Instabilidade no sistema

Ministro do STJ e professor questionam papel "iluminista" de cortes constitucionais

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16 de março de 2018, 19h54

Embora exista corrente que defenda um papel “iluminista” das cortes constitucionais, para desempenhar e promover avanços civilizatórios, o ministro do Superior Tribunal de Justiça Ricardo Villas Bôas Cueva e o professor da Uerj Gustavo Binenbojm manifestaram, nesta sexta-feira (16/3), preocupação em reconhecer essa função aos tribunais. 

Segundo eles, isso pode acabar com a racionalidade do sistema e promover insegurança jurídica. Ambos participaram de seminário sobre ativismo judicial no Rio de Janeiro, promovido pelo Fórum Permanente de Direito Tributário da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (Emerj).

Gilmar Ferreira
Ministro do STJ Ricardo Villas Bôas Cueva afirma que não há clareza do que seria uma atuação "iluminista" das cortes.
Gilmar Ferreira

O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, manifestou-se recentemente que, em situações excepcionais, as cortes constitucionais devem “empurrar a roda da história”.

Para o ministro, essas decisões não são contramajoritárias, pois não envolvem a invalidação de uma lei; nem representativas, já que não expressam necessariamente o sentimento da maioria da população.

Exemplos de tal atuação são a decisão da Suprema Corte americana que aboliu a segregação racial nas escolas públicas e a da Corte Constitucional da África do Sul que baniu a pena de morte. No Brasil, segundo o ministro, insere-se nessa categoria a decisão do STF que autorizou uniões homoafetivas.

Porém, Ricardo Villas Bôas Cueva afirmou que não há clareza do que seria uma atuação “iluminista”. “Há muita controvérsia sobre em que momento algo deve passar a fazer parte de uma agenda minimamente tolerável”, disse o ministro.

De acordo com o magistrado, em certos momentos, as cortes de todo o mundo passam a ter a mesma agenda e a agir de maneira mais ou menos semelhante. Isso vem ocorrendo com a permissão para casamentos homossexuais e a extensão de direitos civis a transgêneros.

No entanto, Bôas Cueva ressaltou que os tribunais não podem copiar demais o modelo colombiano de declarar o estado de coisas inconstitucional, como o STF fez com o sistema carcerário. Esse reconhecimento, na avaliação dele, cria uma “instabilidade enorme” no sistema jurídico.

“Os vanguardistas do iluminismo são bem vindos. O iluminismo ainda não acabou a sua missão. Mas é preciso ter racionalidade no sistema, para que ele não imploda”, avaliou o magistrado.

Embora tenha reconhecido que, em alguns casos, uma interpretação consequencialista do Direito pode ser positiva, o ministro disse ser preciso limitar o ativismo judicial. Para ele, magistrados não têm legitimidade para interferir em políticas públicas e precisam respeitar a expertise do Executivo e do Legislativo – especialmente de agências reguladoras.

Villas Bôas Cueva também apontou que o protagonismo judicial tem riscos. Para ele, decisões como a liminar do membro do STF Gilmar Mendes suspendendo a posse do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva como ministro do governo Dilma Rousseff “podem conduzir a uma série crise no sistema jurídico”.

Ele ainda afirmou que não é possível admitir interpretações que contrariem o texto legal. “A interpretação tem limites. Há limites textuais. Não se admite interpretações contratextuais. Os sentidos possíveis de uma norma formam um campo, e o magistrado tem alguma discricionariedade pra decidir dentro disso. Mas não contra o texto. Caso contrário, teremos uma séria crise de segurança jurídica”.

Crise de representatividade
No mesmo evento, Gustavo Binenbojm afirmou que discorda da atuação “iluminista” das cortes porque essa ideia é baseada em uma premissa falsa – a de que existem consensos universais claros sobre muitas matérias. Ele deu um exemplo de como não há entendimento

stf.jus.br
Binenbojm aponta que ativismo judicial nem sempre é progressista.

“Outro dia, no STF, discutiu-se a vaquejada. Nenhuma crítica quanto à questão da proteção dos animais pela crueldade. Mas um dos ministros [Barroso] chegou a dizer, no debate, não ter dúvidas de que todos nós seremos vegetarianos no futuro. Não há uma certeza universal quanto a isso. Esse exemplo mostra que há divergências claras [sobre certos temas]”.

“Não sou historicista. Não acredito que haja um sentido unívoco de progresso social”, ressaltou o professor da Uerj. “Isso [o papel “iluminista” das cortes] é uma porta aberta para um grau muito elevado de discricionariedade judicial, que gera muita insegurança jurídica”.

O ativismo judicial não é necessariamente progressista, destacou Binenbojm. Tomando a Suprema Corte dos EUA como exemplo, ele citou que o tribunal proferiu decisões liberais, como as que mitigaram a segregação racial no país e a que autorizou o casamento entre homossexuais.

No entanto, apontou, a corte também já foi ativista de forma conservadora. No caso Lochner v. New York, de 1905, o tribunal declarou inconstitucional uma lei do estado que fixava os limites de 10 horas diárias e 60 semanais para padeiros. Conforme os justices (ministros), a norma interferia indevidamente na liberdade individual de firmar contratos.

Outra decisão conservadora da corte foi a que impediu a recontagem dos votos na Flórida na eleição presidencial de 2000, praticamente entregando a vitória ao candidato do partido Republicano, George W. Bush, em detrimento do democrata Al Gore.

Gustavo Binenbojm também tem dificuldade em enxergar as cortes constitucionais como órgãos representativos da sociedade. Isso porque o papel contramajoritário é uma das funções mais importantes desses tribunais.

“É impossível ser representativo sem comprometer o papel contramajoritário. Agentes políticos são orientados pela vontade majoritária, para serem eleitos ou reeleitos. Quando o tribunal constitucional passa a se expor na opinião pública, ele perde. Evidentemente que um tribunal constitucional precisa proferir decisões impopulares. A defesa de minorias, o processo penal e a liberdade de expressão só são garantidos contra a opinião majoritária”, analisou.

Para frear o ativismo judicial do STF, Binenbojm propôs que a corte crie padrões de decisão e respeite precedentes judiciais.

Tipos de ativismo
O desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro Luciano Saboia Rinaldi de Carvalho, que preside o Fórum Permanente de Direito Tributário da Emerj, disse que não é o Judiciário quem deve definir os rumos do país.

Além disso, ele afirmou que uma norma prevalece sobre um princípio. “O juiz não pode deturpar a finalidade da lei. Se a norma existe, há métodos para a invalidação dela. Se há um conflito entre princípios, também há solução. O que não podemos é estimular a insegurança jurídica”, opinou.

Já o também desembargador do TJ-RJ André Gustavo Correa de Andrade diferenciou o ativismo judicial fraco do forte. Naquele, há uma postura interpretativa em relação ao Direito. Ainda é uma atividade jurisdicional. Contudo, este afasta as regras da Constituição ou introduz nela questões morais. Essa já não é uma atividade interpretativa, e sim política.

Citando o jurista e colunista da ConJur Lenio Streck, Andrade disse que a ideia de que a moral é um corretivo do Direito é “perigosa”. “Cada um tem a sua concepção moral. O ativismo forte é só é atraente quando decide como eu penso”.

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