Segunda Leitura

Trabalhar com alegria é o verdadeiro sucesso nas profissões jurídicas

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

4 de março de 2018, 8h00

Spacca
O sentido de levar a sério a profissão é muitas vezes confundido com uma sucessão de deveres asfixiantes que vão sendo eliminados, um a um, como em uma batalha campal na Idade Média.

Esta suposta eficiência faz do seu autor um profissional sisudo, que age como o velho monge Jorge Burgos, do livro de Umberto Eco Em nome da Rosa, “que define o riso como fonte de dúvida e defende que ele não deve ser livremente permitido como meio para afrontar a adversidade do dia-a-dia”[i].

Tal tipo de pessoa comporta-se como se em suas mãos estivesse a responsabilidade de evitar um foguete nuclear disparado pelo ditador coreano Kim Jong-uno, deflagrando a 3ª Grande Guerra. Busca o perfeccionismo, sente um enorme prazer ao descobrir um erro alheio e não tem paciência com aqueles que se revelam mais lentos no raciocínio. No fundo, vê-se como superior aos seus semelhantes dissimulando sua vaidade na eficiência.

No entanto, esta eficiência é apenas aparente, pois tal tipo de agir resulta em perda de tempo nos detalhes, torna medrosos e inseguros os subordinados e acaba apresentando resultados insatisfatórios.

Tais características, que valem para todas as profissões, estão, da mesma forma, presentes nas jurídicas. Exemplos.

O professor de Direito que despeja dezenas de informações, sem dar aos alunos oportunidade para discussões, sob o argumento de que está obrigado a cumprir o programa. O advogado que, ao gritos, censura o estagiário novato que ao fazer um rascunho de petição requisita uma providência do juiz ao invés de requerer. O diretor de Secretaria de Vara que não permite a comemoração de um aniversário ao fim do expediente, sob a alegação de que o serviço está atrasado.

Estas condutas, que nunca foram exemplo de bom procedimento, agora se revelam cada vez mais longe de ser o caminho certo de proporcionar eficiência, sucesso e felicidade.

Flávio Gikovate exemplifica com um jovem que ama jogar futebol, para quem a vida profissional poderá vir a ser o prolongamento do que era uma simples e agradável brincadeira. Assim registra o psiquiatra:

Se o jovem atleta for capaz, por exemplo, de se divertir, ganhar a vida com aplicação, mas sem se preocupar muito com a convocação para a seleção, talvez consiga continuar a curtir futebol, mesmo sendo um jogador profissional.[ii]

O exemplo cai como uma luva às profissões jurídicas, onde as decepções podem ocorrer a todo tempo. Imagine-se um juiz de Direito que não consegue ter acesso ao cargo de desembargador e com isso fica frustrado. Este desapontamento faz parte da vida e pouco lhe adiantará ficar alimentando raiva contra os desembargadores que não votaram no seu nome. O que tem a fazer é saber a lidar com o não, continuar a execer sua profissão corretamente e, dela, procurar ter as alegrias possíveis, ainda que sem a sonhada promoção.

Em poucas palavras, a profissão deve ser prazerosa, a alegria advém da realização pessoal e esta só é encontrada quando se faz o que se gosta. Nem sempre isto é fácil, por vezes só se consegue com o tempo e, em alguns casos, nem é possível.

Imagine-se um juiz do Trabalho que detesta fazer audiências, Ora, sabidamente, nessa Justiça as audiências fazem parte da rotina, ocupam tardes inteiras, por vezes em ambiente conflituoso. Um defensor público que não gosta de atender os pobres que lhe procuram com complexos problemas, que mal conseguem explicar o que querem e não possuem documentos. Uma jovem delegada de Polícia que detesta sair em diligência de enfrentamento com perigosos bandidos, preferindo o trabalho técnico.

Essas dificuldades profissionais que entravam a felicidade na profissão, devem acima de tudo ser evitadas. Quem não gosta de audiências não deve procurar a magistratura trabalhista. Mas, se essa é a realidade, que tal pintar as paredes de cores que facilitem os acordos, receber as partes com um sorriso e mostrar um gráfico que demonstra o tempo médio de um processo até o final da execução?

A Defensoria não é lugar para quem não goste do trato com pessoas de baixo nível social e cultural. Mas acompanhar e constatar a satisfação de que vê sua dificuldade ser solucionada pode resultar em grande satisfação profissional. Nas funções policiais é possível procurar delegacias especializadas, mais técnicas, muito embora o objetivo possa demorar em razão da disputa por posições.

Por vezes, a aversão é descoberta mais tarde, quando já se está no exercício das funções. O que se tem a fazer é procurar contornar o problema da forma que se revele mais adequada. Isso nem sempre é fácil. Por exemplo, mudar de vida fazendo outro concurso pode esbarrar em dificuldades de tempo, distância, problemas econômicos ou familiares.

E assim, pode ser até, que solução não haja. O que se tem a fazer é simplesmente preparar-se psicologicamente para enfrentar o problema, sabendo que ele será parte da vida. Sozinho ou com a ajuda de profissional qualificado, é preciso procurar os aspectos positivos da profissão. Será sempre melhor do que passar os dias a reclamar e a transmitir a insatisfação aos mais próximos.

Nesta busca, uma dose de inquietação, de curiosidade, ajuda muito. Se é estafante a rotina de ser juiz federal de uma Vara de Execuções Fiscais, com 200 mil processos que dificilmente chegam a um final de êxito, a curiosidade de pesquisar como outros países resolvem tal problema pode ser a solução. Por exemplo, procurando saber como são feitas as cobranças de tributos em Portugal, Argentina ou Chile. Com a ajuda da internet isso, atualmente, é possível. E, quem sabe, desta pesquisa venha uma boa proposta para minorar a situação insustentável dessas Varas.

Em última análise, em tais circunstâncias o que fará a diferença é cultivar e ter amor, gosto pela vida. Convivemos com pessoas que, exercendo a mesma profissão e recebendo o mesmo salário, revelam-se felizes ou tristes, realizadas ou insatisfeitas. Isso passa por saber como enfrentar os desafios com coragem, evitar cair no pessimismo e na auto-piedade. Em outras palavras, pela inteligência emocional,

Augusto Cury dá-nos bom exemplo disto ao lembrar que “há idosos com idade biológica de 80 anos, mas com um vigor inacreditável. Amor a vida, sair, viajar, se aventurar, conhecer pessoas, inventar e se reiventar”[iii] é, com certeza, o melhor caminho.

Em suma, os que bem sabem conduzir a vida procuram trabalhar com alegria, fazer da profissão uma forma de plena realização. Outros, em igual situação, procuram ver o que há de pior e fazem da sua rotina uma “via crucis”, sonhando com a aposentadoria, quando, certamente, iniciarão nova fase de decepções. Qual das duas é a melhor opção?

 


[i] Goés, Paulo de. O PROBLEMA DO RISO EM O NOME DA ROSA, DE UMBERTO ECO. Disponível em https://periodicos.pucpr.br/index.php/aurora/article/viewFile/1225/1159. Acesso em 3/3/2018.

[ii] GIKOVATE, Flávio. Dá para ser feliz… apesar do medo”. São Paulo: MG Ed., 2007, p. 217.

[iii] CURY, Augusto. Como enfrentar o mal do século. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 123.

Autores

  • Brave

    é desembargador federal aposentado do TRF da 4ª Região, onde foi corregedor e presidente. Mestre e doutor em Direito pela UFPR, pós-doutor pela Faculdade de Saúde Pública da USP, é professor de Direito Ambiental no mestrado e doutorado da PUC-PR. Presidente da International Association for Courts Administration (IACA), com sede em Arlington (EUA). É vice-presidente do Ibrajus.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!