser “[…] coerente com a Constituição o principiar de execução criminal quando houver condenação assentada em segundo grau de jurisdição, salvo atribuição expressa de efeito suspensivo ao recurso cabível”. Mas, anoto que dar interpretação conforme ao art. 283 do CPP, que é cristalino ao dispor que ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva, é incorrer, uma vez mais, no error in judicando verificado nos julgamentos do HC 126.286/SP e do ARE 964.246-RG/SP. O art. 5°, LVII, com redação dada pelo constituinte originário, repito, não admite qualquer outra interpretação que não seja a literal, decorrente de sua redação inconteste de que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Destaco, por fim, que o juízo de primeiro grau concedeu ao paciente o direito de recorrer da sentença em liberdade: “[…] Concedo ao acusado o direito de recorrer em liberdade, não existindo no momento motivo ponderoso à decretação de sua custódia preventiva” (pág. 11 do documento eletrônico 9). Desse fundamento da sentença, o Ministério Público do Estado de Minas Gerais quedou-se inerte. Assim, verificando que essa situação se assemelha àquela tratada no HC 140.217/DF, bem como nos HC’s 135.951/DF, 142.012/DF e 142.017/DF, todos de minha relatoria, entendo que ocorreu a formação da coisa julgada do direito de o paciente recorrer em liberdade. Por essas razões, constatada a excepcionalidade da situação em análise faz necessária a suspensão da possibilidade da execução antecipada da pena imposta ao paciente. Isso posto, nego seguimento ao writ (art. 21, § 1°, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal), mas, considerando que a conclusão a que chego neste habeas corpus em nada conflita com as decisões majoritárias desta Suprema Corte, acima criticadas, com o respeito de praxe, concedo a ordem, de ofício (art. 192, caput, do RISTF), para que o paciente possa aguardar, em liberdade, o julgamento final da Ações Declaratórias de Constitucionalidade 43/DF e 44/DF ou o trânsito em julgado da sentença penal condenatória (art. 5°, LVII, da CF e art. 283 do CPP), o que ocorrer primeiro, sem prejuízo da manutenção ou fixação, pelo juízo processante, de uma ou mais de uma das medidas cautelares previstas no art. 319 do Código de Processo Penal, caso entenda necessário. Comunique-se com urgência. Se necessário, expeça-se alvará de soltura clausulado”.

Assim é a depender da sorte do impetrante, temos posições diversas e diametralmente opostas no Supremo Tribunal Federal, fazendo com que a mesma situação jurídica — acusados com direito de recorrer em liberdade, sem impugnação específica da acusação — tenham tratamento não isonômico pela maior corte de Justiça do país.

A nossa resposta, então, é que no atual estágio da arte, somente o julgamento das Ações Declaratórias de Constitucionalidade (43 e 44) poderá sanar – para qualquer dos lados – a atual situação lotérica e insustentável de dois pesos e duas medidas. Enquanto isso, desejamos Boa Sorte tanto aos acusados, como aos professore(a)s de Processo Penal que ficam à mercê da pergunta: quem é o relator?

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