Olhar Econômico

Hesitação do Inpi contribui para a insegurança jurídica

Autor

  • João Grandino Rodas

    é sócio do Grandino Rodas Advogados ex-reitor da Universidade de São Paulo (USP) professor titular da Faculdade de Direito da USP mestre em Direito pela Harvard Law School e presidente do Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (Cedes).

22 de março de 2018, 8h05

Spacca
Repercutiu muito na imprensa nacional[1], tanto em jornais de grande circulação quanto em publicações especializadas, a recente manifestação do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi) acerca da validade de uma patente da empresa Monsanto para uma de suas tecnologias utilizadas atualmente na agricultura da soja[2].

Consoante essas notícias, o Inpi teria mudado seu entendimento sobre se dado invento pode ou não ser patenteado, após transcorridos alguns anos da conclusão do procedimento administrativo interno, fundamentado nos requisitos legais vigentes à época da concessão, constantes da Lei 9.279/96.

Analisando os artigos dessa lei, que tratam do processo administrativo de nulidade de uma patente, tem-se que a competência para a tomada de decisão acerca da anulação ou não de uma patente já concedida, após cumprido todo o trâmite administrativo em que houve amplo contraditório, é do presidente do Inpi. Transparece, entretanto, das notícias veiculadas sobre o assunto, que o parecer do Inpi pela nulidade da patente da Monsanto não foi chancelado pelo Presidência da autarquia.

A jurisprudência[3] comprova não ser este o primeiro caso em que o Inpi opina de forma diversa daquela por ele adotada na esfera administrativa.

A aparentemente mutabilidade de posicionamento da autarquia faz aflorar questão que merece urgente enfrentamento por parte da jurisprudência e da doutrina; qual seja, a instabilidade e insegurança reais, que defluem da mera possibilidade de a administração pública rever seus próprios atos, apenas invocando como justificativa, genericamente, a necessidade de observância do princípio da legalidade.

Não parece razoável que, num procedimento judicial recém-instaurado por terceiro, o ente da administração pública, que concedeu o direito atacado, a priori se manifeste contra a concessão, sem que tenha havido contraditório e sem, aparentemente, ter surgido dado novo relevante embasador da mudança repentina de posicionamento.

Se, de um lado, a administração pública não pode convalidar atos ilegais; de outro tenha-se em mente que a segurança jurídica possui respaldo constitucional, tendo a observância da boa-fé objetiva sido positivada no artigo 2º, inciso IV, da Lei 9.784/1999. Esses princípios devem ser sopesados, levando em conta o interesse público no desenvolvimento tecnológico, ao conceder privilégio temporário para receber em troca o conhecimento revelado num pedido de patente.

Nesse sentido, a administração pública deve também zelar pela manutenção de atos administrativos por ela praticados que contemplam direitos aos administrados, com expectativa legítima de continuidade prevista em lei.

O dano em potencial derivado da mudança de posição do Inpi com relação a uma patente por ele concedida decorre da quebra de confiança e de expectativa de continuidade legítima do exercício do direito que a autarquia concede aos administrados.

É extremamente importante que o Inpi, na concessão de uma patente, esteja igualmente comprometido com os efeitos do seu ato vinculado, de forma a garantir a segurança jurídica necessária às relações jurídicas e comerciais que são estabelecidas a partir da concessão.

A necessidade de respeitar as expectativas legítimas criadas por decisões passadas é primordial para garantir a validade de todos os atos e decisões subsequentes emitidos pela administração pública. Qualquer mudança brusca de posicionamento sem fundamento compromete de forma irreparável a estabilidade e a segurança que também devem legitimar os atos da administração pública, além de contribuir para o aumento do custo Brasil.

As expectativas legítimas criadas por atos administrativos estão constitucionalmente no mesmo patamar do dever de observância ao princípio da legalidade. Ambos os princípios são ferramentas hermenêuticas na resolução de um caso concreto e servem para a promoção do Estado Democrático de Direito.


[1] http://www.valor.com.br/agro/5274843/inpi-julga-procedente-pedido-para-anular-patente-de-soja-da-monsanto; https://www.noticiasagricolas.com.br/noticias/agronegocio/206616-inpi-sugere-que-patente-intacta-da-monsanto-no-brasil-pode-ser-anulada.html#.WrFtZ1io5WI; https://www.dinheirorural.com.br/aprosoja-posicao-do-inpi-e-pela-nulidade-da-patente-da-intacta-da-monsanto/; https://istoe.com.br/aprosoja-posicao-do-inpi-e-pela-nulidade-da-patente-da-intacta-da-monsanto/; https://exame.abril.com.br/negocios/inpi-sugere-que-patente-intacta-da-monsanto-pode-ser-anulada/; http://www.portaldoagronegocio.com.br/noticia/inpi-reconhece-nulidade-da-patente-da-monsanto-168106; https://br.reuters.com/article/topNews/idBRKBN1D91AJ-OBRTP; http://www.canalrural.com.br/noticias/soja/soja-rr2-avanca-possivel-anulacao-patente-monsanto-71558
[2] No jornal Valor Econômico, por exemplo, foi dito que “o INPI julgou procedente o pedido de nulidade da patente Intacta RR2 detida pela Monsanto, feito pela Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja-MT), em ação judicial contra a empresa”.
Já no site Notícias Agrícolas foi noticiado que “um parecer da área técnica do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI)concluiu que uma patente de semente de soja da multinacional Monsanto, a Intacta, resistente a lagartas e tolerante ao herbicida glifosato, merece ser anulada. (…) Segundo o parecer do INPI, a patente está em desacordo com algumas regras da lei de patentes, como por exemplo a falta de clareza sobre a inovação presente na semente. ‘Com base no analisado, não é possível o reconhecimento da atividade inventiva’, diz o instituto”.
[3] "Assim sendo, não se vislumbra falta de juridicidade na sentença por ter o Juízo, com amparo nos princípios da segurança jurídica e da confiança legítima, perfilhado as sólidas conclusões do laudo pericial, inclusive homologando-o na sua decisão, em detrimento do posicionamento claudicante do INPI que, primeiro concedeu a patente, depois de examiná-la por nove longos anos e, agora, no curso desse processo, alterou seu entendimento várias vezes, ora considerando a patente válida, ora inválida, fatos que, à toda evidência, não contribuem para formar o convencimento do julgador" (Apelação Cível 0024644-18.2012.4.02.5101 (2012.51.01.024644-7), Turma Especializada I, relator: desembargador Federal ANTONIO IVAN ATHIÉ, julgamento: 20/4/2017).

 

AGRAVO DE INSTRUMENTO. PATENTE DE INVENÇÃO. NECESSIDADE DE PERÍCIA. REUNIÃO DE PROCESSOS. ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA. SUSPENSÃO DOS EFEITOS.

1. A realização da prova pericial se encontra legitimamente demonstrada pela complexidade da matéria (nulidade de patente de invenção por ausência dos requisitos para sua concessão), de ordem eminentemente técnica, situação processual que é deveras agravada ante os posicionamentos divergentes adotados pela própria autarquia patentária, em momentos distintos, bem como pelos documentos colacionados pelas demais partes do processo. (…)

6. Embargos de declaração de fls. 890/892 julgados prejudicados e agravo de instrumento desprovido.

(Agravo de instrumento nº 2011.02.01.002281-2; 26 de julho de 2011 ; 2ª Turma Especializada; Relatora: LILIANE RORIZ

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  • é professor titular da Faculdade de Direito da USP, presidente do Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (Cedes) e sócio do escritório Grandino Rodas Advogados.

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