Opinião

Rescisão contratual de trabalho intermitente tende a ser letra morta

Autor

  • Lisiane Valéria Linhares Schmidel

    é advogada consultora mestranda em Direito pela Fadisp sócia-fundadora da Schmidel & Associados Advocacia pós-graduada em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes (RJ) e em Direito Empresarial Negocial e do Consumidor pela Fundação Escola do Ministério Público do Estado de Mato Grosso. É membro do Instituto Brasileiro de Práticas Colaborativas.

18 de março de 2018, 10h40

Algumas das novidades inseridas pela Lei 13.467/2017, a tão polêmica reforma trabalhista, dizem respeito à criação de uma modalidade de resolução contratual dita por “acordo" entre as partes, inserida pelo artigo 484-A da nova redação, a qual dispõe o seguinte:

"Art. 484-A – O contrato de trabalho poderá ser extinto por acordo entre empregado e empregador, caso em que serão devidas as seguintes verbas trabalhistas".

Provavelmente, a nova modalidade de extinção contratual, consubstanciada no conceito de flexi-segurança pós-Diretiva 21 da União Europeia, fora criada como uma alternativa à já praticada extinção “por acordo”, que ocorria, ou ainda ocorre, quando uma das partes da relação empregatícia desejosa de livrar-se do vínculo contratual, contudo sem querer arcar com o ônus financeiro de sua decisão, propõe à outra parte um acordo, que normalmente envolve a dispensa sem justa causa do empregado, com aparente garantia do pagamento integral das verbas rescisórias, mas mediante a devolução integral ou parcial de parte das verbas "por fora", frequentemente a multa devida sobre o saldo depositado de FGTS, cujo montante costuma ser significativo no acúmulo total dos valores devidos à título de rescisão contratual.

Uma vez que um dos intuitos primordiais da reforma laboral é justamente reduzir o custo do contrato de emprego, inclusive no ato da rescisão, bem como eliminar ao máximo a informalidade, deve-se compreender que esta nova forma de resolução contratual esteja incluída nesse anseio, já que de certa forma pode ser considerada uma espécie de “fraude consentida”, e com a nova norma passa a vigorar de forma legítima, sem que as partes tenham de entrar em um conluio para atender a ambos os interesses.

Sem embargos, o acordo praticado no dia a dia com vista a impedir o prejuízo total de ambas as partes é mais atraente do que aquele previsto pela novel legislação, já que o "acordo" praticado, via de regra, representava o ônus ao empregado de devolver apenas uma das parcelas rescisórias pagas, e normalmente se priorizava a multa de FGTS, integralmente ou parcialmente devolvida, enquanto o empregador beneficiava-se com uma redução dos custos rescisórias. Assim, muitos vezes ambos estavam satisfeitos com esse modelo de "acordo".

A extinção do contrato de emprego por acordo previsto no artigo 484-A da CLT, por sua vez, impõe ao empregado a redução de duas parcelas relevantes em sua rescisão contratual, que são a multa de 40% do FGTS e o aviso prévio indenizado, ambas pela metade. A economia representada ao empregador é semelhante ao ressarcimento da multa integral do FGTS, enquanto o empregado perde uma das verbas integralmente, considerando uma pela outra.

Mas a perda mais importante sofrida pelo empregado que ajusta um acordo de extinção contratual não é necessariamente a subtração parcial das aludidas verbas, mas da supressão do direito à habilitação ao programa do seguro-desemprego, já que não poderá ingressar no programa, o que lhe retira um período de pelo menos três meses de indenização, a garantir um mínimo ao seu sustento até um novo emprego.

Já o trabalho intermitente, com suas peculiaridades de espécie de contrato por prazo indeterminado, não obstante possibilite ao empregado ter vários empregos em caráter intermitente, quando da rescisão contratual, os efeitos são semelhantes à extinção do contrato por acordo, já que também há a redução parcial da indenização pelo aviso prévio e multa do FGTS, vedado também o ingresso ao seguro desemprego (artigo 452-E e ss).

No caso do trabalho intermitente, ainda há outras peculiaridades no ato da rescisão contratual, que no tocante ao aviso prévio deve ser indenizado em qualquer hipótese (exceto justa causa) e extraído da base média remuneratória dos último 12 meses em que efetivamente houve recebimento. Ou seja, se o contrato durou 24 meses, mas o empregado fora convocado apenas em 14, será aferida a média da soma dos valores pagos durante os 14 meses para se obter o valor devido do aviso prévio, pago ainda, pela metade.

Então podemos perceber que com o histórico dos direitos rescisórios brasileiros a partir da Consolidação das Leis do Trabalho, bem como o compilado normativo posterior, a par da Lei do FGTS, seguro-desemprego e aviso prévio, o empregado brasileiro habituou-se a receber uma gama de vantagens, em caso de dispensa imotivada, como forma de compensação pela perda do emprego, bem como garantido um período de benesse social que lhe possibilita um fôlego até a recolocação no mercado de trabalho.

Assim, a sistemática criada no modelo rescisório acima descrito, tanto em razão da rescisão por comum acordo como a rescisão de contrato especial de emprego em nada atrai o empregado, muito pelo contrário, possivelmente a rescisão de comum acordo apenas ocorrerá quando o empregado já possuir um novo emprego em vista, ao passo que o contrato intermitente provavelmente atenderá um público de maior dificuldade de ingresso no mercado de trabalho, como os jovens que buscam o primeiro emprego e idosos já aposentados ou com empregabilidade comprometida.

Entretanto, no caso da rescisão de comum acordo, não alcançará a sua intenção prática de substituir os "acordos" feitos nos bastidores entre patrões e empregados, já que estes dificilmente abrirão mão de benefício tão importante como o seguro-desemprego, ao passo que ao empregador o interesse continuará focado na redução do custo com cada rescisão, havendo maior vantagem em se manter essa prática fraudulenta, mas muito eficiente do ponto de vista de atender a ambos os interesses, o que faz com que concluamos pela descrença no sucesso destes novos institutos, cuja chance de tornarem-se pouco praticados e até letra morta não pode ser desprezada.

Autores

  • é sócia-fundadora da Schmidel & Associados Advocacia, pós-graduada em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes (RJ) e em Direito Empresarial, Negocial e do Consumidor pela Fundação Escola do Ministério Público do Estado de Mato Grosso. É membro do Instituto Brasileiro de Práticas Colaborativas.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!