Direito Civil Atual

Direitos dos consumidores devem ser resguardados no transporte por aplicativos

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19 de novembro de 2018, 7h05

ConJur
A Lei 13.640, editada em 26 de março de 2018, atestou a constitucionalidade e a juridicidade do transporte remunerado privado de passageiros. Foram acatadas modificações na estrutura da Lei 12.587/12, que instituiu a Política Nacional de Mobilidade Urbana, sendo que o seu artigo 4º, inciso X, albergará a definição da atividade como sendo a modalidade, não aberta ao público, para a realização de viagens, individualizadas ou compartilhadas, solicitadas exclusivamente por usuários previamente cadastrados em aplicativos ou outras plataformas de comunicação em rede[1].

A economia colaborativa, do compartilhamento ou circular, também intitulada access-based consumption, new economy, maker movement e peer platform market, tem-se evidenciado como uma nova etapa do processo econômico que fomenta aspectos positivos para o setor empresarial e para a população, eis que propicia a redução de custos e a oferta de bens de consumo com preços mais atraentes. A mutualização de itens duráveis por vários sujeitos, através da intermediação de um aplicativo, contribui também para a amenização do constante desgaste dos recursos naturais, havendo o uso racional, aproveitando-se a sua capacidade excedente e evitando-se aquisições desnecessárias. O “mercado entre pares” ou de “duas pontas”, no campo do transporte privado, favorece a mobilidade, principalmente, nos grandes centros urbanos[2].

A regulamentação e a fiscalização do serviço de transporte remunerado privado individual de passageiros, que passou a ser previsto no inciso X do artigo 4º da Lei 12.587/12, competirão exclusivamente aos municípios e ao Distrito Federal no âmbito dos seus territórios, conforme o artigo 11-A, inserido pela Lei 13.640/18. Dispõe o parágrafo único, incisos I a III, deste mesmo dispositivo, que deverão ser observadas as diretrizes da eficiência, eficácia, segurança e efetividade na prestação do serviço, exigindo-se os seguintes documentos: comprovação do pagamento dos tributos municipais devidos pela prestação do serviço; seguro de Acidentes Pessoais a Passageiros (APP); Seguro Obrigatório de Danos Pessoais causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres (DPVAT); e inscrição do motorista como contribuinte individual do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

O artigo 11-B, incisos I a IV, da Lei 12.587/12 determina que o motorista somente será autorizado à execução do mencionado serviço se atender a cinco condições basilares, devendo possuir Carteira Nacional de Habilitação, na categoria B ou superior, que contenha a informação de que exerce atividade remunerada, e certidão negativa de antecedentes criminais. O veículo conduzido terá que atender aos requisitos de idade máxima e às características exigidas pela autoridade de trânsito e pelo poder público municipal e do Distrito Federal, e ter passado pelo crivo do Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo (CRLV). Consoante o parágrafo único, a exploração dos serviços remunerados de transporte privado individual de passageiros, sem o cumprimento dos requisitos previstos nesta lei e na regulamentação do poder público municipal e do Distrito Federal, caracterizará “transporte ilegal de passageiros”.

Com a liberação dos serviços de transporte, via aplicativo, para a locomoção individualizada de pessoas, os municípios brasileiros e o Distrito Federal terão empreender esforços para que os postulados da eficiência, eficácia, segurança[3] e modicidade, ditados pelo artigo 11-A da Lei 12.587/12, acrescido pela novel estrutura normativa, sejam implementados no plano fático. A existência do intermediador, denominado de “guardião do acesso” (gate keeper) [4], gera confiança para os usuários do sistema que acreditam estarem realizando uma transação qualificada pela segurança, adequação e eficiência, atraindo a aplicação do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, eis que a relação jurídica entabulada urge que esteja pautada em regras que não desfavoreçam o usuário do serviço de transporte, que o contrata como destinatário final[5].

Importante será que se observe se a empresa Uber, assim como as demais, que venham a inserir-se na economia colaborativa por meio de aplicativos, estão, de fato, velando pela qualidade dos produtos ou serviços que estão sendo compartilhados, acompanhando três aspectos essenciais: material, documental e procedimental. No caso em epígrafe, deve-se primar pela utilização de veículos cuja vida útil seja, realmente, compatível com o período de uso exigido pela empresa “guardiã”, estando, pois, sempre submetido a um estado razoável de monitoramento e assepsia. Quanto aos documentos imprescindíveis para demonstrar a competência e boa conduta do motorista, que continuem sendo exigidos os que concernem ao registro e licença do automóvel perante o órgão devido, a habilitação do condutor, certidão e atestado da sua vida pregressa e os comprovantes da existência do DPVAT e da apólice do seguro de acidentes pessoais a passageiros, assim como dos demais documentos exigidos[6].

Quanto ao modus operandi do serviço, garante a plataforma uma avaliação anônima por parte dos usuários, mas é crucial salientar dois importantes fatores. O primeiro diz respeito ao fato de que muitos consumidores não externalizam a sua opinião sobre a atividade, sendo interessante que sejam incentivados, pelo SNDC, para que exerçam os seus direitos, expondo a sua opinião e formalizando representações, caso sejam necessárias, perante os órgãos públicos competentes. O segundo concerne à relevância de auferir se, realmente, a empresa guardiã tem registrado e contabilizado as notas atribuídas pelos usuários do sistema, bem como se, verdadeiramente, exclui os motoristas que não atendam aos padrões de qualidade estabelecidos. A economia circular, no campo do transporte privado, tem sido proveitosa para os brasileiros, mas urge a sua regulamentação em prol dos usuários e da concorrência[7].

*Esta coluna é produzida pelos membros e convidados da Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo (USP, Humboldt-Berlim, Coimbra, Lisboa, Porto, Roma II-Tor Vergata, Girona, UFMG, UFPR, UFRGS, UFSC, UFPE, UFF, UFC, UFMT, UFBA, UFRJ e UFAM)

[1] Cf.: CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Parecer. Disponível em <http://s.conjur.com.br/dl/parecer-canotilho-uber.pdf>. Acesso em: 05 maio 2017. MARQUES, Cláudia Lima.; MIRAGEM, Bruno. Parecer referente à Consulta sobre a legalidade do UBER no Brasil. Porto Alegre, 14 de julho de 2015.

CANNON, Sarah; SUMMERS, Lawrence. How Uber and the Shared Economy Can Win Overs Regulators. Havard Business Review. Disponível em https://hbr.org./2014/10/how. how-uber-and-the-economy-can-win-overs-regulators. Acesso em: 19 mar. 2017. HAMARI, Juho; SJÖKLINT, Mimmi; UKKONEN, Antti (2016). The Sharing Economy: Why People Participate in Collaborative Consumption. Journal of the Association for Information Science and Technology. 67 (9): 2047-2059. doi:10.1002/asi.23552. HOOK, Leslie. Review – 'The Sharing Economy', by Arun Sundararajan. Predefinição:Registration required. Financial Times. Acesso em: 15 jul. de 2017.

[3] Cf.: RINESSI, Antonio Juan. El deber de seguridad. Buenos Aires: Rubinzal Culzoni, 2007, p. 13; WEATHERILL, Stephen. EU Consumer Law and Policy. Massachusetts: Edward Elgar Publishing, 2005; WRIGTH, Richard W. Right, Justice and Tort Law. Philosophical Foundations of Tort Law. Oxford University Press, 1995. VULKOWICH, William T. Consumer Protection in the 21st Century: A Global Perspective. New York: Transnational Publishers, 2002, p. 23.

[4] MARQUES, Cláudia Lima; MIRAGEM, Bruno. Economia do compartilhamento deve respeitar os direitos do consumidor. Revista Consultor Jurídico, Coluna Garantias de Consumo, São Paulo, 23 de dezembro de 2015, 10h22. https://www.conjur.com.br. Acesso em: 19 mar. 2017.

[5] CARNEIRO DA FRADA, Manuel A. Contratos e deveres de proteção. Separata do Volume XXXVIII do Suplemento ao Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1994, p. 278. REICH, Norbert.; NORDHAUSEN, Annette. Verbraucher und Recht im elektronischen Verkehr (eG). Baden-Baden: Nomos, 2000. REICH, Norbert. In: COSSU, Cipriano (a cura di). L'attuazione della direttiva comunitaria sulla responsabilità del produttore. Milano: Edizioni Cedam – Padova, 1990.

[6] Examinar: LATOUCHE, Serge. Sortir de la société de consommation, LLL: Paris, 2010, p. 105 e ss. REICH, Norbert. Mercado y Derecho. Trad. Antoni Font. Barcelona: Ariel, 1985.

[7] Consultar: VISCUSI, W.; VERNON, J; HARRINGTON, J. Economics of Regulation and Antitrust. Second Edition. The MIT Press 1995. PORTER, Michel. Competition and Antitrust: A Productivity-Based Approach. The Antitrust Bulletin, 2001, p. 926. POSNER, Richard A. Economics Analysis of Law. 5. ed. Chicago: Aspen Publishers, p. 311.

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