Senso Incomum

Via ADPF 548, STF censura (e bem) a censura eleitoral!

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1 de novembro de 2018, 7h36

Spacca
Gostei tanto dos voto dos ministros que pensei em mandar e-mail ou WhatsApp para pedir que o STF aja assim julgando de imediato as ADCs 43, 44 e 54. Só para pegar o embalo desta ADPF 548. Vá que, no embalo, o STF possa voltar aos velhos tempos…!

Passadas as eleições, há que fazer um rescaldo. Tanta coisa aconteceu. Além da guerra cibernética e suas mentiras (fake news), o marcante foi a “volta” do decreto 477, agora sob nova roupagem: a superinterpretação da legislação eleitoral.

O que é firme e forte foi o que — paradoxalmente — mais sofreu bombardeio durante o pleito: as urnas eletrônicas. As malditas urnas eletrônicas acabaram, ao final, aceitas. Ufa. Que bom. Esperamos que na próxima eleição não apareçam de novo vídeos de “jênios” demonstrando as fraudes. Poxa, o que teve de vídeo de “cientistas” sobre isso… E de conspiradores. Vídeos tão importantes quanto os que provam que a terra é plana. Ou que Darwin é um charlatão.

De todo modo, a bem da verdade, a par do sucesso das urnas eletrônicas, devemos registrar a goleada que o TSE levou do WhatsApp F.C. O resultado do jogo foi WhatsApp 10×0 TSE, com gols dos craques Fake, News, Algoritmo, Grupo, Grupinho e dois gols de pênaltis marcados — fora da área pelo VAR – pelo ponta direita Havan. O cara joga na ponta e bem aberto.

Diga-se, de novo a bem da verdade, que, ao final, na prorrogação, o time do TSE ainda tentou alguns ataques, alçando a bola na área, mas os WhattAppianos se fecharam direitinho, impedindo qualquer penetração. Esquema ferrolho. Chegaram até a provocar o recuo do time do WhatsApp, mas aí Inês já era um corpo estendido no chão, como narrava Januário de Oliveira (relembre aqui da narração).

Parece que o TSE acordou, mesmo, com o ataque de um reserva, o coronel de pijama que começou a atirar petardos contra o TSE e o STF. Só assim veio uma reação mais forte, impulsionada também pelas palavras do deputado que falou sobre a coisa do jipe, do soldado e do cabo.O STF respondeu com veemência.

Com efeito, esses dois episódios, mais uma manchete da Folha de São Paulo, ligaram a luz amarela do jogo. Só que de há muito o novo mito da caverna já se encalastrara nos corações e mentes (refiro-me ao novo mito da caverna, em que a caverna é um grupo de WhatsApp – ver aqui o novo mito da caverna). Os episódios do coronel e do jipe apenas jogaram um pouco de luz na cena.

Por outro lado, já nos dois ou três últimos dias, apareceu algo novo no jogo eleitoral. Segundo a Procuradora-Geral da República, juízes e TREs extrapolaram na interpretação da legislação eleitoral. As atitudes (ordens de invasão de Universidade, mandado verbal, apreensão de material e coisas do gênero) foram classificadas como autoritárias, e receberam outros adjetivos por jornais como a Folha de S.Paulo e autoridades acadêmicas e judiciais.

Ora, “data vênia” (brinco, aqui, com a parte da comunidade jurídica que ficou excitadíssima com essas práticas), proibir que nas Universidades, privadas e públicas, se pudesse colocar faixas contra o fascismo ou impedir que se discutisse democracia parece ter sido um tiro no pé e uma demonstração de antecipação de certa forma de adesão ao ideário do novo regime. Sim, só assim se explica que, se a CF diz que o Brasil é um Estado Democrático de Direito, é porque a CF é antifascista. Esta, a de 1988, é claramente antifascista. E, por conter cláusulas pétreas, é antiditadura. Antiautoritarismo. Qualquer rábula de primeiro ano da Faculdade de Direito da UniNada sabe disso. Logo, proibir que se coloque uma faixa com os dizeres “Somos contra o fascismo” ou algo parecido, é proibir um ato absolutamente a favor do ideário da CF.

Bom, a coisa tomou um rumo tal que a própria PGR, talvez um pouco constrangida por seus próprios colegas do MPF que denunciaram a distopia desse tipo de decisão de juízes e dos TREs, ingressou com ADPF, no que foi corroborada por fortes declarações de Ministros do STF. A Ministra Carmen Lúcia deferiu liminar na ADPF ajuizada por Raquel Dodge, contra decisões de juízes eleitorais que determinam a busca e apreensão de panfletos e materiais de campanha eleitoral em universidades e nas dependências das sedes de associações de docentes, proíbem aulas com temática eleitoral e reuniões e assembleias de natureza política, impondo-se a interrupção de manifestações públicas de apreço ou reprovação a candidatos nas eleições gerais de 2018, em universidades federais e estaduais. As medidas estariam baseadas no artigo 37 da Lei n. 9.504/1997.

Importa referir e lembrar que o presidente do STF, ministro Dias Toffoli, e a PGR, Raquel Dodge, cobraram no dia 26 de outubro autonomia e liberdade nas universidades, após ações policiais e da Justiça Eleitoral proibirem discussões sobre democracia e fascismo e retirarem faixas com dizeres antifascistas, sob a justificativa de coibir propaganda eleitoral irregular em prédios públicos. Estes são elementos simbólicos importantes para entender o imbróglio.

No voto do mérito da AFPF (548), a ministra Carmen Lúcia chegou a dizer que os atos praticados, ao se contraporem à Constituição, traem o Brasil, invocando a fala de Ulisses Guimarães feita no dia 5 de outubro de 1988. Falou também que houve um garrote nas liberdades. Os demais ministros jogaram igualmente pesado.

O mais contundente foi o Ministro Gilmar, que lembrou o passado alemão de censura e queima de livros. Ao final, Gilmar fez um adendo, tratando do famoso post da deputada de Santa Catarina que incentivava delação, vigilância e censura nas salas de aula, sugerindo, inclusive, uma espécie de injunção a ser feita a partir de uma analogia com o artigo 19 do marco civil da internet. Correto o Ministro Gilmar. Talvez no seu voto esteja um modo de estancar a sangria provocado por esse festival de fakenews que assola a República. Para quem ainda não viu o post, veja abaixo. E não é fake.

Observa-se que a Suprema Corte foi firme e jogou pesado em relação aos acontecimentos nas Universidades e afins. Li, nas entrelinhas, bons recados ao nosso establishment.

E, de novo, não posso deixar de pedir que a Corte, aproveitando o embalo, retome o julgamento das ADCs que tratam da presunção da inocência. Melhor dizendo, gostei tanto do voto da ministra Carmen e os que se seguiram, que pensei em mandar email ou whatsapp para pedir que o STF aja assim julgando de imediato as ADCs 43, 44 e 54. Só para pegar o embalo desta ADPF. Vá que, no embalo, o STF possa voltar aos velhos tempos…! Bom, esta coluna pode servir de e-mail. Presunção de inocência, já!

Interessante e emblemático foi a proibição de reuniões nas Universidades (por exemplo, no RS o TRE proibiu ato na UFRGS e, nessa linha, o MP estadual mandou recomendação a uma universidade privada ameaçando com multa de 500 mil caso os alunos fizessem o ato pela democracia anunciado) e a “licença poética” da justiça – em todo o país – em relação às igrejas (mormente as pentecostais – A Igreja Universal abriu apoio explícito a um dos candidatos e a sua TV, a Record, fez uma generosa entrevista com o candidato à revelia da legislação eleitoral) que se atiravam diariamente na pregação a favor do candidato vencedor, havendo até vídeos de cultos nos quais os fieis faziam o gesto da arma com os dedos. E há fotos do dia da eleição de fiéis saindo da Igreja vestidos com a camiseta do candidato. Mas nas faculdades, nada disso pode ser feito ou discutido! Até Roger Waters foi censurado. É. O Decreto 477 voltou das trevas. Repristinaram o morto. Mas, com a ADPF de ontem, o STF parece ter enfiado uma faca no coração do Jason.

As ações condenadas pelo STF na ADPF foram (são?) sinais ruins. Invadir e censurar reuniões e aulas é o Direito dando um tiro no próprio pé. Autofagia ou haraquiri institucional? Podem escolher. É como se médicos fizessem campanha contra o uso de remédios. O que é da essência do jurista – lutar contra o autoritarismo – é utilizado a favor de gestos e atitudes autoritárias.

Eu sou anterior à CF. Fui recepcionado por ela. Vi meu pai ser preso em pleno trabalho na lavoura por um batalhão do exército. Eu estava na Faculdade quando Geisel fechou o parlamento. Eu fui de diretório acadêmico proibido pelos decretos 288 e 477. Eu sou desse tempo em que buscávamos, nas brechas da institucionalidade um juiz ativista. Hoje o ativismo se voltou contra o próprio Direito democrático. Na época, queríamos que o juiz achasse algum resquício de direito no meio do direito ruim, daquele direito sem Constituição (havia só a de 69, fruto do AI5). Eu sou do tempo em que se delatava. Quase não entrei no MP por causa de uma “desrecomendação” de um membro da própria Instituição.

Passamos por tudo isso para vermos, hoje, proibições de colocação de faixas contra o fascismo, porque, pasmem, isso seria propaganda política. Quem assim determinou admitiu, implicitamente, por óbvio – e não há outra conclusão – de que a faixa tinha endereço certo. Que coisa, não?

Quando entrei na faculdade em 1977, foi fechado o parlamento. Um de meus professores defendia o AI5 abertamente. Para outro, perguntamos se haveria aula no dia seguinte, porque, afinal, estávamos sem parlamento e as eleições para governador haviam sido canceladas e senadores biônicos instituídos. Ele respondeu: já vem você com manifestação política. Pois é. E não é que essas decisões determinando invasões de Universidades e proibindo faixas e encontros no interior das Casas de ensino repetem o que ouvi do preclaro mestre em 1977, naquele fatídico dia do Pacote de Abril? Ah, a história.

A maioria dos que lerão esta coluna não sabem de nada disso. Pacote? Que pacote? AI 5? AI 2? Que Ai’s são esses? Ah: quase ia esquecendo que o TSE proibiu a veiculação de cenas sobre tortura, mandando retirar do ar. Argumento: as cenas eram muito fortes. Pois é. Como cristão e participando do meu aniversário de “confirmação” na Igreja Luterana lá na terra do dinossauro mais antigo do mundo — Agudo — (com o meu casamento com Rosane virei católico, mas até hoje rezo o Pai Nosso com a parte final luterana — “porque teu é o poder e a glória para sempre, amém”, parte que não está no Pai Nosso católico), falei em nome dos homenageados. Falei sobre as agruras de Cristo na cruz. Sobre a tortura sofrida por Cristo. Isso foi no dia 14 de outubro. Em tese, cometi crime eleitoral. Estivesse presente alguém do TSE ou de algum TRE e eu não poderia ter terminado minha prédica de minha estreia de dublê de pastor da IECLB. Mas a ADPF me salvaria!

Portanto, nada mais, daqui para a frente, de ficar contando a história do calvário de Cristo. E nada de ficar passando filmes em que o Nazareno é lapitado pelo látego do carrasco. As cenas podem chocar.

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