O bem que o Estado pode fazer é limitado; o mal, infinito. O que ele pode nos dar é sempre menos do que nos pode tirar.”
(Roberto Campos)
Desde 1959, por inciativa do então governador Jânio Quadros, existe, no Instituto de Previdência do Estado de São Paulo, uma carteira autônoma, denominada Carteira de Previdência dos Advogados de São Paulo, dotada de patrimônio próprio, tendo por objetivo proporcionar aposentadoria e pensão aos seus beneficiários.
Em 1970, houve a reorganização da Carteira de Previdência com a criação de um Conselho de Administração, formado por representantes da seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil, da Associação dos Advogados de São Paulo e do Instituto dos Advogados de São Paulo.
Além da contribuição dos advogados, a Carteira de Previdência tinha como fontes de receita a taxa de mandato e custas judiciais.
Em 2003, a edição de uma nova lei de custas estaduais levou ao corte do repasse das custas judiciais para a Carteira de Previdência, gerando uma enorme preocupação e uma atuação incisiva do Instituto dos Advogados de São Paulo, por intermédio do seu conselheiro, o professor Wagner Balera, ao lado da OAB e Aasp, para que associados não fossem prejudicados.
A questão tornou-se mais complexa quando, em 2009, houve nova mudança legislativa, que alterou a estrutura dos planos de aposentadoria para os advogados que estavam contribuindo, ferindo o direito adquirido dos aposentados e pensionistas.
O tema foi levado ao Poder Judiciário, sendo certo que o Supremo Tribunal Federal, em 14 de dezembro de 2011, no julgamento das ações diretas de inconstitucionalidade 4.291 e 4.429, declara a inconstitucionalidade dos parágrafos 2º e 3º do artigo 2º da Lei 13.549, de 2009, do estado de São Paulo, no que excluem a assunção de responsabilidade pelo estado, e conferir interpretação conforme à Constituição ao restante da norma impugnada, proclamando que as regras não se aplicam a quem, na data da publicação da lei, já estava em gozo de benefício ou já tinha cumprido, com base no regime instituído pela Lei 10.394, de 1970, os requisitos necessários à concessão.
E mais, o Supremo Tribunal Federal enunciou em sua ementa do acórdão: “A quebra da confiança sinalizada pelo Estado, ao criar, mediante lei, carteira previdenciária, vindo a administrá-la, gera a respectiva responsabilidade”.
Nada obstante a decisão do Supremo Tribunal Federal, o superintendente do Ipesp, rebatizado como SPPrev, iniciou uma cruzada contra os direitos dos advogados.
Lançando mão de todos os expedientes burocráticos possíveis, questionou extrajudicialmente a decisão transitada em julgado do Supremo Tribunal Federal, deixando inclusive de reconhecer a competência deliberativa do Conselho de Administração da Carteira de Previdência. Tal situação levou o Iasp a capitanear, ao lado das demais entidades, um mandado de segurança, patrocinado pelo professor Sergio Ferraz, que obteve tutela judicial para que se respeitasse a competência deliberativa referido conselho.
Contudo, o superintendente da SPPrev nunca cumpriu as deliberações do Conselho de Administração da Carteira de Previdência, especialmente no que tange ao sagrado e essencial princípio da transparência. Não só se furtou à apresentação de um plano de investimento, como também à respectiva prestação de contas de um patrimônio de cerca de R$ 1,7 bilhão.
E, mais, ameaçou novamente os aposentados e pensionistas na cobrança de um percentual de 20% sobre seus proventos, bem como um passivo retroativo da diferença entre 5% e 20% sobre os proventos, a partir da lei de 2009.
Não só ameaçou como fez essa cobrança, sorrateiramente, lançando uma portaria com a data de 25 de julho deste ano, que só veio ao conhecimento numa sexta-feira, dia 27 de julho, cujo processamento da folha de pagamento deu-se em tempo recorde, sendo certo que, no dia 31 de julho, todos os aposentados e pensionistas tiveram seus proventos descontados com a alíquota de 20%, quando o correto seria 5%.
Fizemos o que se espera da advocacia e retornamos, imediatamente, em 30 de julho, segunda-feira, ao Poder Judiciário para obter nova tutela judicial, a qual foi concedida no dia 2 de agosto.
Apesar do superintendente do Ipesp ter retomado a cobrança correta da alíquota de 5%, ainda não devolveu para os aposentados e pensionistas o valor indevidamente descontado no mês de agosto, o que também já foi requerido judicialmente, aguardando-se a decisão judicial.
E esse é um “bom exemplo” do modo de agir do superintendente do Ipesp, sem respeitar a lei e a decisão judicial, atuando com expedientes administrativos, criando embaraços e prejuízos, há mais de uma década.
Percebam: cobrou dos aposentados e pensionistas, suspendeu a cobrança por ordem judicial e não restituiu a verba alimentar com a mesma discricionariedade que fez a cobrança.
E tudo isso ocorreu após o envio do Projeto de Lei 123, pelo governador do estado de São Paulo, para a Assembleia Legislativa, em março deste ano, resultado de um imenso esforço da OAB-SP, da Aasp e do Iasp para encontrar uma solução definitiva.
Ressalte-se que a taxa de mandato, que aumentaria ainda mais o caos da receita da carteira de previdência, também está questionada no Supremo Tribunal Federal. Como se vê, uma guerra de leis, decisões judiciais, pareceres jurídicos e atos administrativos que tornavam cada mais incerto o futuro.
Inúmeras reuniões foram realizadas com a presença dos presidentes das entidades, conselheiros, com destaque para o presidente do Conselho da Carteira de Previdência, Luiz Antonio Alves de Souza (conselheiro do Iasp), do secretário da Fazenda do Estado de São Paulo, do superintendente da SPPrev, tudo sob a coordenação fundamental do secretário de Justiça do Estado de São Paulo, Márcio Elias Rosa.
Dissipada a névoa política com o resultado das eleições, o mencionado Projeto de Lei 123 foi aprovado nesta terça-feira (13/11), com a Emenda Aglutinativa 24 de 2018, também resultado de negociação com a participação direta dos presidentes da OAB-SP, Aasp e Iasp, cujo resumo é o seguinte:
- para os participantes, que não haviam se aposentado, o saldo das suas contas individuais será restituído em até 180 dias contados da publicação da lei, com o reajuste pelo IPC até o pagamento, cuja forma será definida por decreto até 30 dias após a publicação da lei. Além da possibilidade de restituição, sujeita ao imposto de renda, foi prevista a possibilidade de portabilidade do saldo para outro fundo de previdência;
- para os aposentados e pensionistas, foi majorada a alíquota de contribuição de 5% para 11%, não somente para garantir o pagamento dos proventos, mas em paridade ao percentual de desconto dos servidores públicos, considerando que todos os pagamentos passam a ser de responsabilidade direta do governo do estado de São Paulo, não dependendo mais da SPPrev, nem da sua gestão, caso não houvesse liquidez no futuro, o que obrigaria, novamente, que os aposentados e pensionistas fossem à barra dos tribunais para buscar uma responsabilização do estado, sujeita ao regime de pagamento por precatórios, ou seja, um passivo a perder de vista;
- além disso, ficou proibida a cobrança retroativa de alíquota para os aposentados e pensionistas, e eles receberão em até 180 dias, contados da publicação da lei, a diferença de 15% que foi recolhida desde a entrada em vigor da lei de 2009, corrigida pelo IPC.
É evidente que o resultado é positivo, mas não percamos de vista que todo o problema surgiu com a expectativa criada e a gestão de única responsabilidade do estado.
Uma sucessão insana de atos que pretendiam diminuir uma responsabilidade exclusivamente estatal.
Com a sanção do projeto de lei pelo governador, que deverá ocorrer no início de dezembro, teremos um novo marco legal, que evidentemente dependerá ainda de muito trabalho, cuja responsabilidade e vigilância nunca nos faltou, para que a burocracia não sufoque o direito.