Futuro Ministro

Judiciário não é guardião de segredos sombrios dos governantes, diz Sergio Moro

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6 de novembro de 2018, 17h16

Não cabe ao Judiciário servir como uma espécie de guardião de segredos sombrios dos governantes, disse o juiz Sergio Moro ao ser questionado sobre a divulgação de parte do depoimento da delação premiada de Antonio Palocci durante o período eleitoral. Na tarde desta terça-feira (6/11), ele concedeu a primeira entrevista coletiva após aceitar o cargo de ministro da Justiça e da Segurança Pública no governo de Jair Bolsonaro. 

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Em entrevista coletiva, Sergio Moro rebateu críticas, elogiou a operação "lava jato" e falou em propostas anticorrupção e de combate ao crime organizado. 
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Moro afirmou que durante toda a operação "lava jato", com a qual ganhou popularidade, foi dada publicidade aos processos com base na Constituição e que esse direito de tornar públicas as peças foi criticado desde 2014 como se fossem vazamentos.

Já sobre o adiamento do depoimento de Lula, que inicialmente estava marcado para o período eleitoral, justificou que a medida foi de segurança: "Em um ambiente polarizado, poderia haver conflitos".

O futuro ministro rebateu ainda as críticas sobre ter participado da investigação que resultou na prisão e na inelegibilidade do ex-presidente, que esteve à frente nas primeiras pesquisas eleitorais, afirmando que não poderia pautar sua vida com base em uma "fantasia de perseguição política". 

"Isso não tem nada a ver com o processo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva", respondeu ao explicar os motivos para ter aceitado assumir a pasta da Justiça.

Moro também negou que esteja fazendo política, mesmo ocupando um cargo político. "Não creio que contrarie uma afirmação que fiz para O Estado de S. Paulo de que jamais entraria na política", disse. "Na minha visão, eu sigo fazendo um trabalho técnico. Não tenho pretensão de concorrer a cargos eleitorais e subir em palanques."

O convite
Durante a coletiva, Moro confirmou seu encontro com Paulo Guedes — futuro ministro da "superpasta" da Economia —, no dia 23 de outubro, sobre a possibilidade de ele compor o governo. "As sensações de que um dia a sorte [da operação "lava jato"] poderia acabar e que nós poderíamos retornar ao padrão da impunidade me levaram a aceitar o convite do presidente eleito", disse.

Sobre o embate com ideias e propostas de Jair Bolsonaro, Moro afirmou que "mesmo nas divergências parece possível chegar ao meio-termo". Mesmo assim, o futuro ministro se posicionou quase sempre favorável, ainda que de uma forma relativizada, a opiniões polêmicas do presidente eleito, como a posse de armas, a redução da maioridade penal e a excludente de ilicitude para policiais em operações. "Há uma necessidade de se repensar o tratamento jurídico para cobrir situações em que o policial tenha que disparar a arma contra o criminoso fortemente armado", comentou. 

Afirmou ainda que os receios sobre a democracia durante o governo de Bolsonaro são infundados. "Numa campanha eleitoral, todos os exageros foram cometidos", disse ao ressaltar que o presidente eleito lhe pareceu um homem "muito sensato e ponderado". 

Confrontado sobre a exaltação de Bolsonaro em relação ao período da ditadura militar, o juiz disse que não assumirá o ministério da Justiça para discutir o que aconteceu na década de 60. "Meus olhos estão voltados para 2019", falou ao comentar que há anos utilizou a expressão "golpe militar", mas que a insatisfação que existe hoje considera apenas a atuação dos militares sem levar em consideração o apoio da sociedade civil.

As propostas para a pasta
O combate à corrupção e ao crime organizado está entre as principais pautas do Ministério da Justiça comandado por Moro. O juiz não adiantou as propostas administrativas sob a justificativa de que elas ainda terão que passar pelos demais integrantes do governo, mas disse que pretende resgatar parte das 10 medidas anticorrupção do Ministério Público.

Entre as pautas citadas estão a possibilidade de "deixar mais clara" a execução da pena após condenação em segunda instância, a proibição da progressão do regime prisional quando houver prova de que o preso tem vínculo com organização criminosa e a maior utilização de policiais disfarçados em investigações criminosas, além do investimento em tecnologia. “A ideia é utilizar o modelo da operação 'lava jato' contra o crime organizado”, disse. Afirmou também que pretende chamar para o ministério nomes que trabalharam na operação.

"Embora a estratégia não seja a de confronto, temos que reconhecer que o confronto é uma possibilidade", disse sobre a atuação efetiva contra o crime organizado no país. "As pessoas que vivem em áreas dominadas por organizações criminosas vivem em um estado de exceção", afirmou. "Isso não significa que o confronto policial é uma estratégia, são situações limite."

Moro afirmou que todos têm direitos iguais de proteção da lei e que os crimes de ódios deveriam ser tratados por autoridades policiais locais, mas que não descarta a possibilidade de movimentar o aparato da Polícia Federal para esses delitos. Disse que também pretende, quanto empossado, se inteirar sobre a investigação das mortes da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. 

Pauta única
Moro foi questionado sobre as demais atribuições do Ministério da Justiça além da segurança pública. Em uma resposta titubeante, afirmou ter ciência de que a pasta tem funções mais amplas e citou a proposta de ampliação da base de dados do perfil genético dos presos como uma potência que poderia resolver homicídios simples, uma "política de proteção para todos, minorias e maiorias". "Coloquei no primeiro momento que a agenda inicial é o foco anticorrupção, mas nenhuma área vai ser negligenciada."

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