A produção de prova inominada ou atípica na área ambiental
3 de março de 2018, 8h00
No tocante à flora, a Lei dos Crimes Ambientais tipifica como ilícitas as condutas de destruir ou danificar floresta de preservação permanente (artigo 38), assim como o corte de árvores nessas florestas, caso o agente não possua autorização da autoridade ambiental (artigo 39).
Mas, ao lado dessas condutas, igualmente é considerado delito impedir ou dificultar a regeneração natural de florestas e demais formas de vegetação (artigo 48).
Percebe-se, assim, que o legislador brasileiro leva em conta o processo espontâneo da natureza de se reconfigurar e determina que ele deve ser respeitado sob pena de incidirem sanções criminais.
Esse processo natural não espera uma perícia judicial. Ele é constante, fluido e tem seu próprio tempo. Então, uma vez ocorrido um dano ambiental, logo em seguida a natureza já inicia seus movimentos de rearranjo.
No plano jurídico, uma degradação gera consequências nas esferas civil, penal e administrativa (artigo 225, parágrafo 3º, da CF). E a perícia é fundamental, na maior parte dos casos, para a comprovação da materialidade dos fatos, verificação de suas dimensões e estabelecimento das formas de reparação dos danos.
Ainda que sejam feitas constatações do ocorrido pelo órgão ambiental competente, com produção de laudos dotados de presunção de legitimidade, legalidade e veracidade, trata-se de atos administrativos detentores de higidez decorrente de presunção juris tantum.
Por conseguinte, havendo pedido de qualquer das partes de eventual processo judicial, o juiz determinará uma perícia, nomeando profissional com capacitação técnica e submetendo a prova às garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa.
Acontece que a perícia somente é feita na fase da instrução processual — após as fases postulatória e saneadora —, e esse momento costuma se distanciar bastante da época do ocorrido.
Por tal motivo, é frequente o perito não encontrar mais elementos adequados para fazer seu trabalho, já que o corpo do animal morto estará decomposto, os ferimentos decorrentes de maus-tratos estarão cicatrizados ou o animal poderá até mesmo ter morrido por motivos diversos; no local de árvores cortadas poderá ter ocorrido regeneração ou existir um prédio; o rio poluído poderá estar limpo ou, inclusive, canalizado.
Em face desses dados de realidade, comemoramos algumas modificações introduzidas pelo novo Código de Processo Civil. Explica-se.
O ordenamento jurídico processual dispõe acerca da possibilidade de determinação judicial de medidas cautelares para assegurar a eficácia do objeto da ação, evitando o perigo de dano ou o risco ao resultado útil da lide.
A lei confere ao juiz da causa o poder geral de cautela para determinar as providências que julgar adequadas (arresto, sequestro ou qualquer outra medida idônea) a fim de preservar o bem da vida colocado em jogo na demanda judicial.
A previsão legal desses institutos vem insculpida nos artigos 300 e 301 do CPC:
Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
Art. 301. A tutela de urgência de natureza cautelar pode ser efetivada mediante arresto, sequestro, arrolamento de bens, registro de protesto contra alienação de bem e qualquer outra medida idônea para asseguração do direito (grifei).
Fincadas tais premissas, verifica-se que a concessão da tutela provisória exige o atendimento aos requisitos previstos no artigo 300 do CPC, que normalmente se mostram presentes quando há dano ambiental, como acima evidenciamos.
Ou seja, é fácil mostrar minimamente ao juiz a ocorrência de uma degradação ambiental e justificar a urgência na probabilidade de que seus vestígios logo não mais existirão.
O que sugerimos a qualquer das partes que tenha a intenção de requerer uma perícia judicial futura é, logo após a ocorrência do fato, buscar uma liminar de averiguação para se constatar a exata dinâmica dos acontecimentos, sob o risco de tal oportunidade ser perdida em definitivo.
Neste momento, importa discorrer sobre a espécie de prova requerida — verificação in loco —, pois tal categoria não consta no rol do Capítulo XXII, do Livro I, do CPC.
De plano, reafirmamos que o juiz pode fazer uso do poder geral de cautela para efetivar medida urgente e assecuratória por qualquer meio; o magistrado tem o poder de ir além dos provimentos nominados na legislação para adequar e especificar no caso concreto a melhor forma de assegurar o objeto da lide.
O novo CPC estabeleceu no seu artigo 369 a possibilidade da produção de provas inominadas/atípicas com o fim de propiciar ao juízo a melhor obtenção de elementos em busca da verdade dos fatos. Cita-se:
Art. 369. As partes têm o direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente na convicção do juiz (grifei).
Ainda sobre o tema, reproduzimos os ensinamentos de Marinoni et al:
Todos os meios de prova lícitos são hábeis para provar a verdade das alegações de fato em que se funda a ação ou a defesa. Os meios de prova podem estar previstos ou não topicamente pelo legislador. No primeiro caso, fala-se em prova típica; no segundo, atípica. Uma e outra são suscetíveis de utilização em juízo.
E por que não fazer desde logo o pedido de uma perícia na forma de produção antecipada de prova? Entendemos sua inviabilidade diante de boa parte dos casos concretos por diversos aspectos, em especial pelos seguintes:
a) o juiz da causa teria que nomear um perito, o qual deveria ser intimado a apresentar estimativa de honorários, do que seriam intimadas as partes. Contudo, sequer há angularização processual, e a intimação seria pessoal (mais demorada)!;
b) as partes poderiam impugnar os honorários;
c) haveria discussão sobre quem deveria suportar o ônus da prova. Como regra, em ação civil pública o MP pede a inversão do ônus probatório! Mas, caso fosse determinado ao MP o custo da prova — o que se admite para argumentar —, seria necessário o chamamento do Estado para fazer o depósito do valor, e sabe-se que a burocracia pode fazer com que tal procedimento se estenda de meses a anos;
d) ainda, as partes seriam intimadas a formular quesitos e indicar assistentes técnicos.
Enfim, a prova pericial, no momento de que tratamos, frequentemente não é a melhor opção, podendo inclusive se mostrar inviável.
Com a verificação in loco, pretende-se tão somente a constatação dos fatos por alguém imparcial nomeado pelo magistrado. O laudo de vistoria possibilitará a realização da futura perícia. E para que a vistoria tenha maior força probandi recomendamos que os profissionais nomeados pelo juízo contatem as partes para acompanhar o trabalho, querendo, o que se dá normalmente pela indicação de técnicos.
Finalizamos citando as palavras de Rui Barbosa: “Justiça tardia nada mais é do que injustiça institucionalizada”. De fato, se as peculiaridades ambientais demandarem uma prova pericial imediata, mas dada a impossibilidade de fazê-la desde logo pelos motivos acima declinados, é fundamental uma medida cautelar de vistoria da área degradada para que, no tempo certo, a prova pericial seja viável do ponto de vista prático, concreto.
Impossibilitar a vistoria como prova judicial antecedente à perícia na mais das vezes consiste em impedir a realização desta no futuro e, consequentemente, prejudica o julgamento adequado do feito, que repousa na aplicação da justiça ao caso concreto a partir do que mais se aproxima da verdade real.
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