Opinião

Responsabilidade do financiador por danos ambientais e violação de direitos humanos

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30 de março de 2018, 6h05

Discute-se se há possibilidade de atribuição de responsabilidade civil do financiador por danos ambientais ou violações a direitos humanos previstos em convenções internacionais ratificadas pelo Brasil.

Por primeiro, deve-se identificar se a licença prévia ao empreendimento foi concedida com comprovação dos cumprimentos das resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) e se nos projetos executivos constavam as medidas de controle e mitigação ambiental para fins de aplicação do artigo 12, parágrafo único da Lei 6.938 de 1981, que faz referência expressa às entidades de financiamento[1]. Em segundo lugar, é preciso verificar os relatórios de análise dos bancos para os empreendimentos que financiam.

Caso haja atividade de implementação ou operação antes das licenças respectivas, deve o Ibama informar as entidades financiadoras dessas atividades (artigo 19, III, 3º, Decreto 99.274 de 1990). Compete ao Conama determinar a suspensão de participação em linhas de financiamento em estabelecimentos oficiais de crédito, estando os bancos obrigados a condicionar seus empréstimos à comprovação do licenciamento ambiental (artigos 7, IV e 23, Decreto 99.274 de 1990).

A questão para atribuição de responsabilidade civil reside na prova do nexo de causalidade entre empréstimo e dano ambiental, para que a entidade financiadora responda indiretamente por poluição (artigos 3, inciso IV, 4, inciso VII e 14, parágrafo primeiro, Lei 6.938 de 1981)[2]. Deve-se provar que o financiador teve ou tinha conhecimento de que danos ambientais estavam ocorrendo e continuou o financiamento. Por isso que se faz necessário acessar os relatórios de compliance da unidade de controle interno, as fotos de satélite, e o que mais houver em termos de monitoramento do banco para fins de comprovação de seus atos (REsp 604.725, STJ)[3].

Para poluidores indiretos, a jurisprudência do STJ aplica a teoria do “risco criado”, devendo-se, no mínimo, provar que o banco sabia dos danos ambientais ou foi absolutamente omisso no cumprimento de sua política de monitoramento, demonstrando-se que se tratavam de financiamentos de risco, que estavam assumindo o risco de danos ambientais, com pedido de aplicação do princípio da precaução, para fins de inversão do ônus da prova.

Refiram-se, contudo, os julgados no Brasil que impossibilitaram a co-responsabilização do Banco Interamericano por seus investimentos, como no caso Projeto Várzeas do Tietê (STJ, AgIn 1.433.170), decidindo-se não haver nexo de causalidade entre liberação de recursos e erro dos estudos de impacto ambiental, além de não considerar como ente passível de figurar em polo passivo de ação judicial por ser um organismo internacional[4].

Caso se tenha dificuldade em encontrar os contratos de financiamento, sob alegação de sigilo bancário (Lei Complementar 105 de 2001), de se verificar se houve registro dos contratos de mútuo no registro civil imobiliário e no registro civil de títulos e documentos, pois aí incide a publicidade dos registros públicos (artigos 16 e 17, Lei 6.015 de 1973)[5]. Em caso envolvendo o BNDES, decidiu o STF pela publicidade de informações relativas à verba pública (MS 33.340-DF).

Deve-se ter em conta que, para uma empresa pública federal sob regime de direito privado, como o BNDES, esta exerce relevante função pública em suas operações de crédito[6]. Exerce atividade econômica, mas não por isso se desvincula do respeito aos direitos fundamentais de particulares, pois a aplicação é direta como determina o artigo 5º, parágrafo primeiro da Constituição.

Os estados também respondem por atos de seus particulares, daí porque também de se advogar pelo respeito integral às convenções internacionais de direitos humanos por parte de uma empresa pública. Em termos de responsabilidade internacional do Estado brasileiro, este deve seguir a Opinião Consultiva 23/17 da corte interamericana em prevenir danos ambientais significativos, sem contar a obrigatória observância dos inúmeros parâmetros relativos a comunidades indígenas, quilombolas e tradicionais, como o da consulta livre, prévia e informada.

Ademais, o Brasil também adota o compromisso da OCDE e suas diretrizes para empresas multinacionais. Lá se lê que o Estado brasileiro e suas empresas multinacionais devem: “Realizar due diligence sobre direitos humanos adequada à sua dimensão, natureza e âmbito das operações e da gravidade dos riscos de efeitos adversos aos direitos humanos”.

Portanto, em eventuais danos ambientais e violações de direitos humanos correlatas dentro do território nacional, para a responsabilização do financiador, deve haver a comprovação do nexo de causalidade e do risco criado. Já para reparações por danos morais coletivos, daí de se invocar diretamente os tratados de direitos humanos.

Por sua vez, para eventuais danos e violações fora do território nacional, como em África ou América Latina, com financiamento brasileiro, existe a possibilidade aí de acionamento do mecanismo de mediação por meio do ponto de contato nacional das diretrizes da OCDE, para que então os bancos de fomento também passem a adotar a cultura das diligencias devidas em meio ambiente e direitos humanos.



[1] RASLAN, Alexandre Lima. Responsabilidade civil ambiental do financiador. Livraria do Advogado, Porto Alegre: 2012, p. 275.
[2] Id. p. 269.
[3] BALERONI, Rafael Baptista. Responsabilidade civil de financiadores por danos ambientais decorrentes de projetos por eles financiados. In: MILARE, Édis; DE MORAIS, Roberta Jardim; ARTIGAS, Priscila Santos; ALMEIDA, André Luís Coentro de. Infraestrutura no direito do ambiente. RT, São Paulo: 2016, p. 163.
[4] Id. p. 196.
[5] Cf. RASLAN, 2012, Op. Cit. pp. 274, 275.
[6] MENDONÇA, Paulo Augusto Furtado. Intervenção do Estado Brasileiro no setor financeiro: estudo sobre o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico Social. Dissertação de Mestrado, FDUSP, São Paulo: 2005, p. 113

Autores

  • é advogado, mestre e doutorando em Filosofia do Direito e do Estado pela PUC-SP, onde integra o grupo de pesquisas em Direitos Fundamentais. É professor convidado do curso de especialização em Direito Constitucional da PUC-SP.

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