Jurista de jornal

Joaquim Falcão, o especialista em constitucionalismo javanês

Autor

1 de novembro de 2018, 10h21

No livro Como a Picaretagem Conquistou o Mundo, o jornalista britânico Francis Wheen constatou que fazer sucesso, na atualidade, nada tem a ver com qualidades — no sentido original da expressão —, mas com a falta delas. Na política, no mundo dos negócios, na cultura de massas, o triunfo, a glória e o dinheiro, conclui Wheen, estão reservados, predominantemente, a vigaristas. Um exagero, por certo.

Em outro livro, lançado neste mês pelo advogado Walfrido Warde, o autor de O Espetáculo da Corrupção chegou à conclusão que algo pode ser ainda pior que a corrupção, quando a histeria se apossa dos corações e mentes do vulgo: o combate à corrupção.

A indústria do combate à corrupção chamou para o picadeiro iluminado um sem-número de falsos heróis na política, no jornalismo e, principalmente, no mundo jurídico. A falsidade se apura quando se compara o currículo e a obra dessas vestais com os sentimentos morais que elas expressam.

Eliana Calmon, Modesto Carvalhosa, Walter Maierovitch, Conrado Hübner Mendes, Luiz Flávio Gomes, Rodrigo Janot, a delegada Érica Mialik Marena, Sergio Moro e seus colegas da “força-tarefa” são alguns exemplos dos paladinos que ganharam notoriedade com a escalada punitivista que tomou conta do país e entrincheirou o Judiciário.

Mas ninguém surfou tão bem na luta do bem contra o mal quanto o “jurista” Joaquim Falcão. Jamais manejou um processo, como advogado, no TJ-RJ, no STJ ou no STF. Sua experiência como réu é maior. No entanto, virou o maior “especialista” em atacar juízes e ministros, para agradar as arquibancadas frenéticas que desejam ver restaurados o pelourinho e a guilhotina em praça pública.

A série de pesquisas que assinou, com o timbre da Fundação Getulio Vargas, sob o título de “Supremo em Números” é exemplo da sua habilidade: ele concluiu que o STF trabalha pouco. No ano passado, cada ministro julgou 12 mil processos — seriam 50 julgamentos por dia, considerando-se 240 dias úteis no ano. A pesquisa resultou em centenas de aparições de Falcão na imprensa e no seu afastamento da Fundação Getulio Vargas.

Falcão poderia ser personagem do conto O Homem que Sabia Javanês, de Lima Barreto; de A teoria do Medalhão, de Machado de Assis; ou do livro de Francis Wheen. Ele foi o primeiro literato a ingressar na Academia Brasileira de Letras sem nenhum livro conhecido de sua autoria. Em seu currículo na plataforma Lattes, ele informa a autoria de 55 livros: praticamente todos, senão todos, são coletâneas de textos alheios ou dele próprio, publicados em jornais e sites — uma dica para jornalistas interessados na imortalidade: qualquer profissional com mais de cinco anos de ofício pode passar de cem livros com um simples corta-e-cola.

As peripécias de Joaquim Falcão para ocupar espaços chegam a ser cômicas. A mais recente, porém, foi longe demais. No afã de capitanear o cordão de vivandeiras e puxa-sacos que passaram a adular o presidente eleito, Jair Bolsonaro — outro personagem para o livro de Wheen —, o “jurista” atacou o decano do STF, ministro Celso de Mello.

Para o neobolsonarista, foi um desplante o ministro responder ao gravíssimo ataque do tosco Eduardo Bolsonaro, que falou em fechar o tribunal se seu pai fosse contrariado, já que quem manda no país é quem tem mais popularidade — algo com que, aparentemente, Falcão concorda —, embora o próprio pai tenha atribuído problemas psiquiátricos a quem pensa assim.

Em entrevista, Falcão decretou que ministros do Supremo devem fazer voto de silêncio. Para o constitucionalista, só o presidente pode falar e, ainda assim, nos autos. “O Celso de Mello inventou um cargo que não existe, que é o de decano”, protestou o oferecido professor, referindo-se ao título universal que qualquer aluno de Direito conhece e ao juiz qualificado pelo presidente da corte, Dias Toffoli, com toda razão, como “a maior autoridade moral da nação”.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!