4 anos de operação

Para força-tarefa, maior ameaça à "lava jato" é o fim da prisão antecipada

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17 de março de 2018, 13h47

A maior ameaça à operação "lava jato" não é a possibilidade de um boicote aberto e direto do governo ou de outro poder da República, cujos membros estejam sendo investigados por crimes e irregularidades, mas o fim da prisão após decisão da segunda instância da Justiça, segundo membros da força-tarefa. Para eles, se o Supremo Tribunal Federal rever o fim da prisão antecipada e voltar a aplicar o que diz exatamente a Constituição, estará, na prática, enterrando o combate à corrupção e à impunidade no Brasil.

PRR-4
Nesta sexta-feira (16/3), membros da força-tarefa da "lava jato" falaram sobre a operação após quatro anos de trabalhos.
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Nesta sexta-feira (16/3), os procuradores do Ministério Público Federal que comandam a "lava jato" falaram com a imprensa na sede da Procuradoria Regional da República da 4ª Região (PRR-4), em Porto Alegre, para apresentar um balanço dos quatro anos da operação.

O procurador Deltan Dallagnol, que coordena a força-tarefa da operação em Curitiba, destacou que, "se a prisão for executada após a decisão em segunda instância, nós tendemos a ter um processo e uma resposta à sociedade dentro de um tempo razoável". "Se houver postergação para depois da terceira ou quarta instância, o momento da prisão e a resposta que a sociedade tanto espera serão, na prática, enviados para as calendas gregas." 

No caso da "lava jato", trata-se de corrupção sistêmica, que precisa de resposta efetiva — o que ainda não aconteceu, diz. E um dos modos de se responder à corrupção seria pela via da punição. "Agora, a punição não pode acontecer de um modo episódico, num caso específico. Ela precisa acontecer de um modo geral. Quanto maior a probabilidade de punição, maior o efeito dissuasório."

Para Dallagnol, de pouco adianta instituições fortes sem instrumentos adequados para combater a corrupção. No cenário atual, entende o procurador, a operação "tira água de pedra", pois é um caso excepcional que oferece respostas à sociedade, já que a regra, no Brasil, é a impunidade dos crimes do "colarinho branco". 

"Nós precisamos atacar a corrupção mudando esse sistema de Justiça, que privilegia a impunidade. Precisamos agir em diversas frentes: reforma no sistema político, melhora nos sistema de licitações, transparência, participação da sociedade no controle das contas públicas etc.", argumentou.

O mesmo pensamento foi compartilhado pela procuradora da República Maria Emília Corrêa da Costa Dick, coordenadora da "lava jato" na sede da PRR-4. Além de ressaltar os avanços e conquistas da força-tarefa, ela defendeu a manutenção da prisão após a condenação no segundo grau, pois o Brasil vive um momento que não admite mais retrocessos.

"Nós temos que começar a entender que esses precedentes [que admitem a prisão na segunda instância] devem valer para todos em todas as circunstâncias, para que possamos evoluir como sociedade e como país."

Grande feito
Pela manhã, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, esteve na sede da PRR-4 para "estreitar estratégias" e avaliar os trabalhos da força-tarefa, junto com os também procuradores Francisco Sanseverino (Procuradoria-Geral da República), Carlos Aguiar (PRR-2) e Eduardo El-Hage (PR-RJ).

Nos 10 minutos em que falou com a imprensa, Raquel creditou à "lava jato" o mais concreto feito contra a corrupção no Brasil, por fazer a lei valer para todos, sobretudo para os que têm influência e que se apropriaram de recursos públicos desviados de serviços essenciais para a população.

Ela reiterou apoio para intensificar investigações da operação e de seus desdobramentos. Destacou que a busca por resolutividade é estratégia prioritária em sua gestão. Por isso, tem feito novos acordos de colaboração e ajustado acordos já submetidos ao Supremo Tribunal Federal, além de solicitar diligências e providências tanto nos inquéritos quanto nas ações penais. "Há muito a fazer, e estamos redobrando o esforço. Queremos resolutividade e continuidade."

Prestação de contas
A primeira fase da "lava jato" foi deflagrada em 17 de março de 2014, em Curitiba, com uma investigação sobre a atuação de quatro doleiros: Nelma Kodama, Raul Srour, Alberto Youssef e Carlos Habib Chater. A operação ficou sob a competência da 13ª Vara Federal Criminal do Paraná devido aos crimes de lavagem de dinheiro cometidos por Youssef em benefício de empresa com sede em Londrina (PR). Essa empresa era de propriedade do ex-deputado federal José Janene (PP-SP), morto em 2010.

Com o avanço das investigações e a deflagração de novas fases, descobriu-se a ligação do doleiro com o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa e, consequentemente, um esquema de corrupção instalado na estatal. Diretores recebiam propina para fraudar licitações e superfaturar obras em benefício de cartel de empreiteiras, além encaminhar recursos ilícitos a agentes políticos e partidos.

O andamento da operação revelou que os desvios de recursos públicos ocorreram em diversos órgãos e empresas públicas, como Eletronuclear, Ministério do Planejamento e Caixa Econômica Federal, e em obras como a Ferrovia Norte-Sul, em Goiás, e a construção da Usina de Belo Monte, no Pará.

A celebração de acordos de colaboração foi essencial para a descoberta dos crimes: 187 foram firmados, sendo que 84% deles foram feitos com investigados em liberdade.

Outros 11 acordos de leniência com pessoas jurídicas e um Termo de Ajustamento de Conduta também foram celebrados no âmbito da "lava jato". Por meios dos acordos de colaboração e de leniência, está prevista a recuperação de cerca de R$ 12 bilhões para os cofres públicos. Desse total, R$ 1,9 bilhão já foi devolvido.

Em quatro anos, ainda foram registrados 395 pedidos de cooperação internacional envolvendo 50 países, sendo 215 pedidos ativos (feitos pelas autoridades brasileiras) para 42 países e 180 pedidos passivos (recebidos do exterior) de 31 países. 

Números da "lava jato" no MPF
Acordos de colaboração
187 celebrados na Justiça Federal do PR e do RJ, no TRF-4 e no STF. Desses, 84% foram firmados com investigados em liberdade e 16% com investigados presos
Réus condenados em primeira instância
160 pessoas (pela 13ª Vara Federal de Curitiba e pela 7ª Vara Federal do Rio de Janeiro)
Réus condenados em segunda instância
77 pessoas (pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região)
Valor que colaboradores e empresas que firmaram acordos de leniência se comprometeram a devolver aos cofres públicos
Cerca de R$ 12 bilhões (em torno de R$ 1,9 bilhão já devolvido)
Valores que serão repatriados do exterior por meio de colaboração
Cerca de R$ 1,3 bilhão (R$ 149,5 milhões já foram repatriados)
Cooperação internacional
395 pedidos envolvendo 50 países
215 pedidos ativos (feitos pelas autoridades brasileiras) para 42 países
180 pedidos passivos (recebidos do exterior) de 31 países
Com informações da Assessoria de Imprensa da PRR-4.

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