Opinião

Não há muito o que comemorar nos 50 anos da Receita Federal

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20 de novembro de 2018, 14h51

50 anos da Receita Federal: algo a comemorar? Pela passagem dos 50 anos da Receita Federal, o contribuinte talvez não tenha o que celebrar. A nossa legislação tributária (sobretudo as normas infralegais que jorram copiosamente dos gabinetes da Receita) é talvez o fator mais simbólico a explicar o atraso institucional do país e a dificuldade em se fomentar por aqui a produção e o empreendedorismo. Segundo o Banco Mundial, o Brasil é um dos lugares onde mais se perde tempo e dinheiro com a burocracia tributária: são quase duas mil horas e R$ 60 bilhões por ano.

De acordo com o relatório Doing Business 2019, produzido pela instituição para aferir a saúde do ambiente de negócios no mundo, estamos na 184ª posição, entre 190 nações, no indicativo que mede a dificuldade para pagar tributos e cumprir obrigações acessórias. Perdemos para ilustres concorrentes como Afeganistão, Congo e Senegal, e praticamente empatamos com a República Bolivariana da Venezuela. Em 2012, estávamos na 150ª posição.

É sintomático que, enquanto se multiplicavam estorvos na vida dos que produzem, a Receita Federal tenha deixado passar sob suas barbas o maior esquema de corrupção da história. Durante a "lava jato", o órgão, que deveria monitorar e investigar vultosas movimentações financeiras — como as que irrigaram abundantemente os dutos do Petrolão —, teve uma atuação meramente reativa, movida pelas demandas do Ministério Público. A depender do seu poder de iniciativa, o esquema estaria vicejando até os nossos dias. Afinal, no atual modelo de organização, recibos de despesas médicas de pessoas físicas merecem mais atenção do Fisco.

O órgão — que ainda hoje mantém a mesma estrutura, com dez superintendências fiscais, de quando foi criado — subverteu o conceito de Pessoas Politicamente Expostas, agentes políticos do alto escalão, que deveriam sofrer fiscalização e acompanhamento mais rigoroso por parte dos auditores. Para a cúpula da Receita, tais pessoas integram uma lista à parte, especialmente protegida contra devassas fiscais. A famosa Lista Vip, que, ao arrepio da lei, criou uma espécie de foro privilegiado tributário.

Para governos impregnados de corrupção, como os que se sucederam no país nos últimos anos, uma administração tributária assim é mais do que conveniente: melhor encher de entraves o setor produtivo do que importunar os amici regi (amigos do rei). Não à toa, o secretário Jorge Rachid tem sobrevivido tanto tempo à frente do órgão: atravessou os governos Lula, Dilma e Temer, tendo trabalhado com ministros da Fazenda que hoje são réus da "lava jato", como Antônio Palocci e Guido Mantega. É um homem do establishment, um Romero Jucá fiscal: sua capacidade de sobrevivência e adaptação a diferentes circunstâncias políticas é notável.

No entanto, também é notório que no seu reinado, o órgão perdeu poder de fogo e hoje não consegue pautar minimamente o debate sobre reforma tributária no país. Fechou-se em sua babel burocrática, onde a única língua que não se fala é a do contribuinte. Aliás, desde quando Rachid reassumiu o órgão, em 2015, não houve ano em que o país não fosse rebaixado no indicador de burocracia tributária formulado pelo Banco Mundial e citado no início deste texto. É como um time que cai de divisão temporada após temporada. Em nada a sua atual passagem no comando da Receita lembra os gloriosos anos de sua primeira gestão, ainda no governo Lula, quando o boom das commodities ajudou a alavancar a arrecadação a níveis inéditos.

Em 2017, um relatório do Tribunal de Contas da União jogou por terra a imagem de eficiência propagada pela instituição, apontando alocação inadequada da força de trabalho, alterações frequentes em normas tributárias, falta de integração entre bancos de dados fazendários e previdenciários, entre outras inúmeras fragilidades. Em maio deste ano, em novo embate, o TCU denunciou a Receita à Casa Civil por escamotear informações durante auditoria que tinha como objetivo avaliar a confiabilidade e a transparência de informações referentes a créditos tributários e parcelamentos fiscais. “A gravidade dessa situação foi tamanha a ponto de comprometer a execução do trabalho pela equipe de auditoria, de sorte que impediu a elaboração de parecer conclusivo acerca da confiabilidade e da transparência das informações referentes a créditos tributários a receber a cargo da Receita”, ressaltou na ocasião o ministro Vital do Rêgo.

Em síntese, verifica-se que atualmente a visão do órgão é apenas arrecadar, obsessão que negligencia outras atribuições em detrimento de um contribuinte que sofre com a falta de clareza nas normas e nos procedimentos adotados pela autoridade tributária, instituição que deveria facilitar o acesso às informações e dar melhor atendimento à sociedade. A Receita Federal é hoje uma instituição sucateada e parada no tempo, sem servidor para atender a demanda crescente do país.

Ao lado do Judiciário mais moroso do mundo, o Brasil infelizmente também possui a administração tributária mais burocrática e ineficiente do planeta. É esse o legado de 50 anos da Receita Federal. Mesmo não tendo muito o que comemorar, você, contribuinte, é quem continuará bancando a festa. Tim-tim!

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