Tribuna da Defensoria

Prazo em dobro nos juizados especiais para defensorias públicas

Autores

  • Jorge Bheron Rocha

    é defensor público do estado do Ceará professor mestre em Ciência Jurídico Criminais pela Universidade de Coimbra e doutorando pela Universidade de Fortaleza.

  • Ana Beatriz Ferreira Rebello Presgrave

    é doutora em Direito Constitucional pela UFPE. Mestre em Direito Processual Civil pela PUC-SP. Graduada em Direito pela PUC-SP. Professora do Curso de Graduação e do Programa de Pós-graduação em Direito da UFRN. Estágio pós-doutoral na Westifälische Wilhelms-Universität Münster (WWU). Membro da diretoria do IPPC. Membro da ABDPRO. Membro do IBDP. Membro do IBDFAM.

20 de novembro de 2018, 7h00

Não obstante a Lei 13.728/18 tenha finalmente colocado um ponto final na discutível interpretação de que os prazos nos juizados especiais deveriam ser contados em dias corridos, é certo que a contagem de prazos nos juizados especiais ainda gera polêmica.

Isso porque as leis 10.259/01 e 12.153/09 prevêem, respectivamente em seus artigos 9º[1] e 7º[2], que as pessoas jurídicas de direito público não têm qualquer privilégio relacionado aos prazos processuais nos juizados especiais federais e da fazenda pública, o que pode levar a interpretações distorcidas[3] com relação ao que dispõe o artigo 186 do CPC/15[4], que trata da contagem em dobro dos prazos da Defensoria Pública e dos escritórios de prática jurídica das faculdades de Direito (NPJ).

As disposições legais fazem referência expressa à ausência de prazos diferenciados às pessoas jurídicas de direito público, uma vez que os Juizados Especiais Federais e os Juizados Fazendários tratam justamente de ações que envolvem as pessoas jurídicas de direito público (União, estados, municípios e suas respectivas autarquias, fundações e empresas públicas[5][6]).

Assim, por uma questão de integridade do próprio sistema dos juizados especiais, não faria qualquer sentido atribuir privilégios na contagem de prazos especificadamente determinados pela lei aos únicos réus possíveis naquele sistema. As pessoas jurídicas de direito público referidas nas leis são justamente os sujeitos passivos permitidos nesses sistemas.

Por essa razão, e também pelo fato de não ser possível que essas pessoas jurídicas de direito público sejam partes (autor ou réu) nos sistemas de juizados especiais cíveis, não há qualquer referência a essa vedação à contagem diferenciada de prazos na Lei 9.099/95.

Pois bem. Percebe-se que a impossibilidade de contagem de prazos diferenciados nos juizados federais e da fazenda pública têm a ver não com a qualidade de sua representação processual, mas sim com a qualidade das partes que litigam naquela seara.

De outro lado, quando a Defensoria Pública ou o NPJ atuam em juízo, não estão defendendo os interesses das pessoas jurídicas de direito público. A parte por eles defendida é uma pessoa física (ou jurídica, em determinadas situações específicas) hipossuficiente.

É certo que a Defensoria Pública pode comparecer ao processo em nome próprio, para defender interesse alheio (legitimação extraordinária) ou próprio (legitimidade ordinária)[7], e apenas nestas hipóteses é que a ela não poderia ser concedido o prazo em dobro[8].

Se a Defensoria Pública impetra um mandado de segurança perante a Turma Recursal contra ato do juiz do Juizado Especial por desrespeito a uma prerrogativa de um membro da instituição, os prazos não serão contados em dobro[9].

Entretanto, comumente a Defensoria Pública atua nos juizados como patrono da parte, e não ela mesma como parte.

A contagem diferenciada de prazos prevista no artigo 186, CPC, que trata da previsão genérica de prazo em dobro para a Defensoria Pública e para o NPJ, não é decorrente do fato de ser a Defensoria ou o NPJ um órgão público, mas sim da natureza da sua relação com os assistidos que são representados.

Percebe-se, assim, que o artigo 9º da Lei 10.259/01 e do artigo 7º da Lei 12.153/09 fazem referência expressa às partes, e não ao seu órgão de representação. As partes representadas pela Defensoria e pelo NPJ não são pessoas jurídicas de direito público.

Não há, portando, qualquer fundamento para a aplicação dos dispositivos supracitados em detrimento do artigo 186, CPC, que além de ser norma mais recente, é também de aplicação subsidiária a esses sistemas.[10]

Por fim, argumenta-se que a aplicação do prazo em dobro à Defensoria Pública iria contra a celeridade, que é critério regente dos juizados. Entretanto, com a edição da Lei 13.728/18, que alterou a Lei 9.099/95, estabelecendo a contagem de prazo em dias úteis para a prática de qualquer ato processual, perdeu força esse argumento.

Ademais, conforme se verifica na publicação Justiça em Números, do Conselho Nacional de Justiça, a maior parte do tempo de tramitação dos processos se dá na prateleira — os “tempos mortos” — e não na contagem de prazo para a realização de atos das partes.[11]

É certo que o Código de Processo Civil de 2015 corrigiu uma distorção que existia em nosso sistema com relação à contagem de prazos para os Núcleos de Prática Jurídica. Nos termos do artigo 186, o prazo em dobro garantido aos membros da Defensoria Pública na Lei Complementar 80/94, foi expressamente ampliado aos NPJs.

Por outro lado, o CPC/15 é claro ao prescrever que suas normas se aplicam ao processo civil como um todo, que deverá ser ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil e no próprio CPC (artigo 1º), restando inequívoca sua aplicação aos Juizados Especiais, não apenas na ausência ou insuficiência de normas específicas que regulem — caso em serão aplicadas supletiva e subsidiariamente — mas como norte de interpretação e aplicação das leis 9.099/95, 10.259/2001 e 12.153/2009.

Ademais, deve-se manter a coerência e a integridade do sistema processual, uma vez que a Lei 9.099/1995, parâmetro interpretativo das Leis 10.259/2001 e 12.153/2009, não traz regra similar, tendo o STJ já se manifestado pela aplicação da regra do prazo dobrado da Defensoria Pública aos Juizados Cíveis estaduais[12], também orientados pelos “critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade”.

Assim, não prevalece o argumento de que a aplicação do artigo 186, CPC restaria inviabilizada por força dos princípios informadores dos Juizados, haja vista o pouco impacto que a contagem de prazos em dobro para os assistidos da defensoria e do NPJ têm no cômputo geral do tempo do processo.

Em face de todas essas razões, a contagem dos prazos em dobro da Defensoria e do NPJ deve ser, portanto, plenamente aplicada a todos os juizados especiais, haja vista a previsão expressa do artigo 186, CPC.


[1] Art. 9º Não haverá prazo diferenciado para a prática de qualquer ato processual pelas pessoas jurídicas de direito público, inclusive a interposição de recursos, devendo a citação para audiência de conciliação ser efetuada com antecedência mínima de trinta dias.

[2]  Art. 7º Não haverá prazo diferenciado para a prática de qualquer ato processual pelas pessoas jurídicas de direito público, inclusive a interposição de recursos, devendo a citação para a audiência de conciliação ser efetuada com antecedência mínima de 30 (trinta) dias.

[3] “Pedido de uniformização de jurisprudência. Confronto entre acórdão da turma recursal do juizado federal do Piauí e jurisprudência do Eg. STJ. Intempestividade. Inaplicabilidade de prazo em dobro para a defensoria pública. Juizado especial. Princípio da celeridade. Incidência do art. 9º,da lei nº 10.259/2001. Princípio da isonomia. Não conhecimento. (Turma Nacional de Uniformização TNU – INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA: IUJ 200340007063637 PI)

 [4] Art. 186. A Defensoria Pública gozará de prazo em dobro para todas as suas manifestações processuais. (…) § 3º O disposto no caput aplica-se aos escritórios de prática jurídica das faculdades de Direito reconhecidas na forma da lei e às entidades que prestam assistência jurídica gratuita em razão de convênios firmados com a Defensoria Pública. § 4º Não se aplica o benefício da contagem em dobro quando a lei estabelecer, de forma expressa, prazo próprio para a Defensoria Pública.

 [5] Lei 10.259/01 – Art. 6º Podem ser partes no Juizado Especial Federal Cível: I – como autores, as pessoas físicas e as microempresas e empresas de pequeno porte, assim definidas na Lei 9.317, de 5 de dezembro de 1996; II – como rés, a União, autarquias, fundações e empresas públicas federais.

[6] Lei 12.153/09 – Art. 5o Podem ser partes no Juizado Especial da Fazenda Pública: I – como autores, as pessoas físicas e as microempresas e empresas de pequeno porte, assim definidas na Lei Complementar no 123, de 14 de dezembro de 2006; II – como réus, os Estados, o Distrito Federal, os Territórios e os Municípios, bem como autarquias, fundações e empresas públicas a eles vinculadas.

[7] ROCHA, Jorge Bheron. Legitimação da Defensoria Pública para ajuizamento de ação civil pública tendo por objeto direitos transindividuais. Fortaleza: Boulesis Editora, 2017. p. 20.

[8] Não obstante a Defensoria Pública não seja propriamente uma “pessoa jurídica” de direito público, entretanto, em decorrência de sua autonomia e da personalidade judiciária de que é portadora (v.g. STF STA 800).

[9] Súmula 376: Compete à turma recursal processar e julgar o mandado de segurança contra ato de juizado especial.

10 Inclusive por expressa previsão, como é o caso dos Juizados Especiais da Fazenda Pública – lei nº 12.153/2009: Art. 27. Aplica-se subsidiariamente o disposto nas Leis nos 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil, 9.099, de 26 de setembro de 1995, e 10.259, de 12 de julho de 2001.

[11] Justiça em Números 2017: ano-base 2016/Conselho Nacional de Justiça – Brasília: CNJ, 2017. in http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2017/12/b60a659e5d5cb79337945c1dd137496c.pdf. Acesso em 04.11.2018.

[12] AgRg na Rcl 4249

Autores

  • Brave

    é doutorando em Direito Constitucional (UNIFOR). Mestre pela Universidade de Coimbra, Portugal (estágio na Georg-August-Universität Göttingen, Alemanha). Pós-graduado em Processo Civil pela Escola Superior do Ministério Público do Ceará. Defensor Público do Estado do Ceará. Professor de Direito Penal e Processo Penal e Civil da Graduação e Pós-Graduação. Membro da ABDPRO e ANNEP.

  • Brave

    é doutora em Direito Constitucional pela UFPE. Mestre em Direito Processual Civil pela PUC-SP. Graduada em Direito pela PUC-SP. Professora do Curso de Graduação e do Programa de Pós-graduação em Direito da UFRN. Estágio pós-doutoral na Westifälische Wilhelms-Universität Münster (WWU). Membro da diretoria do IPPC. Membro da ABDPRO. Membro do IBDP. Membro do IBDFAM.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!