Consultor Tributário

A simplificação fortalece a urgência de uma reforma tributária

Autor

  • Heleno Taveira Torres

    é professor titular de Direito Financeiro e chefe do Departamento de Direito Econômico Financeiro e Tributário da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) presidente da Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF) e advogado.

7 de março de 2018, 10h30

Spacca
A “simplificação fiscal” figurou em recente lista de 15 pontos que seriam as prioridades legislativas do governo. Via-se ao lado de outros temas, como a revisão das contribuições PIS/Cofins. Pois bem, ouso dizer que a simplificação do nosso sistema tributário seria muito bem recebida por todos, e que se nos chegaria não bem como uma “reforma”, mas como verdadeira revolução do modelo atual de relacionamento entre Fisco e contribuintes, na aplicação e cobrança das obrigações tributárias.

Chega o momento no qual o sistema tributário atinge seu esgotamento ou assume relevante complexidade, o que reclama necessárias mudanças. É nesse contexto que se apresenta a necessidade de profunda reforma de todo o sistema funcional de exigência do crédito tributário. Daí a simplificação ser parte fundamental desse processo.

A complexidade, em qualquer sistema, exige esforços de contínua adaptação. A simplificação é, sem dúvidas, uma medida apropriada para conter os efeitos da complexidade intrassistêmica. O aumento da quantidade de tributos ou da carga tributária individual ou global, por si só, não autoriza a considerar um dado sistema tributário como juridicamente “inseguro” ou “complexo”. Empiricamente, pode-se confirmar, por exemplo, pela sua constante variabilidade, inacessibilidade, excesso de obrigações acessórias ou sua gravosidade, entre outros, como sinais de crise sistêmica.

Crise, desordem e insegurança são decorrências da complexidade. E nunca a complexidade foi tão expressiva no nosso ordenamento jurídico. Antes, porém, que isso nos leve a uma constatação derrotista, deve ser motivo para fomentar um exame responsável e decidido para postular mudanças necessárias.

O PIB do Brasil de 2017 foi de aproximadamente R$ 6,3 trilhões, ou US$ 1,85 trilhões. Para saber aonde estamos, basta pensar que em 2016 o PIB da Alemanha foi de US$ 3,47 trilhões; o da China foi de US$ 13,8 trilhões; e o dos EUA, US$ 17,9 trilhões. A Lei Orçamentária Anual para 2018 trouxe como valor total de gastos a soma de R$ 3,57 trilhões, sendo que R$ 1,16 trilhão se destina ao refinanciamento da dívida pública. Sobram cerca de R$ 2,42 trilhões, dos quais apenas R$ 112,9 bilhões são destinados aos investimentos públicos. A Previdência Social consome R$ 585 bilhões de gastos. Atualmente, a dívida pública geral brasileira atingiu 74,4% do PIB no início de 2018, e fechou 2017 na ordem de R$ 4,86 trilhões.

A perda de receitas e, tanto mais, a invisível perda de investimentos novos, pelo péssimo sistema tributário em vigor, dificultam enormemente a melhoria da capacidade de financiamento do Estado, a exigir alguma reforma tributária. Vejamos algumas possibilidades de medidas simplificadoras.

Não precisa muito para que se possa alcançar uma mudança significativa nas relações entre Fisco e contribuinte em nosso país. Comecemos pela redução da burocracia tributária, geradora dos entraves mais perversos para a segurança jurídica, com suas redundâncias de documentos, excessos de obrigações acessórias, interferências na esfera privada dos particulares e tantos outros. Reclama-se aqui por um conjunto de normas gerais de desburocratização da relação tributária.

Uma contribuição importante pode ser colhida dos trabalhos da comissão de juristas, em curso no Senado, presidida pelo ministro Mauro Campbell Marques (STJ) e com relatoria do ministro Dias Toffoli (STF), que discute propostas para eficiência e desburocratização da administração pública.

Ao lado dessas medidas, vale lembrar que há quatro projetos em curso no Congresso Nacional que tratam da criação de um “Código de Defesa dos Contribuintes”. Ainda que o título não goze de unanimidade, as funções pretendidas são virtuosas e muitas das suas propostas são oportunas.

Nelas, comparecem diversas disposições que poderiam atualizar o Código Tributário Nacional, bem como aprimorar as relações tributárias no âmbito dos procedimentos de aplicação dos tributos, de cobrança e do processo tributário. Certamente contribuiriam para simplificação e melhoria do modelo de cobrança, pela celeridade e proteção dos contribuintes em diversas hipóteses.

Ao lado dessas, poderiam somar-se regras de reforço à integridade tributária, para melhor controle do devedor contumaz e outras práticas ilícitas que inibem a capacidade de arrecadação de tributos.

Nenhuma reforma do sistema tributário pode deixar de enfrentar o modelo formal de solução de conflitos tributários, um dos mais complexos que existem no mundo. Enquanto não chega, expedientes gravosos são testados, em medidas de desespero, para tentar obter, pelo medo ou pela força, o resultado da prestação tributária, que se deveria estimular pela espontaneidade do pagamento e pela facilidade na solução de litígios.

Em estudos anteriores[1] lembramos que o Anexo V da proposta de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2018 trouxe dados da dívida ativa que indicam um montante de R$ 1,8 trilhão e, desses, obtida a pífia arrecadação de R$ 13,4 bilhões. A dívida não constituída como “dívida ativa” está na ordem de R$ 1,54 trilhão.

Temos proposto, para verdadeira simplificação do ordenamento tributário, as seguintes medidas: 1) redução de litígios em varas de execuções fiscais, para manter nessas apenas aquelas de matéria (especializada) exclusivamente “tributária”; 2) ampliação de medidas preventivas de conflito na fase de lançamento tributário; 3) reforma da legislação de execução fiscal e do processo administrativo; 4) emprego da conciliação em todos os processos tributários; 5) uso da “arbitragem tributária” (a exemplo da experiência de Portugal); 6) simplificação e eficiência das consultas tributárias; e 8) reforma do modelo de sanções tributárias e outros.

A segurança jurídica para os planejamentos tributários lícitos é outro desafio fundamental a ser enfrentado, juntamente com uma lei que regulamente a norma do parágrafo único do artigo 116 do CTN.

A Medida Provisória 685/2015 instituiu, no artigo 7º, a obrigação acessória de informar, anualmente, à administração tributária as operações e atos ou negócios jurídicos que acarretem supressão, redução ou diferimento de tributo. Devido ao excesso das multas, não houve sua conversão em lei. Contudo, sua importância é inconteste. Baseia-se no dever de transparência e nos esforços de implementação do Programa Base Erosion and Profit Shifting (Beps), da OCDE, quanto ao Plano de Ação 12 (Mandatory Disclosure Rules – obrigação para que os contribuintes revelem seus esquemas de planejamento tributário agressivo).

Sua finalidade está no propósito de conferir segurança jurídica ao setor privado, com previsibilidade das atuações do Fisco, redução dos custos com litígios por parte das administrações tributárias e melhoria do ambiente de competitividade e de concorrência entre empresas nacionais e estrangeiras. Logicamente, aquele texto inicial da MP 685/2015 careceria de profunda revisão e aprimoramentos, para atingir o efeito de simplificação, em vez de servir como indutora de novos conflitos tributários.

Outro tema que não pode deixar de ser discutido é o da substituição tributária e toda a complexidade que suas regras assumiram. É inexplicável, em qualquer outro canto do mundo, como possam conviver, juntos, dois regimes excepcionais, a criar as mais variadas disfunções: o maior e mais extenso programa de tributação de bases presumidas, o Simples, e a “substituição tributária”, como medida de tributação não cumulativa de antecipação, os quais geraram enormes perdas de arrecadação e, ao mesmo tempo, causam profundas confusões e ampliam o caos da tributação vigente. Ambos entraram pela porta da simplificação, mas hoje respondem pelos maiores problemas que estados, municípios e a própria União se debatem para resolver.

É fundamental que seja renovado o regime da chamada “lei do bem”, para ampliar para outros setores um regime favorável à inovação tecnológica. Como sabido, ao ser criado o “Programa de Inclusão Digital”, o artigo 28 da Lei 11.196/2005 instituiu o incentivo de redução a zero das alíquotas da contribuição PIS e Cofins, limitadamente aos equipamentos eletroeletrônicos, com vigência renovada até 31 de dezembro de 2018 (artigo 5º da Lei 13.097/2015), mas cujos efeitos foram revogados pelo artigo 9º da Medida Provisória 690/2015. É fundamental estimular a inovação, segundo métodos atuais e em conformidade com as melhores práticas internacionais.

A tributação da renda e a fiscalidade internacional brasileira integram ainda um capítulo de extrema relevância para a simplificação. E atribuímos destaque a esse item pela significativa capacidade de arrecadação que operam.

Como parte de importante contribuição, na semana passada tivemos a presença do secretário-geral da OCDE, Angel Gurría, juntamente com diversos diretores da OCDE e importantes professores estrangeiros, para debater, com acadêmicos, representantes do Ministério da Fazenda e Receita Federal, bem como da Confederação Nacional da Indústria (CNI), formas de aproximação das regras sobre preços de transferência, entre a legislação do Brasil e os métodos propostos pela OCDE[2].

Afora esses métodos, sem dúvidas diversas outras medidas precisarão ser revistas ou modificadas. Juros sobre capital próprio, subcapitalização, tributação de remessas de dividendos ao exterior, tratamento de intangíveis, pagamentos de royalties, regime de controladas no exterior, controles sobre trocas de informações, utilização de países com tributação favorecida, uso de fundos fechados, e tantos outros. Motivos não faltam.

Recentemente, nos Estados Unidos, foi aprovada a chamada “Reforma Trump”. Com as novas medidas, os EUA procuram estimular as companhias americanas a voltarem a produzir no país, para assegurar a manutenção do emprego e do lucro dessa atividade no seu território. De todas, a mais sensível foi a redução da tributação dos lucros de pessoas jurídicas de 35% para 21%, o que pode baixar ainda mais em alguns casos, pela dedutibilidade imediata do custo dos investimentos para uma ampla lista de bens, abatimento maior para os rendimentos derivados da utilização de bens imateriais (patent box), como marcas e copyright, novo regime dos dividendos distribuídos pelas empresas controladas no exterior, quando pagos no exterior, dentre outros. Pacotes de bondades jamais vistos que impulsionam a competição fiscal entre os países. As dúvidas ainda são muitas. Abre-se, porém, uma ampla guerra comercial para proteção das bases tributáveis.

Neste particular, seria recomendável que fossem retomadas, com urgência, as negociações entre Brasil e Estados Unidos de uma convenção para evitar dupla tributação, para mitigar os impactos da reforma americana. Mas só isso não basta.

O Brasil não pode mais adiar o início de uma reforma tributária, que poderá ser feita por leis ordinárias ou complementares, sem precisar de intervenções constitucionais. Só isso já permitiria grandes avanços nas relações entre Fisco e contribuintes, na melhoria do ambiente de negócios e na capacidade de arrecadação.

Crise financeira e orçamentária combate-se com rigor de responsabilidade fiscal, reformas sistêmicas, com medidas de fortalecimento da confiança nos meios de produção e na livre iniciativa, redução do endividamento público, mas sobretudo com respeito à Constituição. E já que não se pode usar de medidas provisórias em tempos de “intervenção federal”, nada impede que se promova verdadeira reforma do sistema tributário, para atualização e adaptação às demandas do presente, por leis ordinárias ou complementares e até mesmo por convenções internacionais.

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