Opinião

Fake news e os procedimentos para remoção de conteúdo

Autores

  • Alesandro Gonçalves Barreto

    é delegado de Polícia Civil do estado do Piauí e professor de cursos de Inteligência Cibernética pela Senasp/MJSP e Seopi/MJSP.

  • Marcos Tupinambá Martin Alves Pereira

    é bacharel em Direito especialista em Direito e Tecnologia da Informação pela Escola Superior de Advocacia da OAB-SP professor de cursos de pós-graduação em Direito Digital e da Academia de Polícia do Estado de São Paulo além de coordenador técnico do Laboratório de Análise de Crimes Eletrônicos (LAB-E) do Departamento de Inteligência da Polícia Civil de São Paulo.

11 de março de 2018, 6h13

Introdução
A disseminação de fake news através da internet representa grande desafio aos operadores do Direito, desde a atribuição da autoria delitiva até a remoção de conteúdo. Nesse diapasão, as redes sociais, sites e aplicativos de mensagens são, atualmente, os veículos mais utilizados para a propagação de boatos, afetando milhares de pessoas e, por vezes, o processo eleitoral, como ocorrera nas últimas eleições francesas e norte-americanas.

É certo que, em algumas situações, a disseminação de notícias falsas poderá ou não configurar crimes, demandando esforços por parte do operador do Direito para a responsabilização do autor da propagação. Em contrapartida, a investigação de crimes cometidos na divulgação de notícias falsas não deve cingir-se na atribuição da autoria. É recomendada uma atuação rápida visando a suspensão da divulgação do conteúdo ilegal. Uma ação eficaz e oportuna minimizará os estragos causados pela propagação de fake news. A regra é simples: mais tempo disponível, maior dano.

O ambiente das redes sociais é propício para a disseminação desse tipo de conteúdo, pois o algoritmo que o governa busca conteúdos que agradem aos usuários e, depois, estes mesmos tratam de pulverizar essas notícias, sem verificar a fonte, apenas porque o conteúdo os agrada no âmbito de suas convicções pessoais.

Para as redes sociais, é interessante, do ponto de vista negocial, que os usuários passem mais tempo utilizando seus produtos e interagindo com seus anúncios publicitários, pois, como é dito no meio do marketing digital, “se você não paga por um produto, você é o produto”. Assim, cria-se uma simbiose socialmente danosa, que deve ser combatida pelos provedores de aplicação, demonstrando haver um verdadeiro comprometimento com a “responsabilidade social”, muitas vezes alardeada.

Remoção de conteúdo
1.1 Atribuição de autoria

Longes são os tempos em que a investigação policial restringia-se à realização de depoimentos, declarações e exame pericial, dentre vários outros mecanismos para individualização da autoria delitiva. Nos dias que correm, face às diversas inovações tecnológicas, os criminosos passam a utilizar dessas facilidades para potencializar seus atos, alcançando um maior número de vítimas e homiziando-se da persecução penal.

Nessa conjuntura, temos a propagação de fake news através de várias ferramentas disponíveis com os mais distintos propósitos. Por vezes, esse comportamento poderá não constituir crime, ficando adstrito apenas à responsabilização civil ou administrativa. Outrossim, poderá constituir infração criminal prevista no Código Penal ou na legislação extravagante.

A infinidade de aplicações de internet existentes poderá, ocasionalmente, gerar dificuldades na atribuição da autoria, eis que, para obtenção dos elementos informativos, o investigador terá de superar diversos obstáculos, dentre os quais: o não recebimento de conteúdo e metadados por parte dos provedores; atraso no recebimento de informações; exigência de MLAT para repasse de informações; aplicações de internet sem representantes do mesmo grupo econômico no país ou que não ofertam o serviço ao público brasileiro[1]; uso de bots[2] e de pessoas contratadas em outros países para espalhar notícias, dentre outros.

Nesse cenário de incertezas do recebimento de dados, as notícias falsas ganham um campo fértil para prosperar em velocidades proporcionais aos estragos causados a um indivíduo ou a um país inteiro, comprometendo, por vezes, até mesmo o processo eleitoral.

Diante dessa constatação e nas situações tipificadas como crime na propagação de notícias falsas, a autoridade policial deverá levar em conta não apenas individualizar o autor, mas, sim, representar por medidas capazes de minimizar os danos advindos dessa proliferação na internet. Noutra banda, mesmo quando o fato não configurar infração penal, a vítima ou seu representante legal devem envidar esforços junto ao Poder Judiciário na busca de reparação do dano sofrido.

1.2 Procedimentos para remoção de fake news com ordem judicial
Na esfera judicial, presentes os requisitos para a concessão de tutela provisória, caberá ao operador do Direito representar judicialmente pela suspensão do conteúdo falso, junto ao responsável por sua hospedagem.

A ordem judicial determinando a descontinuação da notícia falsa na aplicação de internet deverá conter, sob pena de nulidade, “identificação clara e precisa do conteúdo apontado como infringente, que permita a localização inequívoca do material[3]”. Os tribunais superiores já têm reiterado posicionamento nesse sentido[4]. Acrescente-se, por oportuno, a necessidade do mandado alcançar algumas ferramentas de busca — Google e Bing —, compelindo-as a desindexar o material em preço.

Alguns caminhos podem ser tomados para seu efetivo cumprimento, não sendo, todavia, exaustivos:

  • Em sites ou blogs de notícias: encaminhamento da ordem diretamente para o responsável técnico pela prestação do serviço. Caso não haja remoção do conteúdo em tempo hábil, poderá haver a solicitação diretamente ao provedor responsável por sua hospedagem. Quando o serviço não conseguir ser interrompido nas situações acima elencadas ou em casos de conteúdo hospedado em servidores alienígenas, a efetividade da ordem judicial será processada através de ofício encaminhado aos backbones[5];
  • Redes sociais: em algumas situações, o envio da determinação judicial será feito diretamente para o setor responsável para dar exclusão do perfil, postagem, arquivos (texto, imagem, áudio ou vídeo) ou fanpage que contenha o material ofensivo.
  • Serviços de mensagem: quando o encaminhamento de fake news for através do WhatsApp, poderá haver a determinação para suspensão do viral através do procedimento de identificação da URL de encaminhamento do conteúdo[6]. Além do mais, a ordem poderá determinar a inatividade do perfil ou do grupo de mensagem com conteúdo ilícito.
  • Apreensão do domínio: demonstrado o emprego de um domínio de internet de forma reiterada, primordialmente como produtor e disseminador de fake news, entendemos ser possível a apreensão desse. Para tanto, redireciona-se o registro DNS[7] do mesmo para uma página que informe sobre a apreensão do domínio. Tal medida é comumente tomada nos Estados Unidos em casos criminais, principalmente em situações de repetida desobediência ou esquiva frente a ordens judiciais, violações de direito autoral, de marcas e venda de produtos falsificados. Entendemos ser essa prática compatível com nossa legislação pátria, podendo se tornar importante meio de deter esse tipo de comportamento criminoso e seus efeitos sociais, dentre outras hipóteses de cabimento.

1.3 Remoção sem ordem judicial
Muito embora o provedor de aplicação de internet[8] só pode ser responsabilizado civilmente pelos danos causados a terceiros se não tornar o conteúdo infringente indisponível após o recebimento de ordem judicial, há situações nas quais essa remoção pode ser feita independentemente dessa determinação.

A indisponibilização, por exemplo, pode ser solicitada por afetar as políticas de privacidade ou termos de uso do serviço. Na prática, esse documento disponibilizado pelo serviço tenciona uma garantia de segurança ao usuário, minuciando a metodologia na coleta, armazenamento e divulgação de dados pessoais. Não estando o conteúdo disponibilizado de acordo com a política estabelecida, o usuário poderá solicitar a remoção diretamente na página do serviço.

Nas situações em que a notícia falsa estiver fora do Brasil, algumas medidas não judiciais podem ser tomadas objetivando a remoção. No caso de as fake news estarem hospedadas em território americano e envolverem conteúdo protegido por direitos autorais, é possível enviar, diretamente para o infrator ou local de hospedagem, uma DMCA Notice and Takedown. Essa notificação é prevista na seção 512 do Online Copyright Infringement Liability Limitation Act[9] do Digital Millennium Copyright Act[10] (1998) e deverá ser feita na forma lá estabelecida.

Em se tratando de hospedagem de conteúdo oriundo de violação de direitos autorais no território europeu, poderá ser enviada uma notificação baseada no artigo 14 da Diretiva de Comércio Eletrônico (2000)[11], bem como outras leis podem ser aplicadas, dependendo do país europeu que esteja hospedando o conteúdo ilícito.

No Brasil, também é comum aos provedores acatarem, prudentemente, pedidos de remoção de conteúdo violador de direitos autorais, mesmo antes do início dos procedimentos judiciais cabíveis.

Caso o conteúdo das fake news não inclua material protegido por direitos autorais em território americano ou europeu, outra solução é enviar diretamente para o infrator ou local da hospedagem do conteúdo, a Cease and Desist Letter[12]. Esse procedimento é útil para informar a ilegalidade e inveracidade dos fatos noticiados, os dados de contato do notificante, bem como as penalidades às quais o infrator estará sujeito ao não cessar tal procedimento. Em fase extrajudicial, que poderá terminar em um processo judicial, o registro das fake news publicadas em ata notarial é procedimento mandatório para a consolidação da prova de existência de tal fato[13]. Em fase policial, esse documento pode ser substituído por certidão lavrada por servidor dotado de fé pública. As indicações supracitadas, principalmente as destinadas a países estrangeiros, são ferramentas úteis especialmente nos casos de redes sociais que, em sua maioria, estão sediadas fora do território nacional. Muito embora possuam ferramentas de notificação em seus próprios serviços, por vezes são reticentes na remoção de conteúdo sendo, a via tradicional, indicada nesses casos.

Conclusão
As inovações tecnológicas têm trazido grandes desafios aos operadores do Direito. Na seara de fake news, a velocidade de propagação urge a tomada de medidas eficazes visando minorar os danos sofridos por terceiros.

Várias iniciativas têm sido debatidas sobre esse tema, tais como: criação de grupos de trabalho, proposições legislativas, reuniões com provedores de aplicação de internet, agências de checagem de fato, utilização de inteligência artificial e aprendizado de máquina para detecção e combate aos bots, dentre outros. Não obstante, a divulgação de boatos, atos criminosos e mentiras tem ganhado espaço na internet.

Ademais, em ano de eleição dos representantes do Executivo e Legislativo em níveis federal e estadual, indubitavelmente o Poder Judiciário será demandado na busca de soluções e decisões eficazes para resolução desses conflitos.

É certo que, ao ser veiculado material na internet, dificilmente a remoção será feita de forma permanente, pois os conteúdos podem ter sido salvos por quaisquer pessoas. Há sempre o risco de nova postagem, devendo a vítima de fake news atentar para um permanente monitoramento de seu nome e fatos na internet. Apesar disso, tanto na área cível quanto no campo criminal, a suspensão da divulgação de noticias falsas é medida eficaz para reduzir seus efeitos danosos.


[1] Marco Civil da Internet. Artigo 11. Parágrafo 2º.
[2] São contas automatizadas que atuam nas redes sociais e interagem com os demais usuários como se humanos fossem, entretanto, em velocidades infinitamente superiores.
[3] Artigo 19, parágrafo 1º do Marco Civil da Internet.
[4] STJ. RECURSO ESPECIAL 1.698.647 – SP (2017/0047840-6). A necessidade de indicação do localizador URL não é apenas uma garantia aos provedores de aplicação, como forma de reduzir eventuais questões relacionadas à liberdade de expressão, mas também é um critério seguro para verificar o cumprimento das decisões judiciais que determinar a remoção de conteúdo na internet.
[5] Backbone: do inglês, “espinha dorsal”. São os grandes e velozes canais de comunicação de dados existentes de onde são conectadas redes menores. Seriam como as grandes avenidas em uma cidade que recebem o tráfego oriundo de vias arteriais de trânsito.
[6] No artigo WhatsApp: Como excluir conteúdo viral com cena de sexo envolvendo criança e adolescente, há o procedimento para identificação e suspensão de viral.
[7] Domain Name System (“sistema de nomes de domínio”), serviço de rede que traduz um nome de domínio para um endereço IP, direcionando a conexão para este.
[8] O conjunto de funcionalidades que podem ser acessadas por meio de um terminal conectado à internet.
[9] Disponível para consulta em https://www.law.cornell.edu/uscode/text/17/512. Acesso em 2/3/2018.
[10] Disponível para consulta em <https://www.gpo.gov/fdsys/pkg/PLAW-105publ304/pdf/PLAW-105publ304.pdf>. Acesso em 2/3/2018.
[11] Artigo 14º – Armazenagem em servidor.
[12] “Carta de Cessar e Desistir”, em tradução livre.
[13] CPC Art. 384.


Referências
BARRETO, Alesandro Gonçalves. BRASIL, Beatriz Silveira. Manual de Investigação Cibernética à Luz do Marco Civil da Internet. Rio de Janeiro: Ed. Brasport, 2016.
______. WhatsApp: Como excluir conteúdo viral com cena de sexo envolvendo criança e adolescente. Disponível em: <https://www.delegados.com.br/noticia/whatsapp-como-excluir-conteudo-viral-com-cena-de-sexo-envolvendo-crianca-e-adolescente>. Acesso em: 2.mar.2018.
BRASIL. Decreto-Lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em: 2.mar.2018.
______. Lei 12.965, de 23 de abril de 2014. Estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp105.htm>. Acesso em: 2.mar.2018.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. RECURSO ESPECIAL 1.698.647 – SP (2017/0047840-6). Relator: ministra NANCY ANDRIGHI. Julgado em 6 de fevereiro de 2018. Acesso em: 2.mar.2018.
TUPINAMBÁ, Marcos. (2013) “A obtenção de provas na investigação de crimes por meios eletrônicos”. Monografia (Pós-graduação em Direito e Tecnologia da Informação) – Escola Superior de Advocacia, São Paulo, SP.
União Europeia. Diretiva 2000/31/CE do Parlamento Europeu e do Conselho. Disponível em: <http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/HTML/?uri=CELEX:32000L0031&from=PT>. Acesso em 2.fev.2018.
U.S.Government Publishing Office. DMCA. Disponível em: <https://www.gpo.gov/fdsys/pkg/PLAW-105publ304/pdf/PLAW-105publ304.pdf>. Acesso em 2.mar.2018.

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