Proposta inviável

Só nova Constituição poderia permitir execução antecipada, dizem professores

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11 de novembro de 2018, 9h38

O futuro ministro da Justiça do governo de Jair Bolsonaro (PSL), o juiz Sergio Moro, defende “deixar mais clara” na legislação a execução da pena após condenação em segunda instância e, em casos de crimes contra a vida, depois da condenação pelo júri.

Divulgação/Ajufe
Proposta de Sergio Moro só poderia ser concretizada com nova Constituição.
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São ideias que estão nas mesas de debate há algum tempo. Mas só poderão sair do papel se for feita uma nova Constituição. Na atual, o inciso LVII do artigo 5º diz que ninguém pode ser considerado culpado antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória. É o princípio da presunção de inocência, que não pode ser relativizado por nenhuma lei, afirmam constitucionalistas consultados pela ConJur.

Em fevereiro de 2016, o Supremo Tribunal Federal mudou de entendimento e passou a permitir a execução da pena após condenação em segundo grau. A decisão vem sendo muito elogiada por Moro e pelos demais integrantes da força-tarefa da operação “lava jato”, mas é severamente criticada por constitucionalistas e criminalistas.

Mais recentemente, no entanto, alguns ministros, especialmente Gilmar Mendes, vêm propondo que o STF volte a discutir a questão. A solução ideal, para esse grupo, é que a execução da pena possa ser executada depois da decisão do Superior Tribunal de Justiça, e não já a partir da segunda instância. A tese vem sendo defendida desde o primeiro momento pelo ministro Dias Toffoli, hoje presidente do Supremo.

Para evitar o fim da execução antecipada, Sergio Moro disse, na terça-feira (6/11), que pretende consolidar essa configuração na legislação quando assumir o Ministério da Justiça. Para isso, no entanto, ele desrespeita cláusula pétrea da Constituição, estabelecidas no artigo 60, parágrafo 4º, IV, da Carta Magna. Portanto, não pode ser abolida por meio de emenda constitucional.

Mesmo sem excluir essa garantia, não é possível reduzi-la, afirmam os constitucionalistas Lenio Streck e Ingo Sarlet, ambos colunistas da ConJur. Sarlet aponta que a presunção de inocência é uma regra, não um direito fundamental em sentido amplo. Portanto, não se pode alterar o núcleo dela via reforma constitucional.

Já Lenio alerta para a fake news que está por trás do discurso favorável à execução da pena após segunda instância. “Que não se caia na lenda urbana (ou fake news, já que está na moda) de que não se pode prender ninguém. O problema dessa ‘narrativa’ (palavrinha essa também na moda) é a tentativa de tornar a prisão obrigatória, sempre com base em falácias: (i) argumentos teleológico-pragmático-consequencialistas, de política, nunca de princípio, e (ii) a tão atrasada quanto equivocada cisão, inexistente, entre 'matéria de fato' e 'matéria de direito'. O STF não pode fazer mutação constitucional (que, nesse caso, seria mutilação inconstitucional), e o Congresso não pode alterar cláusula pétrea”, afirma o professor.

Hierarquia das leis
Refletindo a Constituição, o artigo 283 do Código de Processo Penal determina que ninguém pode ser preso antes do trânsito em julgado, a não ser em flagrante ou em cumprimento de medida cautelar.

Mesmo que a redação do artigo fosse alterada, o CPP continuaria tendo que respeitar a Constituição. Logo, de nada adiantaria permitir a execução antecipada da pena no código se a Constituição deixa claro que a punição só pode ser imposta ao fim do processo.

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Segundo Lenio Streck, STF não pode restringir a presunção de inocência.
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O Supremo sabe disso, destaca Lenio Streck. Tanto que, mesmo tendo permitida a prisão após segunda instância, não declarou a inconstitucionalidade do artigo 283 do CPP.

“A regra do artigo 283 é constitucional; tão constitucional que o STF não teve coragem de dizer o contrário, por mais estranho que isso possa parecer. O artigo 283 é tão adequado à Constituição que o STF está numa sinuca de bico. Para negar a presunção da inocência ele deveria declarar o artigo inconstitucional. Por que não o fez? Porque é impossível. Vamos ver como isso terminará. Uma nova lei poderá, talvez, fragilizar a presunção, mas ainda assim ficará a discussão da comparação dessa nova lei com a Constituição. Como Lady Macbeth recebeu as compungidas visitas da natureza humana, espero que o Supremo receba a compungida visita da força normativa de nossa balzaquiana Carta”, afirma o colunista da ConJur.

Nessa mesma linha, Ingo Sarlet declara que alterações na legislação infraconstitucional têm limites ainda mais rígidos do que as reformas constitucionais. O desembargador do Tribunal de Justiça gaúcho avalia que uma alternativa poderia ser a alteração do conceito de trânsito em julgado, que não é definido na Carta Magna. Ainda assim, o jurista entende que isso seria “um subterfúgio para contornar o argumento da blindagem constitucional com base nas cláusulas pétreas”.

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