Opinião

Fisco deve flexibilizar regras para exclusão de programa de parcelamento de débitos

Autor

  • Diogenys de Freitas Barboza

    é advogado tributarista no escritório Ferraz de Camargo Advogados pós-graduado no LL.M. em Direito Tributário pelo INSPER - Instituto de Ensino e Pesquisa presidente da Comissão de Direito Tributário da 104ª Subseção da OAB/SP

16 de março de 2018, 6h36

No atual instável cenário político-econômico que o país atravessa, onde há uma grande dificuldade de os contribuintes — especialmente as pessoas jurídicas — cumprirem com suas obrigações tributárias, denota-se comum o acúmulo de créditos não recebidos e percebidos por parte dos entes políticos responsáveis pela instituição, arrecadação e cobrança dos tributos existentes em nosso ordenamento jurídico.

Nesse contexto, tornou-se recorrente a instituição, por meio do instrumento legislativo pertinente, de programas especiais de parcelamentos de débitos em todos os âmbitos de competência do Fisco (quais sejam: federal, estadual e municipal), os quais visam aumentar a arrecadação do Estado; diminuir o déficit nas contas públicas bem como no montante pendente de recolhimento pelos contribuintes; e, consequentemente, estimular os contribuintes a efetuarem o pagamento de seus débitos na medida em que traz facilidade para isso ao conceder benefícios de grande valia.

Dentre esses benefícios supracitados, podemos mencionar o seguinte: reduções de juros, multas e encargos, seja na escolha de pagamento único dos débitos (com maior efeito de redução), ou na escolha de uma obrigação de trato sucessivo com uma grande quantidade de parcelas a serem recolhidas mensalmente até o pagamento total do débito (com menor efeito de redução).

Não há dúvidas de que os programas especiais de parcelamento são de suma importância para os contribuintes como também para os entes políticos, pois viabilizam o recolhimento de débitos — na grande maioria, tributários — que se encontram pendentes de pagamento, aumentando, destarte, a arrecadação.

Para efeito de conhecimento, vale destacar um pequeno histórico dos parcelamentos federais que já foram instituídos pelo governo federal:

Refis Características
Programa de Recuperação Fiscal (Lei 9.964/2000) Regularização dos créditos da União, decorrentes de débitos de pessoas jurídicas, relativos a tributos e contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal e pelo Instituto Nacional do Seguro Social.
Lei 10.684/2003 Instituiu parcelamento especial de débitos em até 180 meses para todos os débitos com a Fazenda Nacional (SRF e PGFN).
Medida Provisória 303/2006 Instituiu parcelamento especial de débitos em até 130 prestações mensais e sucessivas para os débitos de pessoas jurídicas junto à RFB, à PGFN e ao INSS.
Lei 11.941/2009 (conversão da MP 449/2008) – Refis da Crise Permitia o parcelamento de dívidas tributárias federais vencidas até 30 de novembro de 2008.
Lei 12.865/2013
e Lei 13.043/2014
O prazo de adesão ao programa de parcelamento do "Refis da Crise" foi reaberto até 31/12/2013 pelo artigo 17 da Lei 12.865/2013. Posteriormente, criou-se mais três prazos de adesão, em 2014, sendo o último para 1º/12/2014, este pela Lei 13.043/2014.
Lei 12.973/2014
e Lei 12.996/2014
Pela Lei 12.973/2014, sem seu artigo 93, houve nova reabertura desse prazo, que finalizaria em 31/7/2014. Pela Lei 12.996/2014, artigo 2º, o prazo de adesão foi ampliado para 25/8/2014 (data fixada pela MP 651/2014), compreendendo os débitos vencidos até 31/12/2013.
Medida Provisória 766/2017 (Programa de Regularização Tributária) Instituiu o Programa de Regularização Tributária junto à Secretaria da Receita Federal do Brasil e à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.
Lei 13.496/2017 Instituiu o Programa Especial de Regularização Tributária (Pert) na Secretaria da Receita Federal do Brasil e na Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.

A última lei acima relacionada, vale destacar, adveio de um histórico legislativo bem peculiar. Inicialmente, através da Medida Provisória 783, de 31 de maio de 2017, foi instituído o Programa Especial de Regularização Tributária, estabelecendo como prazo limite para sua adesão a data de 31 de agosto de 2017.

No entanto, em 30 de agosto de 2017, um dia antes do encerramento do prazo fixado pela Medida Provisória 783, foi instituída a Medida Provisória 798, a qual, ao alterar algumas disposições da referida MP 783/2017, prorrogou o prazo de adesão dos contribuintes ao Programa Especial de Regularização Tributária até a data de 29 de setembro de 2017.

Em continuidade às alterações, em 29 de setembro de 2017 foi instituída outra medida provisória, cujo número é 804, a qual, alterando mais uma vez as disposições existentes na Medida Provisória 783/2017, prolongou o prazo para a adesão dos contribuintes ao Programa Especial de Regularização Tributária até a data de 31 de outubro de 2017.

Após as alterações acima mencionadas, a Medida Provisória 783/2017 foi convertida na Lei 13.496/2017, a qual, em suas disposições, prorrogou outra vez o prazo para a adesão dos contribuintes ao Programa Especial de Regularização Tributária, desta vez até a data de 14 de novembro de 2017.

Diante desse cenário, se percebe o quão concentrado se mostrou o governo federal em prolongar a oportunidade de os contribuintes aderirem ao Programa Especial de Regularização Tributária. Isso porque, conforme visto acima, entendeu por bem prolongar o programa por três vezes, sendo duas por meio de medida provisória, e a última quando da conversão em lei.

Tais benesses, no entanto, possuem uma razão. São resultado de todo um contexto histórico de instituições de programas especiais de parcelamento de débitos, conforme visto acima, os quais possuem por finalidade conceder a possibilidade de os contribuintes efetuarem o recolhimento de suas pendências tributárias de modo a viabilizar, destarte, o recebimento dos montantes pelo Fisco.

Diante disso, demonstrado o favorável cenário para adesão aos Programas de Parcelamento Incentivado, vale destacar a uniformidade que existe quanto à exclusão dos contribuintes desses programas quando há a falta de recolhimento de algumas parcelas.

Normalmente, o instrumento legislativo que institui o programa prevê que a falta de pagamento de três parcelas possui o condão de excluir o contribuinte do parcelamento[1]. Essa previsão, vale mencionar, é levada a rigor, e seu cumprimento denota-se efetivo pelo Fisco quando há o preenchimento dos requisitos necessários para a exclusão do contribuinte dos programas especiais de parcelamento, nessa hipótese, tratando-se da falta de recolhimento de algumas parcelas.

Vale destacar que, não obstante a grande facilidade de adesão pelos contribuintes aos programas especiais de parcelamento e a grande possibilidade de prorrogação do prazo — conforme visto acima — para que a adesão ocorra, certo é que não há nenhum tipo de flexionamento dos requisitos para a exclusão dos contribuintes do parcelamento.

Em que pese tenham os contribuintes se posicionado intencionalmente ao pagamento efetivo de seus débitos através da adesão ao parcelamento, um pequeno descuido de suas partes — na grande maioria das vezes por ausência de culpabilidade — possui o condão de excluí-los efetivamente dos programas especiais de parcelamento.

Nesse contexto, questiona-se: não haveria uma desproporção irrazoável de excluir os contribuintes dos programas especiais de parcelamento ao não flexibilizar os requisitos que dão azo à efetivação da exclusão em algumas hipóteses do caso concreto? A grande possibilidade de o Fisco postergar o prazo para a adesão dos contribuintes aos programas especiais de parcelamento estaria em consonância de razoabilidade com as disposições referentes à exclusão dos contribuintes do parcelamento as quais são aplicadas com tamanha rigorosidade? O cenário político-econômico da atualidade não seria um fator essencial e necessário a se considerar?

De início, vale dizer que, com o advento da crise financeira que assola atualmente a economia brasileira, alguns contribuintes que aderem aos programas especiais de parcelamento podem eventualmente deixar de obter, por algum tempo, o faturamento necessário para a manutenção de suas atividades empresariais e cumprimento de suas responsabilidades tributárias.

Com o faturamento enxuto e o orçamento desequilibrado, são forçados a refazer o fluxo de caixa de acordo com a nova realidade, fazendo com que seja dada prioridade ao pagamento de algumas obrigações básicas em detrimento de outras, para viabilizar, principalmente, a sua operacionalidade, entre elas, pagamento de salários dos funcionários, de fornecedores e, na medida do possível, tributos, recolhidos, em algumas vezes, a destempo.

Não obstante, ao revés do que é aplicado na prática, esse cenário deve ser, de forma necessária, levado em consideração pelo Fisco quando da efetivação da exclusão dos contribuintes dos programas especiais de parcelamento. Isso porque, ao sopesar a preservação das atividades dos contribuintes com os requisitos formais de adesão a parcelamento de débitos, o Fisco deve optar por garantir, a depender do caso concreto, a continuidade das atividades empresarias dos contribuintes que aderiram ao parcelamento e que se encontram em uma situação econômica desfavorável.

A atividade empresarial desses contribuintes, vale destacar, resulta indubitavelmente em empregos, tributos e riquezas para o país, contribuindo, pois, diretamente para o desenvolvimento da sociedade, motivo pelo qual possui papel de fundamental importância na concretização dos direitos sociais e para o resgate do indivíduo como sujeito concreto de direitos.

Por essa razão, não se pode desconsiderar a atipicidade do momento econômico em que o país se encontra quando da efetivação da exclusão de contribuintes dos programas especiais de parcelamento.

Destarte, como continuidade dos argumentos aqui expendidos, não pode haver um desequilíbrio nas ações do Fisco quando este lança mão de algumas atitudes benéficas no momento de adesão dos contribuintes aos programas especiais de parcelamento — postergação do prazo para a sua adesão —, levando em consideração a necessidade de arrecadação de tributos, e esquecer de analisar e perceber, noutro ponto, que a exclusão dos contribuintes do parcelamento em algumas hipóteses pontuais acarretará, consequentemente, grande prejuízo tanto para aqueles que aderiram como para o próprio Estado.

Deve haver uma igualdade de interpretação em todo o processo legal e administrativo que existe quando nos referimos aos programas especiais de parcelamento, isto é, tanto no momento de seu início, durante seu processamento e também no momento em que há a possibilidade de finalizá-lo por eventuais irregularidades que maculem momentaneamente o mencionado acordo de débitos tributários.

Ao levar em consideração o atual cenário econômico do país e aplicar com razoabilidade as regras previstas para a efetivação da exclusão dos contribuintes, o Fisco estará privilegiando a preservação das atividades empresarias dos contribuintes e, consequentemente, manterá acesa e contínua a arrecadação dos tributos a ele devidos.

Na ponderação do interesse público com o privado, especificamente no que toca à dicotomia do poder de tributar em face da função social da empresa, deve prevalecer o interesse social de preservação da empresa como fundamento a ser alcançado pela República Federativa do Brasil, na busca dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (artigo 1°, inciso IV, da CF/88), principalmente porque atinge de forma direta, benéfica e razoável a esfera jurídica dos três sujeitos: o empregado, geralmente provedor da entidade familiar, o empreendedor e o Estado, privilegiando a necessidade de observância de princípios basilares do ordenamento jurídico como o da boa-fé, sob pena de paralisação ou, até mesmo, de encerramento das atividades empresariais dos contribuintes.

Diante disso, é possível opinar que seria totalmente razoável que o Fisco flexibilizasse as regras referentes à exclusão dos contribuintes dos programas especiais de parcelamento semelhantemente com o que veio a fazer quando da prorrogação por três vezes do prazo para adesão ao Programa de Regularização Tributária, para que, em atendimento às peculiaridades do caso concreto: (i) privilegie a preservação das atividades dos contribuintes que se encontrem em momento de crise financeira frente ao instável cenário econômico da atualidade; e, (ii) efetue uma panoramização igualitária quanto à interpretação e aplicação da lei instituidora do programa especial de parcelamento ao caso concreto.


[1] Art. 9° Observado o direito de defesa do contribuinte, nos termos do Decreto no 70.235, de 6 de março de 1972, implicará exclusão do devedor do Pert e a exigibilidade imediata da totalidade do débito confessado e ainda não pago:
I – a falta de pagamento de três parcelas consecutivas ou de seis alternadas; (LEI Nº 13.496, DE 24 DE OUTUBRO DE 2017);
Art. 1° Poderão ser pagos ou parcelados, em até 180 (cento e oitenta) meses, nas condições desta Lei, os débitos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil e os débitos para com a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, (…).
(…)
§ 9º A manutenção em aberto de 3 (três) parcelas, consecutivas ou não, ou de uma parcela, estando pagas todas as demais, implicará, após comunicação ao sujeito passivo, a imediata rescisão do parcelamento e, conforme o caso, o prosseguimento da cobrança. (LEI Nº 11.941, DE 27 DE MAIO DE 2009.

Autores

  • é advogado tributarista no escritório Correa Porto Sociedade de Advogados, estudante do Master of Laws (LL.M.) em Direito Tributário pelo Insper e membro efetivo da Comissão do Jovem Advogado da 104ª Subseção da OAB-SP.

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