Opinião

Autonomia das entidades que regulam a economia é essencial

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31 de março de 2018, 13h44

1. Introdução
O objetivo do presente trabalho é estudar como a autonomia é primordial para as entidades que regulam a economia de alguma forma, ou seja, como esses entes restam com suas funções primordiais esvaziadas sem sua essencial autonomia técnica. O estudo iniciará de forma geral e depois focará sua análise na importância da autonomia do Banco Central (BC), que atua na área do sistema financeiro nacional.

O tema da autonomia das entidades reguladoras da economia é importante tanto para o cidadão comum, que tem sua vida diretamente e imediatamente afetada pelos reflexos dessa atuação, quanto para o mercado econômico, o que acaba afetando a relação de um país com o mundo, devido à inevitável e crescente interligação dos mercados econômicos e financeiros na atualidade.

O artigo não tem o objetivo de diferenciar a autonomia da independência, portanto, ambos os conceitos serão tratados como sinônimos. Mas, apenas para enriquecer o debate, destaca-se que, usualmente, a independência é definida como um atributo que confere ao órgão o poder para definir suas próprias metas, objetivos, e a forma como vão operar para alcançá-los. Por outro lado, a autonomia confere apenas a liberdade operacional, mas as metas e objetivos são definidos externamente. Por fim, entidades dependentes são aquelas que não possuem nem a faculdade de definir como vão operar.

2. O Direito Econômico
A característica principal do Direito Econômico é o estudo da influência do Estado nas relações socioeconômicas. Essa influência prevalece sobre a autonomia de vontade das partes, pois o Estado regula a atividade econômica. A regulação estatal da atividade econômica é baseada nos princípios da ordem econômica trazidos pelo artigo 170 da Constituição de 1988, quais sejam: soberania nacional, propriedade privada, função social da propriedade, livre concorrência, defesa do consumidor, defesa do meio ambiente, redução das desigualdades regionais e sociais, busca do pleno emprego e tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no país.

O Direito Econômico apresenta certas características gerais[1]. O fato de ser recente é uma delas, pois é um ramo novo do Direito, que teve início com a necessidade de disciplinar o intervencionismo econômico.

É um ramo jurídico sujeito às influências e mudanças que ocorrem no mercado econômico, que é dinâmico por natureza e que, por consequência, sempre será um ramo jurídico em formação, o que leva a outra característica do Direito Econômico, que é a mutabilidade ou mobilidade. Mas, devido à constante celeridade necessária para resolver seus conflitos e à especificidade que lhe é peculiar, possui o Direito Econômico uma grande produção normativa, com grande parcela de competência normativa outorgada ao Poder Executivo. Deriva dessa característica, também, a necessidade de autonomia das agências reguladoras para regulamentar as atividades pelas quais são responsáveis. Para disciplinar uma realidade tão dinâmica, precisam os entes reguladores ter instrumentos que tornem a sua regulação eficaz.

A maleabilidade significa que o Direito Econômico, para ser eficaz, não pode restringir suas espécies de normas aos atos normativos próprios do Poder Legislativo. O Direito Econômico precisa de grande produção normativa para se manter atual. Mecanismos de criação normativa mais céleres, próprios do Poder Executivo, garantem que a ordem jurídica econômica se adapte e acompanhe as mudanças econômicas constantes.

Também é uma característica do Direito Econômico a singularidade, ou seja, como cada país tem seu fato econômico próprio, cada país tem seu Direito Econômico próprio. Isso significa que não existe para o Direito Econômico um conjunto de regras universais, como existe para outros ramos do Direito. Ou seja, o Direito Econômico está diretamente relacionado com a soberania e a realidade econômica de cada Estado.

O Direito Econômico não pode ser definido como um ramo neutro ou imparcial do Direito, pois é altamente influenciado pelos valores políticos — pela ideologia política e econômica da corrente que está no poder. Seguindo essa linha de raciocínio, o Direito Econômico é ainda caracterizado pelo seu ecletismo, no sentido de ser um ramo do Direito Público guiado por princípios e regras do Direito Privado. Dessa forma, no Direito Econômico, há uma permeabilidade de valores de Direito Público e de Direito Privado. O Estado regulador, para exercer funções direcionadoras, normativas e fiscalizadoras da atividade econômica privada, precisa ter presentes valores do Direito Privado.

Por fim, o concretismo também é característica do Direito Econômico, já que o mesmo disciplina fenômenos socioculturais concretos. Dessa feita, os acontecimentos históricos influenciam diretamente o Direito Econômico. As crises econômicas vividas mundialmente são as grandes responsáveis pelo modelo atual de regulação da economia. Por exemplo, a crise dos mercados financeiros, que tomou força em meados de 2007, também chamada de crise das subprimes, teve como uma das principais consequências a conclusão de que o sistema financeiro precisava de maior regulação, principalmente no que se refere aos setores de crédito de maior risco.

Existe relação direta do Direito Econômico com o Direito Administrativo, mais especificamente com os poderes administrativos e o exercício do poder de polícia administrativa sobre os agentes econômicos. A relação configura-se com a autorização para funcionar, com a fiscalização e com a sanção de polícia. Além disso, os primeiros estudos sobre a intervenção do Estado na economia ocorreram no âmbito do Direito Administrativo. Por outro lado, cumpre destacar que é o Direito Constitucional que rege todo o Direito Econômico, ou seja, que é o responsável pela ordem econômica. Para Eros Grau[2], a ordem econômica é um conjunto de princípios jurídicos de conformação do processo econômico, desde uma visão macrojurídica, conformação que se opera mediante o condicionamento da atividade econômica a determinados fins políticos do Estado. Tais princípios gravitam em torno de um núcleo, que pode ser identificado nos regimes jurídicos da propriedade e do contrato.

Pode-se dizer que o Direito Econômico surgiu da economia para regular a economia. A economia é definida como a ciência que estuda a forma pela qual os indivíduos e a sociedade interagem com os meios de produção, integrando-os em um ciclo econômico, de produção, distribuição e consumo de bens. Para a regulação da economia, que direciona toda uma ordem de fatores, os entes reguladores precisam ter autonomia, caso contrário, não conseguirão regular um setor tão mutável e direcionador.

3. A intervenção e a autonomia dos entes reguladores
Para Eros Grau[3], a regulação se tornou forte com a evidente inviabilidade do capitalismo liberal. O Estado, que já manifestava sua intervenção na ordem econômica através do monopólio estatal na emissão da moeda (poder emissor), no exercício do poder de polícia, nas codificações e no aumento do escopo dos serviços públicos, assumiu a função de regulador econômico.

O Estado, ao intervir na atividade econômica, o faz em uma área que não é própria de sua atuação, ou seja, que não é serviço público. O vocábulo intervenção do Estado na economia significa justamente isso, ou, do contrário, o correto seria a denominação: atuação do Estado na economia. A intervenção pode ser dividida em: intervenção por absorção ou participação, intervenção por direção ou intervenção por indução. A intervenção por absorção ou participação ocorre na atividade econômica em si, ou seja, quando o Estado se apropria dos meios de produção e atua em regime de monopólio em um setor econômico. Já na intervenção por direção e na intervenção por indução, o Estado atua sobre uma atividade econômica, de forma a regular essa atividade. Na direção, o Estado estabelece normas e mecanismos de comportamento que devem ser obedecidos de forma compulsória por quem exerce a atividade econômica. Por outro lado, na indução, há uma manipulação dos instrumentos de intervenção, ou seja, o Estado atua estimulando ou desestimulando certas condutas por parte dos entes privados.

A regulação é a forma de intervenção do Estado na economia que se caracteriza por ser uma direção que o Estado proporciona à economia, ou seja, é uma intervenção coercitiva, onde a supremacia do interesse público e o jus imperium manifestam-se. O jus imperium pode ser definido com o direito que o Estado tem, devido à sua supremacia, de intervir em todos os bens e em todas as pessoas, para realizar o interesse público.

Na concepção atual de Estado regulador, este deve regular não apenas a atividade privada, mas também os serviços públicos, não se caracterizando apenas como um mero prestador[4]. Anteriormente, entendia-se que o Estado deveria prestar diretamente as atividades econômicas. Porém, na concepção moderna, deve o Estado regular a economia. Pode-se dizer que há três poderes que são inerentes ao poder regulador: o poder de editar as normas, o poder de assegurar o seu cumprimento e o poder de reprimir os descumprimentos[5].

Quanto mais garantias um órgão possuir, mais independente e autônomo ele vai ser. A intervenção política em um órgão que regula setores da economia é algo que gera um risco muito grande de desvirtuamento do sistema. A imparcialidade é um instrumento para garantir a autonomia.

A possibilidade de organizar o seu próprio orçamento aumenta a autonomia de uma entidade, como garantia da imparcialidade, por diminuir a dependência dos entes reguladores frente à administração pública como um todo.

A especialidade técnica é mais um fundamento para a autonomia. Ou seja, tem mais legitimidade para decidir, no sentido de confiança alheia.

4.2 Sobre a necessária autonomia do Banco Central
O BC tem como uma de suas principais funções regular e executar a política monetária do país. A autarquia foi criada pela Lei 4.595, de 31 de dezembro de 1964. É comum nos países que entidades com essas funções sejam configuradas como agências reguladoras independentes, o que se justifica porque concepções políticas ou partidárias não podem influenciar políticas monetárias ou políticas públicas de uma forma geral. Ou seja, para que uma política monetária tenha sucesso, é necessária a autonomia da autoridade estatal responsável por ela. Não podem existir pressões das entidades públicas ou das entidades privadas que comprometam a imparcialidade do Banco Central, ou o discernimento do que é interesse público primário e do que é interesse público secundário.

BC tem a forma de uma autarquia e exerce funções regulatórias, mas sua autonomia é relativa, devido à sua disciplina normativa e ao regime aplicável aos seus administradores. A autarquia surgiu em pleno regime militar. Apesar disso, na primeira versão da lei, os diretores do BC eram formalmente autônomos, ou seja, tinham mandato. Porém, a autonomia era apenas formal, devido à atuação do regime ditatorial. Destaca-se que a autonomia formal foi posteriormente perdida.

Atualmente, pode-se dizer que o BC apresenta certa autonomia, porém, sua legislação de regência continua sendo quase a mesma. Dessa forma, conclui-se que o fundamento dessa autonomia não está na lei, mas, sim, em razões de necessidade e conveniência administrativa, ou seja, em razão de uma evolução cultural.

O regime dos cargos de diretoria do BC é disciplinado pela Constituição de 1988. O presidente da República tem a competência para indicar o presidente e os diretores do BC, de acordo com o artigo 84, XIV, da Constituição. Os nomes indicados são submetidos à apreciação do Senado, segundo o artigo 52, III, e, da Constituição.

Mas a Constituição não disciplina como ocorrerá a exoneração do presidente do BC, o que significa que esta pode ser provocada pelo presidente da República, sem a necessidade de aprovação da medida pelo Senado Federal. Inclusive, na crise cambial de 1999, houve uma rápida substituição do presidente do BC. Por esse motivo, entende Marçal Justen Filho[6] que o BC não apresenta as características de uma agência independente. Para essa caracterização, é necessária uma reforma administrativa que lhe confira mais garantias. Tanto o presidente do BCB quanto os seus diretores são demissíveis ad nutum.

Com relação ao orçamento do BC, a Lei 4.595, de 1964, estabelece que compete ao Conselho Monetário Nacional, de acordo com as diretrizes estabelecidas pelo presidente da República, aprovar o regimento interno e as contas do BC e decidir sobre seu orçamento e seus sistemas de contabilidade. Ou seja, o BC não possui autonomia orçamentária.

O BC detém competências regulatórias de acordo com a Lei 4.595, de 1964, porém, a sua competência normativa é em regra subordinada ao Conselho Monetário Nacional.

7. Conclusão
A dinamicidade, a maleabilidade e mutabilidade do Direito Econômico fazem com que a independência dos entes que regulam a economia seja extremamente necessária. Caso contrário, essa regulação seria obsoleta e ineficaz. A intervenção regulatória do Estado na economia é considerada a forma mais adequada para o Estado intervir.

A imparcialidade pode ser vista como um instrumento para assegurar a independência dos órgãos reguladores da economia, e é alcançada através de garantias. Uma das garantias é a impossibilidade de exoneração ad nutum de seus dirigentes, o que é posto em prática através de normas que estabelecem mandatos fixos. A especialidade técnica é também um instrumento para o alcance da autonomia, uma vez que legitima a atuação. Também a possibilidade de definir o próprio orçamento confere a independência desejada a essas entidades.

Com um estudo focado no BC, chega-se à conclusão de que o ente precisa ganhar autonomia, o que só irá efetivamente ocorrer através de uma reforma legislativa.


[1] FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Lições de Direito Econômico. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009.
[2] GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica da Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros, 2008.
[3] GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica da Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros, 2008.
[4] JUSTEN FILHO, Maçal. O Direito das Agências Reguladoras Independentes. São Paulo: Dialética: 2002.
[5] ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências Reguladoras e a Evolução do Direito Administrativo Econômico. Rio de Janeiro: Forense, 2005.
[6] JUSTEN FILHO, Maçal. O Direito das Agências Reguladoras Independentes. São Paulo: Dialética: 2002.


Referências bibliográficas
ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências Reguladoras e a Evolução do Direito Administrativo Econômico. Rio de Janeiro: Forense, 2005.
FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Lições de Direito Econômico. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009.
GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica da Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros, 2008.
JUSTEN FILHO, Maçal. O Direito das Agências Reguladoras Independentes. São Paulo: Dialética: 2002.
MARQUES NETO, Floriano Peixoto de Azevedo. Regulação Estatal e Interesses Públicos. São Paulo: Malheiros, 2002.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 27ª edição. São Paulo, Malheiros, 2010.

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