Opinião

Apontada como solução, previdência complementar é sistema falho e inseguro

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25 de março de 2018, 6h52

O déficit da Previdência, alardeado por uns e negado por outros, realmente existe e está situado no setor público federal. Tanto isso é verdade que, em 30 de outubro de 2017, foi editada a Medida Provisória 805, elevando a alíquota de contribuição dos servidores públicos federais de 11 para 14% ao mês.

O Brasil está no auge de um caos previdenciário histórico. Faltam recursos nas esferas federal, estadual e municipal. Alguns estados atrasaram o pagamento dos servidores aposentados e também dos ativos, enquanto outros estão retardando a posse dos candidatos aprovados em concurso público. Em São Paulo, os servidores municipais estão em greve contra a adoção da previdência complementar e elevação da alíquota de contribuição de 11 para 14%, ou até 18,2 % por mês para as rendas mais altas, para sanar um déficit de R$ 4,6 bilhões da prefeitura. Na previdência complementar, ou fundos de pensão, os descontos compulsórios para equacionar déficits já chegaram em patamares absurdos de até 40% por mês.

Segregação e déficit previdenciário da União
Os servidores públicos antigos da União não são culpados pelo déficit da Previdência. Eles contribuem com 11% sobre a totalidade dos rendimentos, e a administração pública, com mais 22%, totalizando 33%. Essa alíquota é mais que suficiente para garantir a eles a aposentadoria integral prevista na regra vigente ao tempo da posse. A causa do déficit é a segregação decorrente da mudança do regime de repartição para o de acumulação de recursos.

A Previdência Social dos Servidores da União (RPPS) foi instituída no regime solidário de repartição, de conta coletiva. Todo mês, arrecada as contribuições de servidores novos e antigos para pagar aposentadorias e pensões. Em 2012, a União instituiu a Fundação de Previdência Complementar dos Servidores Públicos (Funpresp) no regime de acumulação, de conta individual. A partir de 4/2/2013, as contribuições dos 63.259 novos servidores, assim como a contrapartida da União ao RPPS, foram limitadas ao teto previdenciário (R$ 5.645,80 em 2018). As contribuições acima desse limite foram direcionadas para a previdência complementar Funpresp, em conta individual do servidor. A União também passou a depositar sua contrapartida (sobre os valores acima do teto) nessa conta individual.

Quebrou-se, assim, o pacto entre as gerações — o pacto intergeracional, pilar do sistema idealizado por Otto von Bismarck em 1880. Como resultado, a Previdência dos servidores públicos federais entrou num déficit bilionário crescente, exigindo contribuições cada vez mais altas. No final de 2017, a MP 805/2017 aumentou a alíquota deles em 3%, mas é insuficiente[1].

Essa situação insustentável da Previdência já foi anunciada há um ano pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea)[2].

Segregação e déficit previdenciário nos estados
Nesse contexto caótico, sete estados que adotaram a previdência complementar são os mais deficitários do país e estão com déficits bilionários. São eles: Espírito Santo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Bahia, Minas Gerais, Santa Catarina e São Paulo[3].

Essa conclusão só foi possível após pesquisa e compreensão do fenômeno ocorrido com os fundos de pensão. Os primeiros Planos de Benefício Definido (BD), solidários e de conta coletiva, foram segregados com a migração dos novos trabalhadores para o sistema de contas individuais e são hoje os mais deficitários do país. Em 2017, o déficit dos fundos de pensão chegou R$ 77,6 bilhões.

Nesse contexto, o desafio é encontrar uma solução para esse déficit crescente. Se, por um lado, a adoção da previdência complementar para os servidores públicos é benéfica por reduzir a contrapartida da União, de 22% para 8,5%, por outro, gera a segregação. O RPPS continua obrigado a pagar as aposentadorias e pensões dos servidores antigos, anteriores a 2003, sem contar com as contribuições dos novos servidores, os quais estão depositando em contas individuais. Além disso, a previdência complementar apontada como solução é um sistema falho e inseguro, minado pela ingerência patronal e política.

Que venham as propostas para uma reforma completa da Previdência e da previdência complementar, restabelecendo a segurança jurídica de ambas. A aposentadoria, assim como seu complemento, é direito fundamental merecedor de proteção e amparo.


[1] Setor público da União – RPPS foi segregado e tem déficit bilionário crescente. Blog Idade com dignidade, São Paulo, 14/2/2018. Disponível em: https://www.idadecomdignidade.com.br/single-post/2018/02/14/Reforma-da-Previd%C3%AAncia-Setor-p%C3%BAblico-da-Uni%C3%A3o-%E2%80%93-RPPS-foi-segregado-e-tem-d%C3%A9ficit-bilion%C3%A1rio-crescente
[2] Coordenador do Ipea comenta os riscos para as gerações futuras sem a reforma da Previdência. Ipea, 13/2/2017. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=29411
[3] Crise financeira dos estados é resultado do maior erro previdenciário de todos os tempos. Blog Idade com dignidade, São Paulo, 16/2/2018. Disponível em: https://www.idadecomdignidade.com.br/single-post/2018/02/16/Crise-financeira-dos-estados-%C3%A9-resultado-do-maior-erro-previdenci%C3%A1rio-de-todos-os-tempos

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