Opinião

Ninguém é obrigado a fornecer senha do celular à polícia em abordagem ou blitz

Autor

  • Luiz Augusto Filizzola D'Urso

    é advogado especialista em Cibercrimes e Direito Digital professor de Direito Digital no MBA da FGV presidente da Comissão Nacional de Cibercrimes da Abracrim (Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas) e coautor da obra "Comentários à Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais".

16 de março de 2018, 6h58

Recentemente, os ministros da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiram, por unanimidade, em julgamento do Habeas Corpus 89.981, que o acesso a conversa no WhatsApp não autorizado pela Justiça, para obtenção de prova, é ilegal.

Importante ressaltar que essa decisão deveria servir de parâmetro para todos os casos em que ocorreu o acesso não autorizado a celulares.

No caso julgado, uma moradora desconfiou de atitude suspeita de indivíduos em frente à sua residência e chamou a polícia. No distrito policial, os agentes tiveram acesso às mensagens no celular de um dos suspeitos, nas quais eram passadas informações sobre imóveis que seriam furtados.

O ministro relator Reynaldo Soares da Fonseca, ao analisar o acesso a essas mensagens, sem prévia autorização judicial, decidiu que houve efetivamente a violação dos dados armazenados no celular, o que é vedado pelo inciso X do artigo 5º da Constituição Federal. Assim, determinou o desentranhamento das conversas pelo WhatsApp dos autos.

Sabe-se que, de acordo com a lei, o policial não pode obrigar ninguém a informar a senha de seu celular para a colheita de provas, em eventual abordagem ou blitz, salvo em casos com prévia autorização judicial. Entretanto, caso ocorra o acesso indevido, essa prova deverá ser tratada como ilegal.

A proteção dos dados no celular deve ir além da aplicação exclusiva do inciso X do artigo 5º da Constituição (como ocorreu no julgamento deste Habeas Corpus), pois, antigamente, todos os nossos documentos e informações estavam arquivados em nossas residências, sendo estas protegidas pela inviolabilidade do lar (inciso XI do artigo 5º da Constituição Federal). Hoje, quase todas as informações e documentos migraram para os celulares, assim, devemos ter a mesma proteção constitucional em relação às informações armazenadas em nossos smartphones, considerando-os invioláveis.

Há quem diga que o acesso ao celular poderia ocorrer no caso de fundada suspeita, pois o artigo 244 do Código de Processo Penal prevê a realização, por parte da polícia, de busca pessoal, sem a necessidade de mandado, quando houver suspeita do cometimento de algum ilícito. Todavia, em análise à hierarquia das normas, entende-se que a Constituição deve prevalecer, não devendo ser admitida, portanto, a justificativa da fundada suspeita no caso de acesso, sem ordem judicial, a celulares.

Desse modo, mais uma vez, verificamos que a Constituição Federal é a guardiã das nossas garantias individuais e, por conseguinte, protege o conteúdo de nossos celulares, salvo em casos de autorização judicial. Assim sendo, temos a blindagem constitucional das mensagens, fotos, e-mails, dados pessoais e bancários, também da agenda e de todas as outras informações presentes em nossos smartphones.

Portanto, pela lei, ninguém é obrigado a fornecer senha de seu celular à polícia, em eventual abordagem ou blitz.

Autores

  • é advogado criminalista do D'Urso e Borges Advogados Associados, especialista em cibercrimes, presidente da Comissão Nacional de Estudos dos Cibercrimes da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (Abracrim), pós-graduado pela Universidade de Castilla-La Mancha (Espanha), integrante da Comissão de Direito Digital e Compliance da OAB-SP e do Grupo de Estudos de Direito Digital da Fiesp.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!