Falsa promessa

Extradição de empresário para o Brasil pode contrariar acordo com Portugal

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22 de março de 2018, 7h18

A situação de um empresário preso em Lisboa na primeira fase internacional da operação “lava jato”, em 2016, pode causar fissuras no entendimento sobre extradição e reciprocidade entre Brasil e Portugal.

Raul Schmidt Felippe Junior teve a prisão decretada pelo juiz federal Sergio Moro. Naturalizado português, ele é alvo de duas ações penais, sob acusação de ter pagado propina a ex-diretores da Petrobras em troca de benefícios a empresas estrangeiras em contratos com a estatal.

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Raul Schmidt, naturalizado português, foi preso em Lisboa por ordem de Moro.
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Em janeiro de 2018, o Judiciário português determinou o envio de Schmidt para o Brasil, e a medida foi referendada pelo Ministério da Justiça do país europeu.

O problema é que, embora a Constituição de Portugal permita a extradição de seus cidadãos em condições de reciprocidade estabelecidas em convenção internacional, o Brasil não tem como assegurar essa igualdade de tratamento. Afinal, o artigo 5º da Constituição Federal proíbe a extradição de brasileiro nato.

À ConJur, o advogado Diogo Malan – o criminalista brasileiro que há mais tempo atua no caso – criticou a “falsa promessa de reciprocidade feita pelo Brasil” no caso do empresário.

“A cooperação jurídica internacional penal deve ser pautada por legalidade, veracidade e respeito aos direitos fundamentais do arguido. A promessa de extradição de cidadãos brasileiros natos a Portugal, por violar cláusula pétrea constitucional (artigo 5º, LI), consiste em inédito e gravíssimo precedente de falsa promessa de reciprocidade feita pelo Brasil.”

A defesa do empresário pediu, no fim de janeiro, que o Ministério da Justiça do Brasil reconsiderasse o pedido de extradição dele. Em petição, Malan e os advogados Flávio Mirza e André Mirza, do Mirza & Malan Advogados, e Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, do Almeida Castro Advogados Associados, alegam que não há amparo legal para a medida.

“É gritante e insofismável a conclusão de que em sendo o extraditando cidadão português nato, o Brasil não tem mais como manter a promessa de reciprocidade originalmente feita ao governo português”, ressaltou a defesa.

Contudo, o pedido foi negado pelo Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI), órgão vinculado ao Ministério da Justiça. O DRCI disse que apenas analisa a forma de instrução do pedido de extradição, pois quem decide a viabilidade jurídica da medida é o Estado requerido – Portugal, no caso. Dessa maneira, o departamento afirmou não ter competência para reconsiderar seu aval ao envio de Schmidt para o Brasil.

Os advogados de Schmidt recorreram, sob o argumento de que o órgão “exerce papel de protagonismo na extradição ativa”. Basta ver a Lei de Migração (Lei 13.445/2017) e o Manual de extradição do Ministério da Justiça. As normas dizem que o Executivo deve analisar a admissibilidade do pedido para verificar se ele está na forma exigida por acordo ou pela legislação.

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Para Diogo Malan, empresário não pode ser extraditado, já que virou português nato.
TJ-AM

A defesa do empresário também rebateu o argumento do DRCI de que a nacionalidade originária dele é “causa de recusa facultativa do Estado requerido [Portugal]”, conforme a Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.

De acordo com os advogados, a norma que proíbe extradição de brasileiros natos, estabelecida pelo artigo 5º, LI, da Constituição Federal, não pode deixar de valer por causa do Decreto 7.935/2013, que introduziu a convenção no ordenamento jurídico brasileiro. 

“No processo de extradição ativa, o Estado brasileiro deve pautar suas relações com o Estado requerido pela veracidade, boa-fé e transparência, não podendo empregar ardis, estratagemas ou subterfúgios – notadamente manter promessa de reciprocidade de tratamento (ou seja, promessa de extraditar brasileiros natos para Portugal) que já sabe de antemão que jamais teria condições jurídicas de cumprir, à luz da cláusula petrificada no artigo 5º, LI, do texto magno”, diz a defesa.

Troca de nacionalidade
Raul Schmidt transferiu seu domicílio fiscal para Portugal em 2010. No ano seguinte, ele se naturalizou português por ser neto de lusitanos.

A partir de 2015, uma lei do país reconheceu que naturalizados têm o direito de ser considerados portugueses natos. Para a medida entrar em vigor, era preciso alterar o Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, o que deveria ser feito em até 30 dias após a promulgação da Lei Orgânica 9/2015. No entanto, isso só aconteceu em junho de 2017. Nesse período, o governo brasileiro requisitou a extradição de Schmidt.

Em 11 de julho de 2017, após as modificações ao regulamento passarem a valer, ele pediu para ser considerado português nato. Essa condição produz efeitos jurídicos retroativos ao nascimento da pessoa, afirmou em parecer Rui Manoel Moura Ramos, catedrático de Direito Administrativo da Universidade de Coimbra.

Sendo português de origem, Schmidt não pode ser extraditado. Assim, a decisão administrativa da ministra da Justiça lusitana é inválida, apontou em outro parecer Paulo Otero, professor catedrático da Universidade de Lisboa. Isso porque a ordem foi baseada em um pressuposto jurídico que não existe mais – o de que empresário era português naturalizado.

Próximos passos
Em fevereiro, um tribunal de segunda instância português decidiu que Raul Schmidt pode aguardar em liberdade o julgamento do pedido de revisão de seu processo de extradição.

No Brasil, ainda há três pedidos de Habeas Corpus para tentar revogar a promessa de reciprocidade feita pelo Ministério da Justiça a Portugal. As ações constitucionais correm no Superior Tribunal de Justiça, no Tribunal Regional Federal da 1ª Região e na 10ª Vara Federal do Distrito Federal.

No fim de janeiro, o vice-presidente do STJ, ministro Humberto Martins, negou liminarmente o pedido de suspensão do processo de extradição do empresário.

Clique aqui para ler a íntegra da petição ao DRCI.

Clique aqui para ler a íntegra do recurso ao DRCI.

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