A crise econômica e política gerou consequências multibilionárias no setor de infraestrutura brasileiro: rodovias, aeroportos e outras concessões já operando sofreram um impacto devastador. Concessões pré-operacionais, ainda dependentes de aportes por acionistas ou financiadores, foram atrasadas. Novos projetos não saíram do papel, seja pela falta de interessados e financiadores, ou pela paralisia gerada nos poderes concedentes, agências reguladoras e órgãos de controle. E, além disso tudo, a demanda pelos serviços foi afetada pela crise. É a era das concessões em crise.
Nesse cenário, a devolução para relicitação dessas concessões, desde a edição da medida provisória convertida na Lei 13.448/2017, deve ser finalmente regulamentada pelo governo federal.
Ocorre que, apesar de todos os problemas, há diversas concessões que ainda atraem a atenção de potenciais investidores, novos e habituais, que seguem encantados pela possibilidade de adquirir esses ativos, sobretudo aqueles que permanecem viáveis economicamente, padecendo apenas da falta de crédito e/ou credibilidade dos acionistas controladores, afetados pela crise ou pelos escândalos de corrupção. Especialmente nesses casos, a saída pode ser a transferência do controle das sociedades de propósito específico (SPE), detentoras das concessões, para quem esteja apto a fazer investimentos imediatos de dinheiro e tecnologia e a contrair empréstimos de longo prazo. Esses investimentos podem salvar a concessão, melhorando o desempenho operacional e assegurando a prestação adequada dos serviços públicos. Essa “solução de mercado” é claramente a melhor alternativa para os poderes concedentes, para os agentes econômicos e para a sociedade.
Devolver as concessões problemáticas para serem leiloadas novamente, por outro lado, é o último recurso. A relicitação é uma alternativa à caducidade para as concessões federais irrecuperáveis, visando mitigar os riscos à regularidade e continuidade dos serviços, na medida em que pressupõe a manutenção da SPE como responsável pelos serviços até a conclusão do processo de relicitação. No entanto, apesar de os serviços não serem paralisados durante esse processo, há grande prejuízo à sua qualidade, que passa a ser mantida em níveis mínimos de aceitabilidade, além da suspensão de novos investimentos. Soma-se a isso outras complicações decorrentes do encerramento prematuro da concessão, tais como a necessidade de o poder concedente indenizar os investimentos não amortizados.
A transferência do controle também tem seus desafios. Apesar de estar prevista na lei geral de concessões brasileira desde 1995, ainda falta entendimento claro dos poderes concedentes sobre requisitos de qualificação jurídico-fiscal, técnica e econômico-financeira a serem comprovados pelos adquirentes do controle da SPE. As procuradorias dos poderes concedentes deveriam analisar a transferência de controle de concessionárias como uma medida natural em contratos de longo prazo e numa economia dinâmica, em que é comum que ativos troquem de mãos. Também deveriam se atentar às particularidades da transferência do controle, que não é uma mera cessão de contratos administrativos.
A SPE — uma pessoa jurídica autônoma — deve ter, ela própria, todos os atributos de qualificação necessários para prestar os serviços concedidos. Dado que a SPE tem vida própria, sobretudo quando já opera, a comprovação de expertise dos seus acionistas, velhos ou novos, para fornecer os serviços, não deve ser imposta como um requisito para a transferência do controle.
Um percalço adicional da transferência é o risco de os adquirentes das SPEs serem responsabilizados por dívidas dos grupos controladores das concessionárias. Às preocupações comuns com o passivo trabalhista e ambiental soma-se agora as dívidas e contingências decorrentes dos atos de corrupção. É claro que essas dívidas devem ser pagas ou ao menos reestruturadas.
Mas não são os adquirentes que têm que pagar a conta, e isso deveria ser endereçado de forma apropriada por posicionamentos firmes dos órgãos de controle, do Ministério Público e do próprio Judiciário. Afinal, a mera conjectura de responsabilização já pode afastar investidores do negócio, e mesmo os mais resilientes embutem o custo potencial no preço de aquisição, reduzindo o valor do ativo e diminuindo os recursos a serem desembolsados para o efetivo pagamento dos passivos. O temor dos adquirentes é maior nos frequentes casos em que os controladores da SPE estejam em dificuldades financeiras. Nessas hipóteses, uma possível saída seria a transferência das SPEs por meio da venda de unidades produtivas isoladas, sem sucessão nas dívidas, no âmbito de processos de recuperação judicial.
A transferência do controle das SPEs pode, enfim, ser a saída mais adequada para as concessões em crise. É a solução mais rápida e menos onerosa e impactante para o poder público e para as pessoas que usufruem dos serviços, e a que preserva mais valor para os credores em geral, inclusive os trabalhadores e o próprio governo. Esses benefícios — basicamente tempo e dinheiro — serão tão mais aparentes quanto menores forem os entraves regulatórios e jurídicos para o ingresso de novos investidores. Se os obstáculos, a burocracia e insegurança forem grandes, essas vantagens tendem a se diluir ou mesmo desaparecer. O novo investidor, afinal, é o único que, por não estar ainda envolvido, pode desistir da aquisição se ela se revelar muito arriscada, custosa ou demorada e deixar o problema nas mãos do controlador, do poder concedente, dos credores e da população. Daí a importância de facilitar a transferência de controle nas concessões para superar a crise da infraestrutura brasileira.